Lauren K. Cannon. |
sábado, 31 de março de 2018
quinta-feira, 29 de março de 2018
Zona de Guerrilha Franca
Zemaria Pinto
1 – Finalmente o Brasil
ganhou da Alemanha. Não em algum indicador econômico ou social. Apenas, no
medíocre e descartável futebol.
2 – Marielle continua
morta. E seus assassinos continuam impunes – e anônimos.
3 – Meirelles é candidato
de si mesmo. Mas não terá nem o próprio voto, já prometido a Temer.
4 – Aliás, o desemprego,
que vinha caindo em ritmo de toada, voltou a subir de forma metaleira: só em
fevereiro, foram mais 550 mil pessoas desempregadas. Sem contar os venezuelanos. Efeito do carnaval? Ou da
incompetência do Meirelles?
5 – “Voxê é uma pexoa
horrrr-rrrí-velll” – e as senhoras (com o o fechado: ô) e os senhores do
Supremo, cada vez mais abjetos.
6 – Como diria a Mãe
Velha – quem com porcos anda, chafurda com eles.
7 – O mecanismo é ruim porque tem um roteiro primário e interpretações
caricaturais – além daquele insuportável narrador, marca registrada do Padilha,
que o utiliza para suprir a deficiência de sua narrativa visual.
8 – O delegado vivido por
Selton Mello é tão inverossímil quanto o capitão Nascimento. A diferença é que
o Wagner Moura dominou o capitão, enquanto Mello se deixou dominar pelo
delegado, sussurrando quando deveria gritar, berrando quando deveria apenas
falar alto. Histrionice involuntária é incompetência da direção.
9 – Afinal, como diria
Hitchcock – ator é gado.
10 – Boicotar a netflix
por causa de uma série de bosta é o mesmo que boicotar a coca-cloaca porque é
um ícone do imperialismo.
11 – Eu não tomo coca-cloaca
porque não gosto daquilo. Me dá ânsias de vômito. Sin embargo, coloquem no “google
imagens” a consulta “che coca-cola” ou “fidel coca-cola”. Eles adoravam
coca-cloaca. Mas a revolução cubana foi muito mais que essa relação entre os
comandantes e a porra da cloaca.
12 – Prenderam os amigos
do Temer. Como dizia minha avó – um homem sem amigos é um monturo. Com amigos,
comparsas ou meros baba-ovos de ocasião, o Temer já nasceu monturo.
13 – Ovo de páscoa? Nem os
meus.
A trágica compreensão colonial do pajé
João Bosco Botelho
Desde os primeiros tempos do processo colonial, o pajé
despertou especial vigilância do colonizador, sempre inserida numa trágica e
deliberada compreensão.
Existem várias palavras que estruturam significados
semelhantes desse personagem especial: pagi, pay, payni, paié, paé, piaecé,
piaché, pantché podem ser entendidas messe contexto complexo. Parecem estar
etimologicamente atadas à expressão pa-yé, aquele que diz o fim ou profeta. Stradelli
reconheceu o pajé como sinônimo de paié: “É o médico, o conselheiro da tribo, o
padre, o feiticeiro, o depositário autorizado da ciência tradicional. Pajé não
é um qualquer. Só os fortes do coração, os que sabem superar as provas de
iniciação, que têm o fôlego necessário para ser pajé”.
A trágica e agressiva compreensão social do pajé pode ser
compreendida a partir da descrição feita por Gabriel Soares de Souza, que
esteve no Brasi no final do século 16: “Entre esse gentil tupinambá, há grandes
feiticeiros, que têm este nome entre eles, por lhe meterem em cabeça mil
mentiras... A estes feiticeiros chamam os tupinambás pajés”.
Não existem registros precisos, nas fontes primárias do
século 16, de como os pajés eram formados. É possível que a ascensão do
iniciante se desse de vários modos. Entretanto, pelos relatos dos cronistas, os
pajés precisavam mostrar competência no desempenho das múltiplas funções: êxito
no tratamento das doenças, previsões do tempo e das colheitas, antever
acontecimentos importantes relacionados com as guerras.
O pajé começava a acumular respeito no seio da comunidade a
partir do momento em que se concretizava uma previsão esperada, como revelou
Yvez d’Evreux: “A revelação do feiticeiro dependia de algum acidente ou caso
fortuito: como, por exemplo, se anunciando as chuvas, estas caiam imediatamente
depois. Se, ainda, tendo soprado algum doente, por ventura, recuperava a saúde,
isto constituía um meio de ser logo respeitado e tido como feiticeiro de muita
experiência”.
Algumas vezes a iniciação se efetivava através de ritual
específico, como no presenciado por Hans Staden, durante o qual os tupinambás
elevavam algumas mulheres na dignidade dos pajés: “Primeiramente, vão os
selvagens a uma choça, tomam uma após outra todas as mulheres da habitação e
incensam-nas. Depois deve cada uma gritar, saltar e correr em roda até ficar
tão exausta que cai ao solo como morta. Então diz o feiticeiro: Vede. Agora
está morta. Logo a porei viva de novo. Quando voltar a si está apta a predizer
coisas futuras...”
O colonizador percebeu precocemente a relevância do pajé nas
sociedades e estruturou rapidamente a certeza da absoluta necessidade de
destruí-lo. Este fato é da maior relevância porque amparou parte importante do
processo de substituição dos valores socioculturais dos índios pelos do
colonizador.
Existem registros relevantes demostrando ações coordenadas
atuando para enfraquecer o pajé. Um dos mais significativos é do capuchinho
Claude d’Abbeville, no livro “História dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão
e Terras Circunvizinhas”, publicado em Paris, em 1914: “Perdeu muita
importância o ofício do pajé depois que chegamos ao país, tanto mais quanto em
nossa companhia havia um jovem que sabia fazer peloticas com as mãos e muitas
prestidigitações... Logo que os maranhenses viram as peloticas daquele rapaz,
puseram-se a admirá-lo e chamá-lo de pajé-açu. Mostrou-lhes então o senhor de
Rasilly que tudo se devia a certa habilidade, comparando-o com os pajés, demonstrou
que estes não passaram de pelotiqueiros e embusteiros. Resultou disso muitos
abandonarem as suas crenças e finalmente até crianças zombavam dos pajés”.
Outro comentário de grande importância é do jesuíta José de
Anchieta, ainda mais agressivo: “Já não ousas agora servir de teus artifícios,
perversos feiticeiros, entre povos que seguem a doutrina de Cristo: já não
podes com mãos mentirosas esfregar membros doentes, nem, com lábios imundos,
chupar as partes do corpo que os frios terríveis enregelam, nem as vísceras que
ardem de febre, nem as lentas podagras, nem os braços inchados... Se te prender
algum dia a mão dos guardas, gemerás em vingadora fogueira ou pagará em sujo
cárcere o merecido castigo”.
Parece claro que na comunicação cristã empregada na conquista
e ocupação dos novos territórios, a substituição do poder do pajé estava na
primeira linha do ataque.
Este fato, por si só, é suficiente para comprovar a
importância social do pajé nas sociedades indígenas, motivando o conquistador
para destruí-lo, como essencial para assentar a nova ordem cristã.
quarta-feira, 28 de março de 2018
terça-feira, 27 de março de 2018
O silêncio de José
Pedro Lucas Lindoso
No dia 19 de março celebra-se São José. Há muitos devotos
aqui no Amazonas. O santuário a ele dedicado é grande e muito frequentado.
Provavelmente, essa devoção seja herança cultural dos milhares de cearenses que
vieram para cá, enriquecendo-nos com sua cultura, crenças e tradições.
A figura bíblica de José é intrigante. Pessoalmente, eu já
meditei muito sobre este mistério. José, noivo de Maria, é informado por um
anjo do Senhor que sua futura esposa irá conceber uma criança que será o nosso
Salvador. Diferente de Maria, que tem “falas” bíblicas, como: “Eis a serva do
Senhor”, José obedece às instruções divinas num silencio totalmente obsequioso.
Penso que todos nós homens, cristãos ou não, podemos ficar intrigados com a
atitude de José.
Uma jovem amazonense, moradora da Zona Leste da cidade,
também chamada Maria, apaixonou-se pelo rapaz errado. E dele engravidou. Essa
manauara, Maria do século 21, que não é nenhuma santa, deu um passo errado, com
o rapaz mais errado ainda. O moço foi assassinado pela violência inerente às
disputas pelo tráfico de drogas na cidade.
A jovem Maria, apavorada, relatou o fato a sua mãe, que quase
desmaiou. E disse à filha:
– Teu pai vai te matar. Vai te expulsar de casa!
Mãe e filha não tiveram alternativa a não ser relatar tudo àquele
homem. Trabalhador e pai de família, também chamado José. Ambas apavoradas com
a sua reação. Certamente ficaria violento ao saber que a filha de dezesseis anos
estava grávida de um bandido.
O homem ouviu tudo. Uma lágrima rolou em seu
rosto. Não disse absolutamente nada. Abraçou a mulher e a filha. Ambas
espantadas com a reação do pai e marido. O homem continuou em silêncio. Um silêncio tão obsequioso quanto o de São
José. Mas diferente. Ali havia perdão.
O silêncio de São José e do José manauara só pode ser explicado
no amor. Imenso amor a Deus e à vida.
segunda-feira, 26 de março de 2018
domingo, 25 de março de 2018
sábado, 24 de março de 2018
sexta-feira, 23 de março de 2018
quinta-feira, 22 de março de 2018
Serpente: o símbolo da medicina 2/2
João Bosco Botelho
De acordo com a mitologia grega, a medicina começou com Apolo,
filho de Zeus com Leto. Apolo é reconhecido na literatura com dezenas de
qualificações, além de deus curador. Foi também identificado como Aplous,
aquele que fala a verdade. O poder dele era transmitido à água dos banhos que
purificava a alma e por isto era considerado o deus que lavava e libertava o
mal.
De modo geral, o herói grego estava associado à arte de
curar. Grande número de deuses e personagens da mitologia grega tinham, entre
os seus atributos, o dom de curar doenças e feridas de guerra.
Um dos filhos de Apolo, Asclépio, foi educado pelo centauro
Quirão para ser médico. O centauro, metade homem e metade cavalo, possuía o
completo conhecimento da música, magia, adivinhação, astronomia e da medicina,
além de ter a maior habilidade entre todos, a ponto de manejar com igual beleza
o bisturi e a lira.
Para os gregos, predominou a ideia de que Asclépio deificava
a medicina na mitologia. Por esta razão, era celebrado em grandes festas
públicas, próximas ao dia 18 de outubro do nosso calendário, data em que, até
hoje, no Ocidente, se comemora o dia do médico.
Asclépio conquistou uma fama inimaginável. Muito mais
cirurgião, ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas.
Chegou a ressuscitar os mortos e por essa razão foi fulminado por Zeus com os
raios dos Ciclopes. Zeus matou Asclépio porque temia que a ordem natural das
coisas fosse subvertida pelas curas e pela ressurreição dos mortos.
Asclépio deixou duas filhas, Hígia e Panaceia. A primeira
representava a medicina preventiva e a higiene, e a segunda se notabilizou por
curar os doentes com os segredos das plantas medicinais. Além delas, seus dois
filhos, Machaon e Podalírio, foram médicos guerreiros, que se destacaram na
guerra de Tróia e são citados nominalmente por Homero (Ilíada, 830).
Muitos afrescos retratando Asclépio produzidos no século 4
a.C., contêm uma serpente enrolada num bastão. É possível estabelecer duas
imagens simbólicos que uniram a serpente à medicina. A primeira está ligada ao
fato dela poder viver acima e abaixo da terra, mediando dois mundos diferentes,
em estreito vínculo com a localização subterrânea do outro mundo. A segunda,
mais importante, está associada ao renascimento por meio da renovação periódica
da pele.
quarta-feira, 21 de março de 2018
terça-feira, 20 de março de 2018
O maior cunhado do mundo
Pedro Lucas Lindoso
O político brasileiro Leonel Brizola foi governador do Rio
Grande do Sul. Após o exílio, retornou à vida pública como governador do Rio de
Janeiro. Brizola era cunhado do presidente João Goulart, deposto pelos
militares em 31 de março de 1964. Apesar de correligionário e cunhado do
ex-presidente, Brizola teria afirmado que: “cunhado não é parente”.
Meu amigo Dr. Chaguinhas acha que Brizola estava certíssimo.
Após a morte de sua sogra, o irmão mais novo de sua esposa aboletou-se em sua
casa. O rapaz é nem-nem. Nem trabalha nem estuda. Segundo Chaguinhas, o moço é
sem noção. “Metido, enxerido e apresentado”, como diz o caboclo amazonense.
Chaguinhas também acha que cunhado não é parente e já solicitou que o rapaz se
mude de sua casa o mais breve possível.
Já um ilustre magistrado conhecido de Chaguinhas, muito
zeloso e ético, deu-se por impedido num processo judicial entre duas empresas
de energia. Motivo: verificou que o nome de um dos seus cunhados constava do
substabelecimento de procuração de uma das partes, entre dezenas de outros
advogados.
Afinal, Brizola tinha ou não razão? Cunhado é ou não parente?
Vejo com alegria que minha filha e minha nora se tratam
carinhosamente de “cunha”, diminutivo moderno de “cunhada”.
Também tenho uma cunhada que muito admiro e de quem sou fã.
Maria José Silveira, esposa de meu irmão mais velho, Felipe Lindoso. Zezé, como
a tratamos carinhosamente, é uma escritora fenomenal. Tem vários romances
publicados, entre eles “A Mãe da Mãe de sua Mãe e suas Filhas”, com o qual recebeu
o Prêmio Revelação da APCA, 2002. O romance mostra a história de uma linhagem
de mulheres ao longo dos 500 anos da história do Brasil. A minha cunhada
querida agora é sucesso nos Estados Unidos com a publicação de “Her Mother's
Mother's Mother and Her Daughters”. Podem adquirir pela Amazon.
E quando o assunto é cunhados e americanos, lembrei-me de
inusitada pergunta de um diplomata americano em Brasília. O que seria
“concunhado”?
Com razoável conhecimento de Inglês, fiquei impactado. Não
consegui uma tradução literal. E em dúvida. Seria o marido da irmã de sua
mulher ou o irmão de seu cunhado, marido de sua irmã? Em Inglês não existe a
palavra concunhado.
Se para Brizola e Chaguinhas cunhado não é parente, a
fortiori, concunhados!
Para os católicos, as freiras são esposas de Jesus. Tenho uma
irmã de sangue que é religiosa salesiana. Sem querer cometer heresia: eu e meus
irmãos temos o maior cunhado do mundo!
segunda-feira, 19 de março de 2018
A favor de Marielle Franco: reflexões sobre a canalhice
Zemaria Pinto
As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que,
anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano
à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora
eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da
internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.
(Umberto Eco – entrevista – 2015)
E as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
(Caetano Veloso – Saudosismo – 1968)
Eu sou a favor do aborto.
Da descriminalização da maconha. Do reconhecimento dos gêneros (falar em
ideologia, no caso, é ignorar o que é ideologia). E sou ateu – só não completo
com um “graças a deus”, porque é piada velha. E mais que ateu, sou anticristão
– qualquer que seja a vertente do cristianismo: do papa Francisco ao padre
João, do mala Malafaia ao pregador Raimundo.
Espero que não me matem
por tão pouco.
No mais, o lixo que
circula na Internet é usado para caluniar os que pensam de forma dissonante. Repito
aqui o velho Marx: a única função do filósofo é duvidar. Marx, que jamais foi
marxista, apenas repetia o que Sócrates – via Platão – já afirmara há mais de
dois mil anos. Mas como não sou filósofo, me valho do poeta Torquato: vai,
bicho, desafinar o coro dos contentes!
Marielle Franco era uma
nota dissonante no coro dos contentes. Por isso foi assassinada, covardemente.
Tira essa última palavra, porque todo assassinato é covarde. Os sujeitos que
escreveram a Bíblia acertaram em cheio ao alegorizar o assassinato de Abel pelo
covarde Caim. E olha que eles eram judeus – como poderiam ser negros,
homossexuais, maconheiros; mulheres, talvez.
Os que acham que a defesa
dos Direitos Humanos é coisa de vagabundo e defendem a pena de morte – ou a
simples execução para quem pensa diferente, seja pelos esquadrões da morte,
pelas milícias militares e paramilitares ou pela intervenção
institucionalizada; os que pensam assim, esquecem que os Direitos, numa
sociedade democrática, são de todos – e não apenas dos que pensam como eles,
que formam o coro dos contentes imbecis, que não questionam nada e,
principalmente, não se questionam.
Um último toque: um
artista, e aqui incluo os escritores, não precisa ser de esquerda para ser
artista. Esse é um mito estúpido, que precisa ser combatido. Estão aí o ariano
Wagner; o catolicão Elliot; os fascistas Pound e Borges; o nazista Heidegger; o machoman John
Wayne; o topetudo Elvis; o patropi Benjor; o reaçamor Nelson Rodrigues. Declaro de público que os amo, a
despeito da ideologia. Mas um artista não pode ser canalha. Não pode injuriar, caluniar,
difamar, mentir.
Ei, no parágrafo
anterior, onde se lê artista, leia a sua profissão. Substitua os exemplos, por
exemplos dessa profissão.
domingo, 18 de março de 2018
sábado, 17 de março de 2018
quinta-feira, 15 de março de 2018
Serpente: o símbolo da medicina 1/2
João Bosco Botelho
A elaboração do universo religioso do curador primordial foi
processada no âmago do conhecimento empírico da natureza circundante, e pela
transformação imposta a ela pelo homem, para obter o alimento e o abrigo.
A primitiva relação com outros animais, que gerou a figura
mítica do “senhor do animal”, foi sincretizada com outros símbolos, nascidos
pela posse da terra cultivada, dando como fruto o mito da “mãe terra”. A
utilização empírica do vegetal, indispensável para a sobrevivência, se processou
em complexa compreensão mítica da realidade, marcada pelas explicações para dar
sentido à vida, onde a busca da saúde e do conforto são fundamentais.
Ao sentir a pequenez frente à impossibilidade de vencer o
destino mortal, o homem estabeleceu alianças com as divindades mais fortes,
como a cirurgia de fimose feita pelos judeus no sétimo dia após o nascimento,
marcando na própria carne a prova da obediência (Ge 17, 9 14).
É possível situar a elaboração dos mitos cosmogônicos na
organização do pensamento do tipo tese-antítese-síntese, onde a vida representa
o ser em oposição à morte, onde o animal e o vegetal tornados sagrados passaram
a ter os papeis principais.
Nas sociedades antigas que se desenvolveram e prosperaram há
4.000 anos, ao longo dos vales dos rios Tigre, Eufrates, Nilo e Ganges, o
sincretismo entre o “senhor do animal” e a “mãe terra” estava claramente
presente no cotidiano do curador.
Foi da Grécia, há 2.500 anos, que chegou material
historiográfico suficiente para traçar, com alguma segurança, um perfil da
medicina ligada aos mitos cosmogônicos, onde o sagrado e o profano estão unidos
num só corpo, em permanente luta pelo predomínio.
A passagem da oralidade à escrita não se fez sem resistência.
Platão (Fedro, 274) resgatou a lenda do deus egípcio Thot, protetor dos
escribas, inventor dos números e dos cálculos para criticar a substituição da
lembrança oral, já em curso, naquele tempo na Grécia.
quarta-feira, 14 de março de 2018
terça-feira, 13 de março de 2018
Ocoberto e outras merendas
Pedro Lucas Lindoso
Andrea é paulista. Mudou-se de mala e cuia para Manaus. Disse
estar contente com a cidade. Como veio em época de muita chuva e clima mais
ameno, foi logo perguntando:
– O calor que dizem fazer por aqui é lenda urbana?
Foi-lhe dito que aguardasse o mês de julho, quando se inicia
a vazante e chove menos. O calor é senegalês!
Andrea está gostando da cidade, mas talvez não fique para
sempre. E por isso se recusa a comer jaraqui. Dizem que “quem come jaraqui não
sai mais daqui”. Bobagens. Isso é superstição tola. É apenas uma rima. E
jaraqui frito tem seu valor!
Nunca havia comido uma “bôla”. Teve a ousadia de chamar uma
regionalíssima bola de sardinha de torta salgada. Quanta heresia! Bola é bola.
Com ou sem circunflexo.
Provou uma coxinha de galinha e achou diferente. Explicaram
que aqui em Manaus tem coxinha de trigo e coxinha de macaxeira. Além dos
conhecidos “coxinhas e mortadelas”, mas o assunto é merenda e não política.
Indicaram o Lanche do Careca Lindo, na Praça 14 onde é
possível escolher os dois tipos de coxinha, a local, de macaxeira, e a do
sudeste, de farinha de trigo. Os salgados são famosos e o suco uma delícia.
Gostou de pupunha. Disse que lembrava levemente o gosto de
pinhão. Outra heresia! Mas não gostou de tucumã. Uma lástima. Não sabe o valor
de um Xcaboquinho.
Um colega de trabalho levou-a ao Mercado Adolpho Lisboa, o
nosso mercadão. Pensou em comer um mingau. Mas desistiu. O que seria um bom
lanche? Perguntou ao colega.
Em Manaus o povo gosta de merendar. Aqui cachorro quente é
kikão e o molho pode ser de repolho.
O tacacá é uma opção barata e muitos estudantes tomam antes
de enfrentar as aulas noturnas. É ótimo para curar ressaca. Um dos melhores da
cidade é feito por japoneses. Fica no conjunto Eldorado. Andrea ainda não provou
tacacá. Não sabe o que está perdendo.
O que será que a gente pode merendar? Perguntou novamente.
O amigo provocou-a, rindo: Conhece ocoberto? Andrea,
espantada pergunta: O que é ocoberto?
Ovo coberto. Ovo cozido, coberto com massa de farinha de
rosca. Salgado muito vendido nas feiras e no centro da cidade.
Andrea ainda tem muito que aprender para se tornar uma
verdadeira manauara.
segunda-feira, 12 de março de 2018
domingo, 11 de março de 2018
sábado, 10 de março de 2018
sexta-feira, 9 de março de 2018
quinta-feira, 8 de março de 2018
Miséria social e caridade 2/2
João Bosco Botelho
Nenhuma doença poderia simbolizar melhor a atenção que Jesus
dedicou aos doentes quanto a lepra. Os leprosos foram escolhidos no Terceiro
Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159 -1181),
para receberem tratamento especial dos cristãos ao mesmo tempo, foi reprovado o
isolamento a que eles estavam submetidos pela sociedade. A Ordem de São Lázaro,
criada para dar cumprimento às ordens conciliares, tinha o grão-mestre leproso.
Não se deve estranhar que o pano de fundo das
corporações-confrarias-irmandades tenha sido também a obtenção de vantagens
pessoais, financeiras e políticas para os envolvidos. Essa afirmação ganha
suporte no fato de que D. Pedro, em 1420, escreveu ao seu irmão D. Duarte,
sugerindo a intervenção real na administração das hospedarias, como alternativa
para reabilitar a debilitada economia do reino, cujas reservas foram gastas nas
guerras e o pouco arrecadado era consumido pelos fidalgos.
Sob esse enfoque, é fácil compreender o interesse por essas
instituições, claramente demonstrado tanto pelos religiosos quanto pelos
laicos. As ordens religiosas devem ter sido mais ágeis para dirigir o produto
monetário da caridade aos cofres eclesiásticos, a ponto de a situação ter
ficado insustentável, causando prejuízo à arrecadação do reino. A reação foi
imediata. Por ordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas, de
1446, foi decretada a interdição real nas albergarias, determinando que todos
os legados que fossem doados às irmandades deveriam passar pelas cortes civis e
não mais pelos tribunais religiosos. Essa providência interrompeu, em Portugal,
um aspecto rendoso da caridade cristã, porque proporcionava o recebimento de
vultosas quantias em doações e heranças dos ricos súditos bem-intencionados,
deveriam ser utilizados na atenção aos leprosos, mas a maior parte do dinheiro
engordava a riqueza de clérigos e fidalgos.
A dissolução compulsória das albergarias-hospitais do reino
foi seguida de medidas tomadas por D. João II, para viabilizar o hospital único
sob o controle da administração real. Essa mudança só seria reconhecida, em
1479, por meio da Bula de Xisto IV (1471-1484), autorizando o rei tomar essa
providência nas principais cidades.
Nesse conjunto muito complexo de fricções sócio-políticas, se
destacou a obra de Guilherme de Ockham (Opus nanaginta dierum), de 1332,
associando o Direito ao poder, em torno de duas realidades confluentes: a
primeira, inteligível e inserida na realidade observável, sem natureza
jurídica; a segunda, de natureza jurídica, atada ao poder. Essa importante
construção teórica associando Direito e poder, serviria nos anos vindouros à
retomada das ideias greco-romanas no Renascimento que se avizinhava.
quarta-feira, 7 de março de 2018
terça-feira, 6 de março de 2018
Separar: catar e flutuar
Pedro Lucas Lindoso
Aparentemente os verbos catar
e flutuar não têm nada em comum com separar.
Separar significa principalmente desunir, apartar, isolar,
afastar um do outro. Já catar significa buscar, procurar; pesquisar, escolher,
selecionar.
Deixemos o flutuar para depois.
Há um conhecido ditado que diz “separar o joio do trigo”.
Alguns não sabem que a origem é bíblica. Muitos textos bíblicos se tornam
provérbios. Segundo o Evangelho de Mateus, durante o Juízo Final, os anjos vão
separar o joio do trigo. Ou seja, separar os bons dos maus.
Havia um tempo em que as cozinheiras tinham que “catar” o
feijão. Hoje a indústria já entrega o feijão “catado” ao consumidor urbano.
Sobre o assunto, João Cabral de Melo Neto escreveu magistral poema, com
precioso exercício de metalinguagem. E nos brindou com esta maravilha:
Catar feijão se limita com escrever:
Joga-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Porque me lembrei desse poema? É tempo de castanha! Um dos
meus tios tinha um castanhal, no rio Madeira. Conversando com um primo nascido
por lá, me contou o seguinte.
Depois de coletadas, retiradas do ouriço e colocadas em
cestas, as castanhas são levadas para o rio, onde são mergulhadas. Aquelas que
flutuam não prestam e são descartadas. As boas são colocadas em sacos e levadas
para a sede do Castanhal.
Se João Cabral fosse amazônida e não nordestino, poderia ter
feito assim:
Lavar castanha se limita com escrever:
Jogam-se as castanhas na água do rio.
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Fiz essa paráfrase pensando que, como os grãos de feijão e as
castanhas, as palavras ruins flutuam. E devem ser eliminadas.
Ah! Infelizmente, não só feijão, castanhas e palavras flutuam
por imprestáveis. Há pessoas que flutuam em nossa vida. Como nem sempre podemos
descartá-las, só nos resta esperar que a correnteza do destino as leve para
longe de nosso convívio.
segunda-feira, 5 de março de 2018
Sobre a poesia marginal
A poesia é marginal desde
quando Platão deixou os poetas fora de sua república de merda, como párias
sociais.
Maldita, beatnik, marginal – os rótulos passam e a poesia continua!
Maldita, beatnik, marginal – os rótulos passam e a poesia continua!
(João Sebastião – poeta
nefelibata, filósofo de boteco, profeta do caos – discursando para um bar
sonolento e desinteressado, às 4 da manhã)
domingo, 4 de março de 2018
sábado, 3 de março de 2018
quinta-feira, 1 de março de 2018
Estilhaços Literários - 7a edição
Somos atores sociais, e
por isso temos a obrigação de pensar a cultura como instrumento de
transformação social. E isso só é possível por meio de práticas que permitam
criar acessibilidade e fomento à produção artística e cultural de uma cidade,
em espaços onde o estado não tem o mínimo interesse de criar mecanismos de
difusão de conteúdo intelectual (escolas públicas e comunidades periféricas, principalmente).
Cabe a nós artistas, poetas, educadores... promover ações de inclusão nesse
sentido. Assimilar isso e preparar o ambiente para esse processo de construção
de conteúdo intelectual é fundamental para o fortalecimento social de pessoas
que estão fora dos grandes centros, ou, se incluídas nesses territórios, possam
participar não apenas recebendo conteúdos, mas produzindo materiais de
questionamento social.
(Rojefferson Moraes)
Miséria social e caridade 1/2
João Bosco Botelho
No medievo europeu, quanto maior a miséria coletiva maior o
chamamento à caridade. Portugal, particularmente castigado pela peste negra,
mais de vinte surtos registrados entre 1188 e 1496, junto às guerras intestinas
da nação portuguesa, o quadro desolador se mostrou tão desesperador que o
enterro dos mortos se tornou impossível: os cadáveres acumulavam-se por toda
parte, dando um aspecto da chegada do fim dos tempos e o cumprimento das
previsões apocalípticas.
Esse contexto de necessidades coletivas influenciou o
crescimento das corporações-confrarias-irmandades ao longo das margens do rio
Tejo, no trajeto que ligava Portugal à cidade espanhola de Compostela, onde
ficava a igreja de São Jaime, o mais importante santuário cristão depois de
Jerusalém, existiam centenas de pequenos albergues utilizados pelos peregrinos,
que se dirigiam em romaria para pagar promessas e implorar por saúde.
A lepra, um dos flagelos que assolava o homem medieval, não
distinguia ricos e pobres, poderosos e despossuídos. A desfiguração da doença
repugnava todos os próximos, em especial os familiares, não só pelo aspecto
grotesco da deformidade, mas também pelo medo de contrair a enfermidade. Os
leprosos, desamparados pelos familiares, tornavam-se itinerantes e rumavam
munidos de matracas, anunciando a passagem, à procura da ajuda divina nos
muitos santuários milagreiros anunciados pela Igreja. A maior parte deles
morria da fome ou das complicações da doença, enquanto outros ficavam pelo
caminho nas albergarias que os acolhiam. Esses edificações, na maior parte
miseráveis, por receberam leprosos, com o passar dos anos ficaram conhecidos
como leprosários.
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