Amigos do Fingidor

domingo, 30 de setembro de 2012

Cruz e Sousa e a academia dos bacharéis


Zemaria Pinto 

 
No último dia 25, ao noticiar a eleição do acadêmico que irá ocupar a cadeira n° 23 da Academia Amazonense de Letras, o jornal onde o eleito trabalha noticiou o fato, informando que o patrono da referida cadeira era um tal de Cruz e Silva. Como notícias de jornais são descartáveis, imaginei que a pessoa que escreveu a matéria no calor da luta confundiu o poeta Alencar e Silva, o ocupante anterior, com o genial poeta catarinense Cruz e Sousa, o verdadeiro patrono da cadeira 23.

Já esquecera o incidente quando, há pouco, lendo o tal jornal onde trabalha como advogado e assina colunas o futuro acadêmico, deparo-me novamente com a aberração: o “patrono Cruz e Silva”, citado em matéria de mais de meia página, com o sorridente bacharel e futuro acadêmico. Jornalistas não precisam conhecer literatura, claro. Mas acadêmicos não podem ignorar seus símbolos. Quem deu a informação errada? O próprio “novo nome da academia”? O presidente, bacharel e jornalista? Os eleitores bacharéis? Tenho certeza que o vice-presidente, também bacharel e jornalista, não foi, porque em seu “dicionário biográfico”, ele dá a informação correta, apesar de tropeçar na grafia – Cruz e Souza, com z -, o que não chega a ser incomum.

Podia continuar calado, no meu canto, mas agredir o autor de Broquéis e Faróis duas vezes em menos de uma semana é demais pro meu estômago.

Como a poesia continua sendo necessária, apesar dos bacharéis, dos jornalistas e dos acadêmicos, fiquem com um poema de João da Cruz e Sousa:

Acrobata da dor



Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que, desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta, clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço. 
      
 
Cruz e Sousa (1861-1898)
 

Manaus, amor e memória LXXVI

O Grande Hotel metamorfoseou-se aos poucos, abrigando lojas de quinta categoria,
até consumir-se de vez num incêndio criminoso.
Deve ser o final do jogo de empurra da Biblioteca Pública, na esquina oposta.
Não o incêndio, mas o transformar-se em loja de quinquilharias...
Cultura é isso, meus filhos!

sábado, 29 de setembro de 2012

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 1/4


 
Zemaria Pinto
 
CATULO A Lírica latina tem seus primeiros registros em meados do século I a.C. Caius Valerius Catullus (87-54 a.C.) é a expressão máxima daqueles a quem o azedo Cícero chamou desdenhosa­mente de “poetas novos”, jovens que preferiam as formas breves, pre­conizadas havia 300 anos pelos alexandrinos, às longas e invariavelmen­te chatas epopeias. Havia nos novos poetas romanos ecos de um tempo ainda mais distante: Safo, poeta grega, de Lesbos, século VII a.C, foi descarada e amorosamente copiada por Catulo, que a homenageou nomeando sua musa como Lésbia. A Lésbia, frívola e inconsequente – cujo nome real era Clódia –, Catulo dedicou a maioria dos 116 carmes legados à posteridade. Entre o amor avassalador e o ódio desmedido, o poeta sintetizou num dístico imortal o dilema trágico de sua in­constância:
 
Odeio e amo.Talvez perguntes por que faço isso.
Não sei, mas sinto que acontece e me torturo.                                  (1)
 
Mas o lírico refinado – sobre quem Carpeaux afirmou ser “no pri­meiro século antes da nossa era, um poeta moderno” – é também o in­trodutor na cultura latina de uma linguagem sarcástica e ferina, no limiar do que os convencionais e puristas de todos os matizes e oca­siões chamariam simplesmente de chula. O Carme 32, por exemplo, é um convite de assustar qualquer mocinha casadoira:
 
Te peço, minha doce Ipsilila,
delícias minhas, graça, mimos meus,
ordena, que finda a sesta, eu te procure,
e caso ordenes, cogita tais cuidados:
despe de trava ou tranca a tua porta,
não te assaltem coceiras de sair.
Mas fica em casa, em raro preparo
de nove, gota a gota, nove fodas.
Se assim quiseres, pressa!, não hesites,
que eu, já almoçado, e farto à farta,
perfuro a um só tempo toga e túnica!                                                (2)        
          
Se Ipsilila despertava uma devastadora paixão priápica, o mesmo não se dá com Ameana:
 
Ameana, mulher super-usada,
me pediu a quantia de dez mil!
Uma mulher de nariz grotesco,
amante de um caipira sem dinheiro!
Parentes, que se preocupam com a moça,
chamem os amigos e os médicos:
a moça está doente. E nem precisa
perguntar o que é: ela  delira!                                                           (3)            


Nem a adorada Lésbia escapou da fúria de Catulo: 

Ah! Célio, a nossa Lésbia, aquela Lésbia,
a própria Lésbia a quem Catulo amou
mais que a todos os seus, mais que a si próprio,
agora, nas encruzilhadas e nos becos,
esfola os netos do magnânimo Remo.                                                 (4)
 

Mas é para os amantes de Lésbia que Catulo guarda a maior dose de, digamos, maldade: 

Imundo puteiro, e vocês, companheiros de putaria
(nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
pensam que só vocês têm culhões,
podem  comer  tudo quanto  é moça
e que os outros não passam de bodes?
(...) Pois a minha menina, que fugiu de meus braços,
amada  tanto quanto nenhuma será amada,
pela qual travei tantas batalhas,
senta-se aí, com vocês.
Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...)
                           (5)              

Ao ex-amigo Gélio, que ousou cobiçar (só?) a amada, Catulo lança imprecações terríveis: 

Gélio é esguio, como não seria?: tem ele mãe tão boa
e tão robusta, e tão encantadora irmã,
e tão bom tio, e tão completa abundância de jovens
parentas... Como poderia ele deixar de ser magro?
                 (6)            

Ou: 

Que faz o homem, Gélio, que com sua mãe e sua irmã
satisfaz seus desejos e, sem roupa, passa a noite inteira?
Que faz o homem que não deixa o tio ser marido?
Por acaso sabes que grande infâmia comete? Comete, ó Gélio, qual nem a extrema Tétis
nem o Oceano, pai das ninfas, pode lavar;
pois nenhuma outra infâmia pode ir mais além
mesmo se ele, com a cabeça abaixada, chupasse a si mesmo.           (7)
 
Traduções:
(1), (5), (6), (7): Paulo Sérgio de Vasconcelos
(2), (4): Luiz António de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda
(3): Zélia de Almeida Cardoso
 
OBS:  Escrito e publicado em 1993, em forma de plaqueta.
 
Catulo e Lésbia, por Lawrence Alma-Tadema (1836-1912).
 

Ovada ou cusparada?


 

                                                      David Almeida


Meu caro amigo leitor, e eleitor, já que estamos em plena campanha política – e esse tema está em evidencia –, venho por estas poucas linhas perguntar: se você ganhasse um prêmio e tivesse que escolher entre uma “ovada” e uma “cusparada”, qual dos dois você escolheria? Quero que fique bem claro, transparente, que não estou acusando ninguém, e nem “cusparando” ou “ovando” quem quer que seja. Só vou comentar sobre as palavras: cusparada e ovada, na mira da simplicidade popular, nada científico!  

Bem, no meu caso, como sou ator, compositor e jornalista, formador de opinião, compromissado com a ética e respeito pela cidadania, preferiria a “ovada”. E sabe por quê? Porque, o ovo é um símbolo de fertilidade, o ovo produz a vida, e alimenta a vida. O ovo mata a fome, e é barato. Quem já não ouviu essa frase: “só quer ser gatinho mas só come ovo!”. O ovo faz parte de uma gastronomia mais que democrática! Todos: ricos, pobres, miseráveis tem acesso a essa iguaria. Uma “ovada” é energizante, cura até doença. Quem está fraco, sem prazer para vida, mais que devagar, é aconselhado uma “ovada”.  Uns amigos meus, inclusive jornalistas que já estão dobrando o Cabo da Boa Esperança, estavam já sem animo, sem apetite, em todos os sentidos, quando a famosa Mãe Diná, lhes receitou, “ovada” (gemada) todas as manhãs, seguiram a risca a receita da vidente, e hoje estão rindo com as paredes, cheios de vitalidade.  A vida depois de uma “ovada” nunca será mais a mesma.  

A “ovada” tem vários sentidos, tanto para o bem quanto para o mal, mas tem muito mais para o bem. Se eu fosse o compositor de “Geni e o Zepelim” (Chico Buarque de Holanda), não teria jogado pedra, nem bosta na Geni, e sim uma “ovada”.  Será, parente? Só para ilustrar, eu, quando completei 50 anos, fui metralhado com um “cartelada” de ovo, pelo corpo inteiro, os meus amigos estavam felizes e resolveram me presentear com essa chuva da fertilidade, depois vieram os abraços, os parabéns, enfim, foi uma “meladeira” só, todos também se lambuzaram de ovo e de felicidade. Eu quase chorei, apesar de índio não chorar, assim, tão fácil, mas foi emocionante. A dor foi física, por causa do impacto da “ovada”, mas a alma estava extasiada de prazer. 

No entanto, a saliva, matéria prima de onde se deriva a “cusparada” é de fundamental importância, fisiologicamente é responsável pela lubrificação da boca para que as palavras fluam de uma melhor maneira, e a sua dicção não seja prejudicada e o alvo seja atingido. Agora quando não tem mais palavra, aí, a “cusparada” é um assunto sério, ademais, nunca vi ninguém fazer uma homenagem com uma “cusparada”, é algo deprimente, depreciativo, nojento. E quando uma pessoa olha pra outra e cospe no chão, fere na alma, é sinal de extremo desprezo. 

Só se cospe quando algo na boca não está dando certo, a cusparada está em sintonia com sujeira, com o que é ruim, sem gosto. Tudo que você prova e não gosta é cuspido, portanto, serve também como uma manifestação, espontânea, de insatisfação com qualquer coisa, que não esteja em sincronia com o seu pedaço de chão.  

Mas, dependendo do momento e do gosto do individuo, uma “ovada” ou uma cusparada será ou não bem-vinda. Rezemos ao senhor!

Poesia solta na rua – última noite




 

A 3ª edição do projeto Poesia Solta na Rua, realizado na quadra da Escola de Samba Reino Unido da Liberdade, que teve inicio dia 09 de agosto, encerra nesta quinta-feira, 27 de setembro, com os poetas convidados: Elson Farias, Tenório Telles, Dori Carvalho e Tainá Vieira, além de participações especiais de João Bosco P. Rocha (Bosquinho Poeta), Amanda Figueiredo e do ator e jornalista David Almeida. Na música, vão estar presentes: Grupo Folha de Mamão, Nicolas Junior, Dudu Brasil, Rosangela Costa e Aguinaldo do Samba.

O evento começa às 20:30h; a entrada é franca.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
 
TRIOLÉ – Também chamado TRIOLETO é o pequeno poema de FORMA FIXA, correspondente ao primitivo RONDEL francês, formado por oito VERSOS, dos quais o primeiro se repete como quarto e sétimo, e o segundo se repete como final, com RIMA segundo o esquema abaaabab. Também se pode usar o TRIOLÉ como ESTROFE, em composições maiores, como “Flor da mocidade” em Falenas de Machado de Assis, que começa (ib):

Eu conheço a mais bela flor:
és tu, rosa da mocidade,
nascida, aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor:
tem do céu a serena cor
e o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor:
és tu, rosa da mocidade.


                   SONETO – Composição poética de FORMA FIXA, contando quatorze VERSOS dispostos em dois QUARTETOS e dois TERCETOS, com RIMAS segundo o esquema abba|abba|cdc|dcd|, seguido por um de seus maiores e mais antigos cultores que foi Petrarca. Sá de Miranda parece ter sido o primeiro autor de SONETO em língua portuguesa, acompanhando o modelo petrarquiano trazido por ele da Itália. Além de servir também como ESTROFE, em composições maiores (como a COROA DE SONETOS, por exemplo), o SONETO admite vários esquemas rimáticos, inclusive o chamado SONETO INGLÊS, formado de três QUARTETOS independentes e um DÍSTICO, às vezes rimando em abab|bcbc|cdcd|ee, (link sonnet).Também há SONETOS de PÉ QUEBRADO, entremeando VERSOS e HEMISTÍQUIOS, e modernamente não se faz nenhuma exigência quanto às RIMAS (ib). O de Alencar e Silva, que se lê aqui, intitula-se “Para Epitácio”: 

Sete anos, sim, sete órbitas solares
já viveste entre nós pra nosso encanto,
mudando em riso o que nos fora pranto
e em alegria todos os pesares. 

Contigo nossa vida, ao nos chegares,
tornou-se-nos de amor mais plena – e tanto
que em vindo precedeste em luz e canto
a vinda de outros anjos tutelares 

que hoje seguem contigo renovando
as promessas de amor que o amor promete
aos que as virtudes lhe vão conjugando. 

E, assim, aos teus sete anos me compete
rogar a Deus mais sete vá somando
e outros sete e mais sete vezes sete.

domingo, 23 de setembro de 2012

Manaus, amor e memória LXXV

Praça de São Sebastião.
Olhem bem para essas árvores, antes que a fúria assassina de algum secretário acabe com elas.

sábado, 22 de setembro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Luis Royo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Avacavoa: o elogio da loucura


Zemaria Pinto

 

O Romantismo brasileiro produziu dois grandes mártires: o dramaturgo Qorpo-Santo (1829-1883) e o poeta Sousândrade (1833-1902). Não estranhe a grafia dos nomes: os editores de texto do século 21 (o futuro!) ainda não a reconhecem. À frente de seu tempo, incompreendidos, iconoclastas − ou apenas doidos varridos −, estes autores, ignorados ao seu tempo, têm exigido dos historiadores da literatura brasileira uma revisão consistente daquele período, conhecido do grande público através de seus heróis consagrados: Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves − estes acima de todos.

O gaúcho José Joaquim de Souza Leão, autoproclamado Qorpo-Santo, um funcionário público típico da pequena Porto Alegre da segunda metade do século 19 − professor, vereador, subdelegado de polícia −, começa a manifestar debilidade mental com pouco mais de 30 anos. Escreve freneticamente e produz dezenas de pequenas peças, numa linguagem caótica e com uma estrutura dramática anárquica, que somente 100 anos mais tarde encontraria reconhecimento. De vez em quando, o louco escarnecido das ruelas da provinciana Porto Alegre sai de sua condição de protomártir do antirromantismo para os píncaros da glorificação que, para um autor que trazia o teatro tatuado na alma, só pode se traduzir na representação de seu trabalho junto ao público.

E é isso o que o grupo Avacavoa nos traz, nas noites de sábado e domingo, até o final de setembro: o texto Mateus e Mateusa, de Qorpo-Santo, “rebatizado” como O que era e o que não devia ser. Mas o autor não vem sozinho: num espetáculo de celebração da loucura − dedicado a alguns loucos famosos da cidade de Manaus, como Eduardo Ribeiro, Carmen Doida e Bombalá −, homenageia também o artista plástico Bispo do Rosário, um arquiteto de minudências, um oráculo do detalhe, onipresente na cenografia do espetáculo. Ah, há também a música insana de Tom Zé.  

Falar que Qorpo-Santo é precursor do teatro do absurdo parece-me uma impropriedade, uma vez que é pouquíssimo provável que Jarry, ou mesmo Beckett ou Ionesco o tenham conhecido. Acautelemo-nos, pois e, sensatamente, como o momento pede, declaremos em alto e bom som: Qorpo-Santo é o inventor do teatro do absurdo! Que seria inventado também por Alfred Jarry, em 1896, quando o nosso herói (ou mártir) já em pó se tornara...

Mateus e Mateusa ou O que era e o que não devia ser é uma das mais representadas e representativas comédias de Qorpo-Santo: mostra um casal de cerca de 80 anos discutindo sobre sexo (no casamento) e as relações familiares com suas três (jovens) filhas. Não se espante o espectador com as cenas de puro pastelão; são para divertir a platéia, pois a isso serve o teatro. Mas observe a simbologia por trás dos gestos dos personagens e dos objetos em cena. E reflita. O humor de Qorpo-Santo é corrosivo e cruel. Dentro de uma perspectiva histórica meramente pedagógica, podemos afirmar que Mateus e Mateusa é a carnavalização do teatro bem comportado de José de Alencar e Martins Pena, modelos consagrados do período − neste sentido é antiteatro, anticonvencional, o avesso do avesso do avesso.      

Nonato Tavares acertou (mais uma vez) em cheio: no entrecruzamento de texto, cenografia e música, no tom burlesco da representação, rompendo com todos os limites do realismo, e na escolha dos atores – especialmente de Eric Fonseca, vivendo Catarina, uma das filhas, uma escolha repleta de significados e referências a outros trabalhos de Qorpo-Santo, cuja temática jamais se deixou escravizar pelo pudor ou pelo preconceito.

 
Publicado no Amazonas em tempo, em setembro de 2001.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Boris Vallejo.

Poesia solta na rua


 

 

O projeto Poesia Solta na Rua” estará realizando nesta quinta-feira, 20 de setembro, a sua penúltima quinta-feira desta terceira edição, com os poetas Simão Pessoa, Celestino Neto e Miguel de Souza. Amanda Figueiredo fará uma homenagem a Alcides Werk. A parte musical está sob a responsabilidade de Junior Rodrigues e Jairo Souza. A entrada é franca e o recital tem inicio às 20:30h.

O Projeto vêm recebendo muitos elogios e criticas positivas, já que a meta de interagir poetas e artistas da música, com a comunidade do Morro da Liberdade, vem acontecendo com muito sucesso. E não só a comunidade do Morro está se fazendo presente, pessoas dos mais variados bairros de Manaus, também escolheram as quintas-feiras do projeto para prestigiar os convidados, na quadra da Escola de Samba Reino Unido da Liberdade, onde acontece o evento.

 

PENA QUE JÁ ESTÁ ENCERRANDO

 

O Projeto encerra no dia 27 de setembro com os poetas Dori Carvalho, Elson Farias, Tainá Vieira e Tenório Telles. Na música teremos os seguintes convidados: Grupo Folha de Mamão, Nicolas Junior, Edu do Banjo, Dudu Brasil e a dupla Rosangela Costa e Aguinaldo do Samba, além de outros convidados que encerrarão, de forma apoteótica, esta terceira edição com a promessa de voltar ano que vem, com a 4ª.

 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Fênix


Tainá Vieira



                                                    Para Luiz Bacellar



Pelas ruas sonolentas da cidade
viaja o poeta.
Uma suave e amena brisa
beija sua face de menino.
Neste instante crucial
ele sente que o mundo é todo seu.

Seu poemas divagam
entre as pessoas incrédulas:
elas se embriagam com o licor de suas palavras.

E o poeta caminha... 

O “sol de feira” é abrasador.
Pelo éter ele adentra e naufraga no céu de estrelas.
Ecoam no espaço os sons mágicos de uma “frauta de barro”.
Nesse levitar os querubins festejam sua chegada.
E a vida irradia os sons poéticos dos sonhos. 

Poemas adornam o infinito! 

E o poeta vive... 

Qual fênix ressurge
em outras plagas,
enquanto os míseros mortais
vivemos sua saudade.
 
(Manaus, 10 de setembro de 2012)
 
Bacellar e Tainá Vieira, em março de 2011.
 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Luiz Bacellar partiu todo vestido de brumas


                                                                           Leyla Leong

 

Domingo à tarde o poeta Luiz Bacellar subiu a escada do céu mansamente, com uma estrela tremeluzindo na mão. Vestia seu paletó de brumas, a camisa de neblina e um arco-íris em gravata atado em nó singelo. Essas imagens não são minhas, mas do próprio poeta. São trechos dos poemas “A escada”, em que usa esse elemento como símbolo de uma partida definitiva e “O poeta veste-se”, ambos publicados em “Frauta de Barro”, seu livro de estreia.


Luiz Bacellar é, sem dúvida, o maior poeta que o Amazonas nos deu. O mais erudito, o mais sofisticado. Publicou pouco, escreveu pouco, não importa: tudo o que disse é definitivo, belo, eterno. Conheci Luiz Bacellar no começo dos anos 60, na casa do meu avô, onde aos domingos ele e outros jovens poetas se reuniam para ouvir música erudita. Anos depois pude conhecê-lo mais de perto, nas reuniões na casa do poeta Elson Farias, casado com minha querida amiga Roseli Franco de Sá, prima de Bacellar.


Nos anos oitenta a nossa amizade estreitou-se sendo frequente a presença do poeta em nossa sala de jantar na Cidade Jardim, mais tarde no conjunto Tiradentes e depois na casa da Praça 14. Trabalhei um tempo no Teatro Amazonas, no finalzinho dessa década. Bacellar visitava a minha sala todos os dias no final da tarde. Conversávamos sobre qualquer assunto entre um e outro cigarro. Podia ser sobre um autor, um espetáculo, uma música, uma comida, pessoas ou bichos. Ele sabia muitas coisas. Às vezes baixava um silêncio. Às vezes abria o livro que sempre trazia na mão e lia um trecho.


Certo dia ele me pediu um favor. Pretendia abrir uma conta bancária e precisava de uma certa quantia (pouca coisa) para poder realizar essa operação. Uma exigência bancária. Prometi levar o dinheiro no dia seguinte. Ele insistiu que me daria um documento declarando ser meu devedor. No outro dia apareceu com um envelope branco na mão. Dentro dele, um texto manuscrito no qual se comprometia a devolver a quantia que lhe emprestara na data combinada. Logo abaixo, a data, a assinatura e o sinete impresso no lacre vermelho.


O poeta tinha estilo e refinamento. Vestia-se com aparente simplicidade, calça e camisa de linho, chapéu panamá, bengala e um indefectível colete, incorporado ao visual com o advento dos shopping-centers refrigerados, onde costumava refugiar-se do calor manauense. No dedo mindinho, o anel com o sinete.


O endereço do poeta era um mistério para muitos. Não costumava receber visitas. Estava sempre em público, caminhando nas ruas, almoçando em restaurantes, na casa dos amigos, ou “filando” a comida cheirosa e consistente servida aos funcionários da Livraria Valer.


Nos últimos tempos, antes da desgraça abater-se sobre ele, um dos seus lugares prediletos era a livraria Saraiva. Escolhia uma poltrona discreta e ali passava as tardes num paraíso de livros, histórias e autores. Será que tem livros no céu?
 
Bacellar, entre Mauri Marques e Tenório Telles, num sábado de novembro, 2006, no El Perikiton.
Foto: Zemaria Pinto.
 

 

domingo, 16 de setembro de 2012

Recordações de LUIZ BACELLAR

Jorge Tufic

 

 

O encantamento lírico, o cenário
daqueles tempos, década cinquenta;
o Clube a germinar, e a noite lenta
desenham nosso corpo imaginário. 

Conheci Bacellar neste berçário
das madrugadas, quando tudo esquenta
nos encontros da turma, ora sedenta
por mudanças no campo literário. 

Egresso de um colégio paulistano,
visconde consagrado, assim tivera
descobertos seus dons, ano após ano, 

Do barro tosco a frauta se ilumina.
Ascende o poeta aos graus da primavera.
Deixa-nos sós e à dor que tanto ensina.

Bacellar, em outubro de 2009, diante de uma das iguarias do Pina.
Foto: Zemaria Pinto.
 

sábado, 15 de setembro de 2012

Ao poeta Bacellar

João Pinto



Amor, eu já sabia que ao subir aqueles degraus na Joaquim Nabuco, teria na minha presença um defunto cheio de novidades. Um top criativo das metáforas.

E há essa coisa de todo mundo atrás de morto: a gente diminui os passos e olha os viventes ao lado no velório. É outro contexto sentimental. Ninguém acredita na morte daquele defunto que, antes, a gente copulava na conversa. Num papo de alegria. Ou que um dia se tenha almoçado juntos no Samaúma.

Com o vivo que, agora, se passava para regime de estático. E que antes o contexto dos nossos olhos era ver a vida como o grande espetáculo: o som das coisas, a neblina do sol e todo dia o amanhã amanhecer. E ouvir nas manchetes dos jornais o desvario que os homens maus deixam como legado.

Pois bem, o salão estava completo de pessoas e muitas coroas ao lado dele. De repente ao chegar perto do caixão, eu deveria fazer um gesto de carinho nele. Coisa que nunca havia feito senão bater no ombro dele e apertar as suas mãos.

E fiquei com medo de fazer tal carinho. Se fosse beijá-lo na testa, o gesto talvez chamasse atenção. Sofria pra burro.

E, num instante, eu tinha que aproveitar o momento, pois estava sozinho diante do caixão. E levei a mão direita por cima das duas mãos geladas dele. E disse a ele: Estou aqui para te ver. E acarinhava com as mãos as duas mãozinhas pequenas dele.

O rosto dele estava encolhido e sua urna parecia uma concha de brinquedo. E parecia mais um brinquedo lúdico no meio da poeira dos homens. E por que se morre? Para a gente despejar a nossa poeira de peles numa cova.

Seus olhos estavam apagados. Alguém havia fechado os queixos, os homens da funerária sabiam dar um molde de beleza à morte para disfarçar o óbvio.

Depois sentei num banco e espiei tudo no salão. O ar refrigerado tocava o caixão dele. Mas sua face cor de cadáver mesmo se mantinha inalterada. E ele queria sua paz junto àquelas flores. Junto aos amigos.

Depois desci as escadas. E pensei que aquele poeta descendente de maranhense tinha vivido além do seu hipotálamo. Gostava de livros e música. Fumava para ver na fumaça que saía do cigarro para sentir as rimas mais criativas dos produtos das feiras da sua cidade. E, quando chegasse ao paraíso dos outros poetas sumidos dos copos de bebida, do colete do paletó tocaria na sua flauta de barro.
 
Luiz Bacellar, em dezembro de 2008, num de seus pontos favoritos: o Pina Lanchonete.
Foto: Áureo Lúcio Souza.

 

 
Publicado na capa do jornal Amazonas em tempo, de 10/09/2012.