Amigos do Fingidor

terça-feira, 31 de março de 2009

Quarta Literária: 100 anos de Mário Ypiranga Monteiro
Mário Ypiranga Monteiro (23/01/1909-09/07/2004).

No seu décimo primeiro ano de atividades e realizada sempre na primeira quarta-feira de cada mês, a Quarta Literária do mês de abril comemora, no próximo dia 1º, o centenário do historiador Mário Ypiranga Monteiro. A palestra em sua homenagem será ministrada pelo escritor Francisco Gomes da Silva.

O objetivo da Quarta Literária é, por meio da troca de experiências e leituras, formar novos leitores. Após as discussões há sorteio de livros e é servido o Chá Poético. O evento tem início às 18h30, no Espaço Cultural Valer, altos da Livraria Valer, situado na Rua Ramos Ferreira, 1195, Centro. A entrada é franca!

Com o tema Mário Ypiranga Monteiro – Um historiador e seu tempo, Francisco Gomes fará um histórico do trabalho notável que o professor Mário Ypiranga Monteiro realizou no Estado, especialmente traduzindo em estudos críticos a história de Manaus, seus monumentos e suas datas mais significativas. Após essas colocações, Francisco Gomes espera estabelecer um debate sobre algumas inquietações a respeito da história do Amazonas. Para ele, há alguns erros que vêm sendo repetidos há mais de 200 anos, como, por exemplo, relatos sobre as viagens dos missionários aos confins do Rio Tarumã. Estarão presentes ao evento a família e amigos de Mário Ypiranga Monteiro, para prestar-lhe homenagens.

O palestrante
Francisco Gomes da Silva é advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas e da Academia Amazonense de Letras. Em 1965 lançou, aos 19 anos, o livro Itacoatiara: Roteiro de uma Cidade. Mais tarde publicou inúmeras obras, dentre elas: Cronografia de Itacoatiara, volumes 1 e 2; Administrações municipais; Presença do Poder Judiciário no Município de Itacoatiara e Pedro Gomes, meu pai, uma obra sobre a genealogia de sua família.

Mário Ypiranga Monteiro – Um historiador e seu tempo
Em Manaus, no dia 23 de janeiro de 1909, nasceu Mário Ypiranga Monteiro. Em 1927 começou suas atividades literárias como poeta e contista. Era Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Amazonas. Firmou sua reputação como professor, historiador e jornalista. Com mais de 200 obras publicadas, tornou-se referência como pesquisador apaixonado pela terra em que nasceu e viveu até os 95 anos. Foi casado durante 66 anos com Ana dos Anjos Monteiro, com quem teve quatro filhos. Pertenceu a inúmeras instituições culturais, destacando-se a Academia Amazonense de Letras, da qual chegou a ser presidente. Profundo conhecedor das manifestações folclóricas regionais, possui diversas obras no campo do folclore, da história e dos estudos literários.

segunda-feira, 30 de março de 2009

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domingo, 29 de março de 2009

Teoria literária sem frescura
Ricardo Lima
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Apresentar um assunto tão complexo como a Teoria da Literatura pode ser uma tarefa monótona e, por vezes, malograda; principalmente quando se trata de expor a um iniciante, da leitura ou da escrita, todas as principais escolas, tendências e enfoques na forma de se analisar e produzir um texto; dificilmente se conseguirá levar a cabo tão espinhosa tarefa sem tornar-se enfadonho ou mesmo redundante; basta lembrarmos dos velhos e chatíssimos manuais de literatura do nosso combalido ensino médio, que, ao invés de criar em nós alunos o gosto pela arte da escrita, inculca-nos uma verdadeira aversão pelos livros.

Mas não é esse o caso de O Texto Nu, de Zemaria Pinto, um belo ensaio sobre o ofício literário. Como já bem diz o título, o texto é despido, desmascarado, destrinchado e analisado sob as mais diversas perspectivas. Ao deixar de lado a linguagem obscura de muitos eruditos pedantes, nos apresenta um estilo agradável, leve, saboroso e, por vezes, bem-humorado; sem preterir, contudo, a profundidade e o rigor no trato com o conteúdo. Talvez o presente ensaio se encaixe no famoso depoimento de Antonio Candido sobre a vida de Aurélio Buarque de Holanda, quando o sociólogo da cultura afirmara que se deveria prezar pela seriedade sem, contudo, tornar-se sisudo.

Zemaria Pinto vai dos primórdios da criação textual e da análise da palavra, começando com a Grécia antiga, a dramaturgia trágica e as tentativas de Platão em explicar a arte, até a nova crítica multidisciplinar dos dias de hoje; as características mais elementares de todas as escolas literárias através dos séculos; a distinção entre o texto-obra, artístico, e o texto-objeto, usual no cotidiano; as correlações entre forma e conteúdo; as análises sincrônicas e diacrônicas, esta, uma homologia entre os estilos de época e o quadro evolutivo da literatura ao longo da história, enquanto aquela detêm-se na classificação literária enquanto modelo formal pertencente a determinado gênero; as variadas formas de se criar boa poesia; a distinção entre estilos individuais, como a marca própria do autor e o estilo coletivo, “o estilo modal dos indivíduos que escrevem em determinada época”; além de uma das teorias mais bem elaboradas para explicar os trâmites da arte ocidental: a oposição entre dionisíaco e apolíneo, esboçada pelo grande Friedrich Nietzsche em seu livro A Origem da Tragédia.

A parte mais original da obra é a teoria da Letra-Poema, em que o autor lança mão de alguns pressupostos para analisar se determinada letra serve para música, e nos apresenta as categorias letra ordinária, letra funcional, letra poética, letra-poema, poema-letra, como hierarquização qualitativa das letras de musica — desconfio de que boa parte das peças de forró safado que tocam pelas espeluncas desta cidade vão ficar na escala mais baixa da classificação…

Contudo, o mais interessante, pelo menos para mim, que escrevo ficção, é o capitulo IV, sobre a prosa ficcional, em que Zemaria expõe com simplicidade as mais variadas formas de narrativa desde as explanações preliminares sobre plano de enunciação e enunciado; as formas de narrativa; o narrador neutro, típico de prosas mais simples; o narrador intruso, tão comum em escritores mordazes como Machado de Assis e Sterne; e o narrador seletivo, meu favorito, e talvez a maior contribuição de Flaubert para a arte; além de retomar a discussão, nunca esgotada, sobre a distinção entre novela e romance. Afinal, novela seria um romance condensado ou um enredo em que há varias histórias de caráter episódico?

Recomendo, por combinar simplicidade, estilo e rigor, a obra O Texto Nu, como uma bela e instigante lição introdutória sobre a arte de escrever, para todo aquele que deseja se lançar nos tortuosos caminhos da palavra.

Postado originalmente no blog Páginas Perdidas, mantido por Ricardo Lima.

romance possível romance iv

no casamento coletivo, ninguém chegou a ouvir a negativa de uma arrependida noiva.

(Allison Leão)

sábado, 28 de março de 2009

Manaus, amor e memória V
Praça da Constituição, início do século XX. À esquerda, o quartel da Polícia Militar. Ao centro, o Colégio Estadual Pedro II. A praça (hoje, Heliodoro Balbi) é chamada pelo povo de praça da Polícia.



Estudei, de 1972 a 1974, no Colégio Estadual. Nesse período, a praça da Polícia fez parte do meu cotidiano; isto é, não havia nada de espetacular nela – era o banal cotidiano, apenas.

Às vezes, passávamos horas sem fazer nada, vagando pela praça, por falta de professores (o diretor Maneca era uma verdadeira mãe com seus coleguinhas). Uma coisa me impressionava: o lendário mulateiro – que, como toda lenda, é uma farsa (o que só descobri depois) – e seus "habitantes", frequentadores da espelunca do Pina: o pessoal do Clube da Madrugada, que eu admirava com um ódio adolescente, pois eles representavam o que, para mim, era passado (e eu, claro, me achava a própria personificação do futuro).

A verdade era que eu não os compreendia, o que só viria começar a acontecer alguns anos depois, quando comecei a estudar a literatura amazonense, de forma sistemática, e os "velhos" tornaram-se meus caros amigos. A praça da Polícia para mim é isso: folga do Estadual; Clube da Madrugada; e sonho com um futuro em permanente construção.

(Zemaria Pinto, respondendo à pergunta de Evaldo Ferreira – Que lembranças você tem da sua infância, ou adolescência, na praça da Polícia?)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Notas para uma teoria do nanoconto




Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, no traço de Romeiro.
. O menos é mais. [- = +]

. A mais perfeita aplicação da teoria aristotélica de unidade de tempo, lugar e ação.

. O nanoconto encerra uma cena completa, como um relâmpago numa noite de apagão.

. A leitura de um nanoconto deve ser mais rápida que a mais rápida das rapidinhas.

. Mas não é ejaculação precoce: o prazer deve ser recíproco.

. Onan (o conto) – eventualmente, o nanoconto pode ser onanoconto – prazer do autor, e só do autor, pô!

. Quem pratica o nanoconto mas não sabe: Dalton Trevisan e Millôr Fernandes.

. O romance ganha por pontos; o conto, por nocaute (lembrou Cortázar); o nanoconto é um tiro de bala dundum na mente do leitor incauto.


(Allison Leão e Zemaria Pinto)
A musa de Jerusalém, de Max Carphentier

O romance A Musa de Jerusalém é uma releitura da saga de Cristo, descrita sob a perspectiva de uma mulher que testemunhou esses acontecimentos e, em sonhos e inspiração, partilhou-os com o narrador.

Max Carphentier firma sua reputação como ficcionista com a publicação de A Musa de Jerusalém, oferecendo um momento renovador ao romance histórico em língua portuguesa. Este livro é revelador de certos aspectos da vida de Jesus, sua pregação e valores éticos.

Para o autor, a figura da musa existe em toda literatura. Às vezes, vem disfarçada de paisagem, mas sempre existe esse sinal humano e visível da inspiração do alto, que pode configurar-se numa mulher, num ideal, num tema. É por meio dessa configuração que passa a inspiração do alto. Carphentier criou, então, sua Musa para conduzi-lo por entre as paisagens bíblicas. Originada de um movimento de fuga na direção de Deus, ela carrega um pouco dos anseios e as interrogações de todos aqueles que foram tocados pelos Evangelhos.

O autor

Membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Max Carphentier é poeta e ficcionista. Vinculou-se ao movimento Clube da Madrugada em uma época em que havia uma espécie de disputa sobre quem se atualizava mais quanto às obras que estavam sendo publicadas no sul do país, bem como sobre a discussão de temas literários. Max foi considerado “verde” porque tinha 18 anos ao aproximar-se dos mais antigos. Portanto, teve de estudar muito, por exigência dos seus companheiros mais adiantados. E isso lhe valeu como um curso intensivo de literatura.

Estreou, em 1975, com a publicação do livro de poemas surrealistas Quarta Esfera. A repercussão foi a melhor possível, a ponto de, no lançamento, sob o Mulateiro da Praça da Polícia, haver comparecido o governador Enoch Reis, entre as autoridades do mundo cultural e político. Na época, o Clube da Madrugada estava em plena efervescência.

Carphentier busca, pela linguagem, resgatar o sentido do sagrado. Seu discurso possui intensa carga subjetiva, cheio de ressonâncias místicas, com forte conotação cristã. Seu segundo livro, Sermão da Selva, foi publicado em 1979. A obra inaugura, para o autor, a concretização da linguagem espiritualista com a qual vem enveredando insistentemente na literatura, juntando, como pano de fundo, a exaltação à natureza amazônica. Sua produção ficcional tem como momento marcante a publicação, em 1993, da novela Nosso Senhor das Águas. Tem outros títulos de poesia, conto, romance e discursos acadêmicos.
Outras informações

Título: A Musa de Jerusalém – Romance histórico da vida de JesusAutor: Max Carphentier
Páginas: 322
Preço: R$ 48,00
Data: 28 de março de 2009 (sábado)
Horário: 10:00h
Local: Livraria Valer – Rua Ramos Ferreira, 1195 – Centro
Contatos: 3635-1324

quarta-feira, 25 de março de 2009

Ópera & Poesia na Valer
Tenório Telles, Yuliya Vasileva Georgieva e Miquéias William.

O tenor Miquéias William, o escritor Tenório Telles e a pianista Yuliya Vasileva Georgieva protagonizam o espetáculo Ópera & Poesia. O evento é uma montagem poético-musical, com poemas de Tenório Telles e árias de óperas, sob a interpretação de Miquéias William e acompanhamento, ao piano, de Yuliya Vasileva Georgieva.

O recital é uma celebração da poesia e da música, com árias que comovem pela sensibilidade e profunda humanidade, tendo como contraponto poemas que falam da vida, do destino, da liberdade, do amor e da esperança, escritos pelo poeta Tenório Telles. Há uma intrínseca relação entre as composições selecionadas e os textos poéticos que compõem o recital. Fazem parte da montagem árias como: Caro Mio Bem, de Giodani; Non ti Scordar de Me, de Di Curti; Una furtiva lágrima, de Gaetano Donizette; La Donna É Móbile, de Giusepe Verdi; E Lucevan Le Stelle, de Giacomo Puccini. Entre os poemas de Tenório Telles, que funcionarão como contraponto, destacam-se: Busca, Destino, Travessia e Canção da esperança.

O espetáculo objetiva sensibilizar o público para a beleza do canto lírico, sua riqueza estética e temática, especialmente sua relação com a poesia. Por isso foram selecionadas árias conhecidas, que retratam temas alusivos à problemática humana, como o amor, a solidão, a morte e a esperança, como forma de ilustrar a profunda relação desse gênero musical com a existência. Os poemas de Tenório Telles, para não destoar do conteúdo das árias, versam sobre temas alusivos às mesmas questões.

Entrada franca.

Promoção: Livraria e Editora Valer
Data: 26 de março de 2009 (quinta-feira)
Horário: 19:00h
Local: Espaço Cultural da Livraria Valer
Contato: 3635-1324
drops de pimenta 3

─ Não, na nuca, não!
─ Mas, por quê? É tão sensual...
─ Por isso mesmo!
─ Mas é só uma tatuagem...

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 24 de março de 2009

Espaço Cultural Jorge Tufic inaugura dia 04
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segunda-feira, 23 de março de 2009

Um imortal
Marco Adolfs
O poeta Luiz Bacellar.

Sempre encontro o Luiz Bacellar, um dos nossos poetas maiores, andando por aí. É um filósofo em nossas ruas, que apesar de estar diminuindo de tamanho, aumenta a sua credibilidade quando diz as suas verdades. O Luiz é um desses satíricos que têm não só a força da palavra afiada, mas a certeza da sabedoria bem dirigida.

Estávamos sentados uma tarde de domingo a uma mesa de café do Millenium Center, quando ele me disse que estava sendo torturado. Fiquei momentaneamente estarrecido e perguntei: “Como assim, torturado, Bacellar?” Aí ele me contou que no lugar onde ele modestamente amarra a sua rede para dormir, descansar e meditar sobre o tempo e o espaço amazônicos, resolveram jogar boliche. “Parece que tem até um campeonato de derrubada de pino em cima da minha cabeça!”, ressaltou. Confesso que fiquei preocupado com o rumo dos acontecimentos. Pois para mim, cabeça de poeta é para ficar tranquila e não ser perturbada com qualquer tipo de agressão. Foi quando me veio à mente o que ele escreveu em determinado instante de sua vida poética: “Esta lua é dos loucos. E eu pressinto / que vizinho já sou dessa loucura... / No entanto, sinto quanto a noite é pura / com um diurno sentimento de que minto / sorvendo o azul e trágico absinto / do luar.” E ele assim, vizinho dessa outra loucura dos nossos dias, sem poder sorver em paz o seu absinto. Sem poder, sequer, resolver em paz as suas frases.

– Grita o teu Frauta de Barro, Bacellar! – deu vontade de dizer. – E se possível em um megafone! – completaria.

Mas resolvi apenas escrever este modesto artigo, para denunciar o ocorrido. Pois as noites não são mais puras para o poeta Bacellar. O caos urbano e o barulho insidioso dos novos bárbaros atingem-no em cheio em sua rede, não o deixando sossegar. O jeito, para o Bacellar, é então escapar para as ruas ou para a Academia Amazonense de Letras.

Mas nem lá, na Academia Amazonense de Letras, é possível mais o descanso para o Bacellar. E por falar em Academia Amazonense de Letras, já me vem à baila mais uma história do Luiz.
Estava eu um dia desses na sala, atulhada de papéis, do Tenório Telles, a conversar sobre a nossa literatura, quando assomou o baixinho, propalando o seguinte:

– Roubaram a Academia Amazonense de Letras!!!

Ao escutar essa frase, vinda da boca do Luiz, os segundos viraram uma eternidade em minha cabeça. Imaginei logo que tipo de ladrão invadiria aquele prédio? E para roubar o quê?
Mas aí ele explicou melhor.

– Roubaram um vaso para plantas!

– Mas a Academia não tem nenhum vigia? – perguntei, impressionado.

– Não.

“Quais são os tesouros reais, escondidos no interior de uma Academia de Letras?”, pensei com os meus botões.

Vejamos: um vaso de planta é um vaso de planta é um vaso de planta.

Poderia ser, mas não em um pátio de uma Academia de Letras.

Em um lugar – onde a obra de um poeta ou prosador que ali foi colocado se reveste de uma força como a de uma planta cultivada; que, da semente da inspiração, criou a flor da consagração – os tesouros de uma Academia de Letras passam a ser tudo o que lá existe.

Costumo comer o meu quibe de quase todos os dias na banca da dona Branca, que fica no outro lado da rua e vejo que, realmente, a Academia Amazonense de Letras parece até um prédio abandonado, abertos aos ladrões. Ainda bem que está em reforma.

Mas, por falar em imortal, se tem um imortal que faz jus à sua condição, este é o Bacellar. O homem não sossega. Ainda bem. Imortal que se preze, deve andar pelas ruas dessa nossa existência, sem parar. Se possível, cutucando o vento.

E se, um dia desses, encontrasse novamente o Bacellar a caminhar e cutucar o vento, gritaria:

– Muito bem, Bacellar! Revela aos outros o que anda acontecendo! Roube os sonos dos incautos e ponha o dedo na ferida dos indigentes!

E ainda pediria a ele para recitar o seguinte trecho de seu clássico poema: “Luar peripatético e falaz, / deambulatório luar, atro e minaz: / versos contados por passadas lentas. / Pelo meu ritmo interior levado / eu vou compondo, a passo magoado / o poema. E enchendo as horas lutulentas.”

Aí, pensei: torna-se extremamente necessária a composição imagética de uma nova Academia de Letras, já que ela está em reforma. Por que não pintá-la de uma cor mais vistosa? Um amarelo luminoso. Ou então da cor do Teatro Amazonas, ali perto? Porque, cinza, do que jeito que está, ela não pode mais ficar.

E o Bacellar, sabendo disso, poderia muito bem fazer a feira com suas palavras bonitas, sob o sol de uma bela Academia.
"A massa ainda comerá os biscoitos finos que fabrico."
(Oswald de Andrade)
Oswald de Andrade (1890-1954), por Tarsila do Amaral.

domingo, 22 de março de 2009

romance possível romance iii

– amor, aparei os pentelhos para que não te incomodem na hora do boquete.
– ... ... ... amor, eles agora me espetam as bochechas.

(Allison Leão)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Manaus, amor e memória IV
Posse do poeta Thiago de Mello na Academia Amazonense de Letras, em 1955. Thiago está em primeiro plano, sonolento. E de terno escuro...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Terezinha Morango – a cinderela amazônica
Terezinha Morango, nascida em São Paulo de Olivença, foi Miss Brasil 1957 e vice-Miss Universo no mesmo ano.

Quando Terezinha nasceu para o mundo, um Zemaria nasceu para a vida. Seu nome, sua fama e, sobretudo, sua beleza acompanharam-me a adolescência. Um Zemaria adolescente a lembrar de tempos que não viveu, visões que não teve, sonhos que não sonhou. Terezinha é o ícone de um tempo em que a beleza era fundamental. Eu não amaria Terezinha. Terezinha me dá medo. Eu amo Terezinha. Lembrança, memória, delírio. Quando Carminé me falou do projeto, apoiei de pronto. Terezinha é lenda. Terezinha é mito. A história não pode esquecer Terezinha. Mas Carminé não escreveu a história de Terezinha. A história é uma senhora muito aborrecida. Escreveu, sim, sobre o mito – a força primordial que é Terezinha. Desde sempre. Para sempre.

(Zemaria Pinto, para o livro Terezinha Morango – a cinderela amazônica, de Demosthenes Carminé)

quarta-feira, 18 de março de 2009

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drops de pimenta 2

─ Você nem me liga.
─ Eu penso em você o tempo todo.
─ Então, prova.
─ Mirinha, você é minha chuva.

(Zemaria Pinto)

segunda-feira, 16 de março de 2009

George Steiner, o carteiro

George Steiner, filósofo e crítico literário francês, foi professor nas universidades de Princeton, Cambridge, Genebra, Oxford e Harvard. Completará 80 anos no próximo 23 de abril.

A entrevista começa a propósito do barulho provocado pelo lançamento do livro My Unwritten Books (Meus livros não escritos).

Pergunta – Quer dizer que se escandalizaram?
Steiner – Sim, muitos. Nunca antes alguém perguntou como é a vida sexual de um surdo-mudo. Já o fizeram em relação aos cegos, mas nunca aos surdos-mudos.

Pergunta – É uma pergunta inquietante.
Steiner –
Porque as perguntas importantes com frequência são inquietantes. Existe um comentário lindamente desagradável de Heidegger sobre o porquê de a ciência ser tão enfadonha. Ele disse que é porque ela só tem respostas.

Pergunta – Ao ler esse ensaio em especial, “As Linguagens de Eros”, poderíamos pensar que o senhor não tem pudor algum, nenhum medo das possíveis consequências.
Steiner –
Foi por isso mesmo que não escrevi o livro. Escrevi um ensaio, sete ensaios no lugar de sete livros. Estou prestes a completar 80 anos e, como não estou disposto a escrever sete livros, escrevi ensaios sobre o que teria gostado de escrever e por que não o fiz. A melhor definição da vida foi dada por Samuel Beckett: “Faça de novo. Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor.” Eu quis errar melhor, e é isso o que procuro dizer com este livro.

Pergunta – Essa frase de Beckett o senhor usa em um contexto em que fala sobre a tristeza e o pessimismo.
Steiner –
A tristeza e o pessimismo... Você sabe por que sou tão pouco popular entre meus colegas acadêmicos? Há uma razão muito simples. Ainda jovem, eu já disse que havia uma diferença abismal entre o criador e o professor, o editor, o crítico. E meus colegas não gostaram de ouvir isso.
O capítulo deste livro que foi mais difícil de escrever, “Inveja”, é precisamente sobre essa relação com os professores. Foi um pesadelo escrevê-lo. Suei em cada sentença. Como a gente se sente ao viver rodeado pelos grandes, sem ser um deles?
Fui o membro mais jovem da Universidade Princeton. Ali vivi ao lado de Einstein e Oppenheimer, e ali eu soube o que eram os gigantes. Veja aquele retrato que está ali [um retrato desenhado de Steiner em sua juventude; debaixo dele está escrito il postino – o carteiro]. Eu quero ser o carteiro, quero que me chamem O Carteiro, como esse personagem maravilhoso do filme sobre Pablo Neruda.
É um trabalho muito bonito ser professor, aquele que entrega as cartas, embora não as escreva. Meus colegas odeiam ouvir isso. A vaidade dos acadêmicos é enorme! Derrida disse que toda literatura, até mesmo a maior, é mero pretexto. Ao inferno com Derrida! Shakespeare não é um pretexto, Beckett não é um pretexto, Neruda não é, nem Lorca.

Pergunta – O senhor se irrita com Derrida.
Steiner –
O que ele disse sobre o pretexto é uma piada de mau gosto. Somos os carteiros e somos importantes. Os escritores precisam de nós para chegar a seu público. É uma função muito importante, mas não é o mesmo que criar.

(Excertos da entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo, de 18.01 último. Originalmente, a entrevista, concedida a Juan Cruz, saiu no jornal El País. Trad. Clara Allain.)
Soldado da Legião Estrangeira.

Zuavo. Soldado argelino a serviço da França.
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Não sei não. Depois de muito apreciar as fotos que o amigo Roberto Mendonça gentilmente me enviou, começo a duvidar do meu senso estético. Essas esculturas, feitas em ferro fundido, guardam o Palacete Provincial, antigo quartel do Comando Geral da Polícia Militar. Salvo engano, são reproduções de esculturas que podem ser vistas em Paris (mas lá não é pintado, claro). Sei não... Será que estou tendo um ataque de mau gosto ao não conseguir alcançar o bom gosto dessa gente?
Jorge Tufic vence concurso de trovas
Capa do livro mais recente de Jorge Tufic: Guardanapos pintados com vinho.

Jorge Tufic venceu a mais recente edição do concurso de trovas Mário Gomes, em Fortaleza, com a composição abaixo transcrita.

A trova amarga

Poesia, acordo secreto
entre Deus e a Natureza;
o poeta, por mais discreto,
nada leva dessa empresa.

domingo, 15 de março de 2009

romance possível romance ii

– amor, sentes saudade de mim?
– muita, sempre que te encontro.

(Allison Leão)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Re(vi)vendo Glauber
Zemaria Pinto
Glauber Rocha
(14/03/1939, Vitória da Conquista – 22/08/1981, Rio de Janeiro)
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Se vivo fosse, Glauber Rocha completaria, neste 14 de março, 70 anos de idade. Mas Glauber está vivo através de sua obra: neste 16 de março, seu filme mais emblemático, Deus e o Diabo na Terra do Sol, completa 45 anos desde que foi apresentado em avant-première, para um público especialíssimo, no cinema Ópera, em Botafogo, no Rio de Janeiro. E já que estamos falando nas efemérides glauberianas do mês, não custa lembrar que o esquecido Amazonas, Amazonas, encomenda do governador Arthur Reis, completa, no dia 17 de março, 43 anos, desde que foi exibido pela vez primeira ao mundo no saudoso Cine Avenida.

Não é apenas na maneira como se flexionam os verbos que se indica o estado vital de Glauber Rocha. Em breves 42 anos de existência, Glauber traduziu toda a angústia de seu tempo em 16 filmes – 10 longas e 6 curtas-metragens –, além de roteiros, ensaios, artigos, depoimentos, cartas e até mesmo um romance.

Ao contrário do que reza a lenda, Glauber Rocha não tem muito a ver com o cinema novo, pois Barravento, seu primeiro longa, já está muito à frente do cinema novo. Glauber, é preciso que se diga, destruiu o cinema novo, filho dileto do neorrealismo italiano, assassinado a golpes de facão e tiros de parabélum naquela noite de março de 1964, no cinema Ópera. Deus e o Diabo na Terra do Sol radicalizava toda e qualquer proposta que se apresentara até então. Suas deficiências técnicas mais evidentes são sobrepujadas pela força imagética criadora que Glauber toma emprestada de John Ford e Guimarães Rosa. Nada de maniqueísmo. Nada de mocinhos e bandidos. Nada da eterna luta entre Deus, o Bem, e o Diabo, o Mal, ou vice-versa.

Um épico com meia dúzia de personagens e duas dezenas de figurantes. Uma revolução na linguagem do cinema nacional. Glauber usa recursos poéticos para fazer cinema: metáforas, elipses, metonímias, hipérboles. Assim é que o vaqueiro Manuel e sua mulher, Rosa, representam o povo. E, na relação entre eles, vê-se claramente a latente insubmissão feminina, que tomava corpo em todo o mundo. O povo Manuel/Rosa, alienado, transita entre o fanatismo demente do negro beato Sebastião e o cangaceirismo ensandecido de Corisco, o diabo louro de Lampião. A contrapô-los, numa linha paralela à do “povo”, Antônio das Mortes, o matador a soldo das elites, que sempre dá uma oportunidade ao povo Manuel/Rosa, para que ele faça “uma grande guerra, sem a cegueira de Deus e do Diabo”. A dimensão trágica de Antônio das Mortes, o cão exterminador, sublima-o à condição do próprio anjo anunciador da revolução que se acreditava iminente.

Três anos mais tarde, em 67, o irrequieto Glauber constrói nova obra-prima, Terra em Transe, onde ele enterra definitivamente a estética épico-econômica de Deus e o Diabo, transformada em moda pelos sobreviventes do velho cinema novo, e inaugura, literalmente, a carnavalização cinematográfica, onde o caos narrativo e o discurso rebuscado parecem tirados de um alucinado desfile de escola de samba.

Para se ter uma idéia exata de quem era a “turma” de Glauber, leia-se o que Nelson Rodrigues escreve sobre Terra em Transe, logo após assistir ao filme, já lá se vão 42 anos: “na madrugada de sexta para sábado e domingo, continuei agarrado ao filme. E sentia por dentro, nas minhas entranhas, o seu rumor. Aqueles sujeitos retorcidos em danações hediondas somos nós. Queríamos ver uma mesa bem posta, com tudo nos seus lugares, pratos, talheres e uma impressão de Manchete. Pois Glauber Rocha nos dera um vômito triunfal. Os Sertões, de Euclides, também foi o Brasil vomitado. E qualquer obra de arte, para ter sentido no Brasil, precisa desta golfada hedionda.”

Assim como o teatro de Nelson Rodrigues, Terra em Transe é um filme “desagradável” sobre um país, Eldorado, em crise, e, por isso mesmo, em transformação: os diversos nichos de poder digladiam-se entre si; a classe média pseudorrevolucionária, representada pelo poeta-jornalista Paulo Martins, tem crises de consciência; enquanto isso, o povo a tudo assiste, passivo, mera massa de manobra. Se em Deus e o Diabo Glauber metaforiza a realidade sem abandoná-la, Terra em Transe deixa de lado, de uma vez por todas, o realismo crítico como método de apreensão dessa realidade e constrói uma grande alegoria neobarroca de um país chamado Brazil.

Premiado em festivais de cinema do mundo inteiro, o baiano Glauber Rocha mostrava caminhos e era assim que os monstros sagrados o viam. Jean-Luc Godard, por exemplo, convidou-o, em 68, para representar a si mesmo em Vent d’Est: um cineasta que aponta os caminhos do verdadeiro cinema políticorrevolucionário. Seu posicionamento político, aliás, era quase sempre polêmico, à esquerda e à direita. Como artista e como cidadão, Glauber despertava amor e ódio. Só não era possível ficar-lhe indiferente.

A guerrilha do Che Guevara, a guerra criminosa do Vietnã, Lamarca e Marighella, o tropicalismo, a contracultura, o feminismo, os Beatles, os Rolling Stones, o movimento estudantil, o movimento negro, a liberação sexual, a luta armada, “a imaginação no poder”: Glauber Rocha era tudo isso e mais o que viria a ser na década seguinte e o que não teve tempo de ser, quando, em 1981, aos 42 anos, numa madrugada de agosto, contra sua vontade, deixou de fazer cinema. Deixou de fazer revoluções.

Glauber dirige Terra em transe.

quarta-feira, 11 de março de 2009

A reinvenção cotidiana da vida
Zemaria Pinto

A poesia lírica centra-se na experiência do “eu”. A expressão na primeira pessoa leva o leitor incauto a confundir o “sujeito poético” com o próprio poeta. Mas a confusão não é gratuita, uma vez que a poesia, ainda que não reflita a experiência pessoal do poeta, ecoará sua vivência, sua relação com as coisas e com os entes, seu estar-no-mundo. Assim é que, desde Barro verde, de 1961, o tema recorrente da poesia de Elson Farias tem sido a Amazônia, sua geografia e suas “estórias”. Aliás, o poeta do Romanceiro é o mestre dos poemas narrativos, contos recolhidos nas suas andanças pelas barrancas amazônicas.

Com mais de 30 títulos publicados – e incursões bem-sucedidas na prosa de ficção, no ensaio e na literatura infanto-juvenil –, o poeta Elson Farias dá-nos, em Semibreves & exercícios de harmonia, seu livro mais pessoal. No ensaio introdutório a A destruição adiada, o mais recente livro de poesia de Elson, de 2002, L. Ruas já observava o caráter autobiográfico daqueles poemas, que falam das influências e das preferências estéticas do poeta. Agora, de maneira mais clara ainda, temos uma coleção de poemas que promovem um inventário pela geografia e pela história do poeta.

O livro divide-se em duas partes, exatamente conforme o título. Semibreves fala das coisas simples que cercam o poeta: o cotidiano da vida em família, o natal, uma viagem de férias a Minas Gerais. O tema natalino aparece pelo menos três vezes, mas o poeta mantém o distanciamento, evitando qualquer possibilidade de sentimentalismo: "No lugar onde nasci não existia Natal, / não guardo na lembrança / nenhuma festa de Natal". Aliás, essas são características da poesia de Elson: densidade e concisão, que ele exercita com habilidade numa série de haicais, apropriadamente intitulada “Olhares Breves”.

Os poemas de Exercícios de harmonia, embora de metros variados, são construídos de modo uniforme em três quadras e um dístico. Exercícios tem estrutura assemelhada à Semibreves, com observações sobre o cotidiano e um registro de férias, mas o poeta permite-nos ainda mais intimidade, quando, no “Caderno da Chácara Lili”, acompanhamos o passar do tempo pelas transformações naturais: as chuvas, o verão, a friagem. Mas também conhecemos minúcias da chácara, seus bichos domésticos, como cães, gatos, gansos, galinhas, e outros que por lá passam breves temporadas: sapos, tanajuras, lagartas e até uma inusitada preguiça-real. O livro se fecha com “Caderno de Viagem”, 33 poemas-lembranças de férias européias.

Semibreves & exercícios de harmonia, longe de se constituir num livro à parte na obra poética de Elson Farias, vem reafirmar sua condição de senhor de seu ofício, artífice da palavra exata. Ao diversificar seu trabalho, o poeta reinventa-o, ciente de que "o mundo muda a vida todo dia".

terça-feira, 10 de março de 2009


69, número par
ou
periquitos e rolinhas
ou
cenoura com beterraba
ou
os elefantes são eternos
ou
fragmentos da vida banal
ou
teatro doméstico-cotidiano
ou
joca & mirinha mirinha & joca
ou
drops de pimenta
ou
baião-de-dois
ou
azedos & travosos
ou
dobrando esquinas
ou
crônica da via-crúcis
ou
reticências e exclamações
ou
interlúdio lírico-sentimental
ou
o duelo entre apolo e dionísio no inferno

1

─ Foi tão bom...
─ Gostou?
─ Você até me beijou na boca...
(Zemaria Pinto)

segunda-feira, 9 de março de 2009

saga do romance possível romance*
Allison Leão
romance possível romance i

– diz que eu sou teu sol, tua lua!
– sim, meu bem, és meu eclipse.

*Será ainda possível o romance? Esqueçamos teorias sobre o fim do romance, “forma anacrônica de vida e de arte”, como se diz. Se não é mais possível o romance, talvez o seja o possível romance. O amor é outra coisa, bem diversa do romance. O romance: esgotá-lo! esgotá-lo! Enquanto possível. O romance.

domingo, 8 de março de 2009

Os 83 anos de Armando de Menezes

Almir Diniz, Simão Pessoa, Armando e Ivete Menezes.

Armando, Simão, Dori Carvalho, Ana Ruth e Zemaria, exatamente às 22:10h.

Ninguém diz que ele fará, no próximo dia 19, 83 anos – no máximo, ele aparenta 82. O memorialista Armando de Menezes, no dia exato do seu aniversário estará singrando os mares do Caribe, num daqueles cruzeiros inesquecíveis, que ele, Armando, refaz a cada dois anos desde que se aposentou como conselheiro do TCE. Por isso, a festa foi antecipada para o dia 6 passado, no ateliê de Anisio Mello, com a presença dos habitués do Chá do Armando: além do pessoal das fotos e do dono da casa, Roberto Mendonça (que tirou as fotos); Nato Neto, ao violão; Raquel Brasil e Aníria Diniz, responsáveis pelos vocais que foram de Tristeza do Jeca a Villa-Lobos; Nato, Rosa e Rebeca Braga; Sérgio Luiz Pereira; Dom Luiz Bacellar; Tenório Telles; Beatriz Mendonça; Mello Júnior; Benayas Inácio e Mara Pereira; Aguinaldo Figueiredo; e Nina, a dona da casa.

Clique sobre a figura para ampliá-la.
E tudo começou com Adão...
Benayas Inácio Pereira

Mulher! De súbito, todos os veículos de comunicação falam de você. O mundo festeja o Dia Internacional da Mulher, mas queria dizer que você deveria ser lembrada em todos os 365 dias do ano. Nesse instante, eu queria exaltar tudo o que o meu melindrado e sensível coração determina.

Gostaria de poder falar de você, mulher que já atingiu os postos mais altos da sua existência. Você, que transpondo obstáculos venceu no campo da política, da medicina, das artes, das ciências, dos esportes e das áreas empresariais.

Você, que se fez notável com tantas conquistas e vai, gradativamente modificando o próprio fluxo da humanidade. Você mulher, que me vem à lembrança todas às vezes que abro uma enciclopédia. Você que é a própria figura que ilustra páginas de livros marcando presença em qualquer época impondo um carisma todo peculiar. Gostaria de falar de Maria, Joana D´Arc, Gioconda, Dalila, Du Barry, Julieta, Marília, Margareth, Evita, Indira, Benazir e tantas musas e ninfas que enriqueceram e modificaram o curso da história.

Na verdade eu gostaria de falar dessas mulheres célebres e também de vocês, mulheres que são "capas de revistas" e destaques na mídia, mas, reconhecendo toda a minha inaptidão para concorrer com escritores especializados que decantam em verso e prosa as virtudes dessas primorosas figuras, prefiro deixar a eles essa sagrada função.

Então quero me dirigir a você, mulher que por determinadas circunstâncias ficou com a missão de batalhar pelo pão do diaadia. Você, mulher sem família, mulher cotidiana, mulher dona de casa, mulher do marido desempregado ou mesmo sem marido, que ficou com a incumbência de criar a prole gerada. Que dedica sua vida inteiramente aos filhos, orientando-os sobre o melhor caminho a seguir. Mulher que não desiste jamais dos ideais, mesmo eles sendo utópicos. Mulher que gera a vida, que amamenta, que chora de emoção ao gesto mais banal do filho querido. Mulher que sorri nos momentos mais aflitivos de sua vida. Você mulher mãe, mulher sol, mulher lua, mulher companheira, mulher amante, mulher princesa, mulher rainha que faz do seu lar um palácio cercado de pompas. Mulher que troca toda a riqueza do mundo por um simples gesto de carinho, mulher palafita, mulher ribeirinha, mulher macuxi. Mulher baré. Mulher amazônica. Mulher... Mulher!

Você que emprega todo o denodo em sua faina diária na dura batalha pela sobrevivência. Você, que ao chegar do trabalho encontra tantos problemas e que só você pode resolver. A mesa vazia, as contas eternas, as doenças e o reconhecimento ausente. Você, mulher humilde que é o esteio de um lar, de um sonho ou de um País.

Nesse dia dedicado a você, queria vê-la em seu melhor traje, ainda que estivesse roto. Gostaria de poder vesti-la de rainha e colocá-la no mais alto pódio para que todos pudessem admirá-la e devotar a gratidão que você merece. Se possível, queria ofertar a você a essência do melhor perfume. Ah, se eu pudesse alfombraria o chão por onde você passasse com pétalas de rosa do mais suave olor. Hoje eu gostaria que meu estro poético atingisse seu apogeu para que eu pudesse dedicar a você a poesia jamais feita em seu louvor. Você que em si, é o poema eternizado.

O Dia Internacional da Mulher é agora. É possível que você até receba alguns abraços ou felicitações. Não se iluda, porém. Amanhã tudo voltará a ser como antes. Sei que você continuará a trilhar os atalhos do destino com a mesma bravura de sempre. Afinal, essa é a sua sina e só você mesma é capaz de conduzi-la ao porto seguro que sonha.

sábado, 7 de março de 2009

O adultério ao alcance de todas − estudos de casos

 
Zemaria Pinto

 
O primeiro adultério, na concepção extremamente sensual de Michelângelo (1475-1564).
 

Nesta semana dedicada às mulheres espancadas, vamos falar do adultério, que ainda hoje mexe com a cabeça dos machos espancadores.

O mito do fruto proibido, da árvore do conhecimento do Bem e do Mal de que nos fala o Gênesis, não deve ser relacionado, como se costuma fazer ingenuamente, ao sexo. Adão e Eva faziam sexo como os animais, instintivamente. E sempre que tinham vontade. O que esse mito da falida cultura judaico-cristã representa é, sim, a passagem de um estado de animalidade para a hominização, isto é, a evolução do natural para o cultural. O que em Darwin leva bilhões de anos, no Gênesis tem o tempo de uma mordida. A súbita consciência e vergonha da nudez sentida por Adão e Eva não é pelo sexo: eles se escondem pela consciência da sua nudez moral. Tal como os deputados amazonenses, no caso, só com exemplo, do mentiroso deputado-justiceiro; ou como a corja do PMDB, fugindo à metralhadora giratória do Jarbas Vasconcelos. Ao aceitar o convite para comer do fruto da ciência, Eva comete o primeiro adultério: trai a Deus, todo-poderoso senhor daquele imensurável latifúndio ocioso. Este, na sua infinita e divina ira – puto da vida, mesmo! – implode o paraíso e condena-a e a seu amante a, eternamente, plantar batatas!

A literatura tem registrado inúmeros casos de adultério, um pecado absolutamente original, como o demonstra o mito eviterno de Eva. Escolhi três casos clássicos para comentar. Se alguém sentir curiosidade (pelo menos!) em lê-los, terá valido o esforço.

Otelo, O Mouro de Veneza, de William Shakespeare (Inglaterra, 1564-1616), foi encenada pela primeira vez em 1604, pela própria companhia do autor. Shakespeare não é apenas o maior representante do teatro clássico elisabetano, nascedouro do teatro moderno, mas também, segundo Harold Bloom, é o centro do cânone de toda a literatura universal. Mas há controvérsias.
'
Otelo, nobre mouro, general de carreira, casa-se com a jovem Desdêmona, à revelia do pai dela. Iago, com ciúmes de Otelo e de Cássio, mas protegido por aquele, envenena o general negro com indícios de uma possível traição de Desdêmona com Cássio. Otelo mata Desdêmona com requintes de crueldade. Dito assim parece simples, mas a trama urdida por Shakespeare envolve pelo que mostra e pela reação que provoca.

Desde o início, o adultério é apresentado como apenas uma intriga. O público, espectador ou leitor, tanto faz, sabe da inocência de Desdêmona. Iago tece sua teia, não como um amante apaixonado e vingativo, mas como um político sórdido, procurando derrotar seus inimigos com dossiês e declarações bombásticas.

Otelo, a peça, é isso: uma metáfora dos bastidores de uma vil disputa política. Desdêmona, por sua vez, é um mero objeto nas mãos de Iago (instrumento de sua vingança) e de Otelo (que antes de ser seu amigo e companheiro é seu dono). O final da tragédia castiga o Mal, representado nas personalidades doentias de Iago e Otelo, mas não evita o martírio de Desdêmona, um símbolo do povo, que sempre leva a pior nesses embates.

Madame Bovary, de Gustave Flaubert (França, 1821-1880), publicado em 1857, filia-se ao Realismo. É considerado um dos mais importantes romances da literatura francesa. Ema Bovary, mulher mimada e sensual, leva uma vida medíocre e tediosa ao lado de Charles, um fracassado médico de província. Ela envolve-se com Rodolfo, um donjuan hábil em conquistar corações inseguros; começa a fazer despesas que não tem como pagar. Rodolfo a abandona. Ema cai, então, nos braços de Léon, a quem conhecera anteriormente, continuando a acumular dívidas. Pressionada a pagá-las, ela prefere o suicídio à vergonha.

Em Madame Bovary, o adultério é a personagem principal; acontece de modo transparente e claro para o leitor. Como seria de se esperar, só o marido não desconfia de nada. Ao leitor, Ema Bovary é mostrada sem subterfúgios, em todas as suas contradições. Ao ser perguntado – num tribunal que o julgava por ofensa a moral etc. – sobre quem era aquela personagem construída com tanto realismo, Flaubert não titubeou, revirando os olhinhos: “Madame Bovary sou eu!”

Dom Casmurro, de Machado de Assis (Brasil, 1839-1908), publicado em 1900, filia-se ao Impressionismo, que, talvez pelo peso de Machado de Assis, não teve muitos cultores de expressão no Brasil, além do próprio Machado e de Raul Pompéia, autor de O Ateneu. E se alguém aí na platéia acha que eu tropecei na escola, repito: Impressionismo.

Bentinho e Capitu, criados juntos, apaixonam-se e casam-se. Escobar é apresentado como o melhor amigo de Bentinho. Dois anos após o casamento, nasce Ezequiel, e Bentinho, que vinha se revelando inseguro e ciumento, vê na criança o retrato de Escobar. Ele deixa claro a Capitu as dúvidas quanto a sua conduta e a do amigo. Escobar morre, prosaicamente, nadando no mar. As lágrimas de Capitu conduzem Bentinho à ideia de suicídio, homicídio e, por fim, de separação. Ela parte com o filho para a Suíça e lá vem a falecer. Quando Ezequiel, já homem feito, retorna, Bentinho não consegue ver nele senão o retrato do amigo morto. Ezequiel, que era arqueólogo, parte novamente, vindo a morrer em uma expedição a Jerusalém. Bentinho, então, escreve sua própria história, procurando convencer-se, e ao leitor, da traição de Capitu.

Em Dom Casmurro, a personagem principal é a linguagem. Machado desconcerta, envolve, brinca com as emoções e o bom senso do leitor descuidado. Ainda hoje, tem muita gente boa buscando a solução para o enigma de Capitu na mediocridade da vida real. Bobagem. O bruxo do Cosme Velho, utilizando o que aprendera em Shakespeare e Flaubert, dois de seus autores favoritos, reescreve as histórias de Desdêmona e Ema: de Desdêmona, Capitu tem a presumível inocência; de Ema Bovary, ela tem a culpa que o otelo Bentinho vê estampada na figura de Ezequiel.

Aliás, a discussão sobre a culpa de Capitu é, na verdade, inócua, inútil e estéril. E burra. O culpado, o único, é Bentinho: Dom Casmurro é um exercício de autopsicanálise, como se isso fosse possível, ainda mais antes de Freud, que Machado não teve tempo de conhecer. O que Bentinho faz, indiretamente, é a denúncia do machismo e da hipocrisia do ciúme numa sociedade que só vê o “crime” feminino, mas que tolera e até incentiva a contravenção masculina. A mais soberba criação literária sobre o adultério masculino, não por acaso, traz um nome de mulher: Medeia − é ela o centro de todas as tormentas decorrentes do “deslize” de Jasão. Mas essa é uma outra história.

Seria ocioso dizer que estamos diante de três realizações geniais. Shakespeare estrutura a tragédia política da artimanha e da mentira, tendo o adultério como pano de fundo. Flaubert, por sua vez, expõe a chaga da mediocridade da vida cotidiana. Machado de Assis, por se servir dos dois mestres, vai mais longe: constrói a fábula da dúvida. Afinal, é esse o verdadeiro leitmotiv do adultério. Desde Eva.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Eu odeio poesia!
Hildeberto Barbosa Filho
O autor tem cerca de 40 livros publicados, entre poesia, crítica e ensaios.
O texto abaixo foi extraído de O escritor e seus intervalos.

Odeio poesia! Não a poesia, por exemplo, de um Dante Alighieri, de um Charles Baudelaire, de um T. S. Eliot, de um Fernando Pessoa, de um Augusto dos Anjos, de um Jorge Luis Borges, de um Murilo Mendes, de um Carlos Drummond de Andrade, de um Jorge de Lima, só para citar alguns dos meus preferidos. Odeio, sim, a poesia dos que ingenuamente confundem poesia com confissão de sentimentos, com a expressão de mágoas, dores, alegrias, boas intenções, enfim, com os estados d’alma que trespassam a sensibilidade dos corações ditos românticos. Odeio essa poesia a que os irmãos Campos ou Décio Pignatari (esta trindade fala sempre mais ou menos a mesma coisa!) nomeiam de “poesia-lágrima”, de “poesia-soluço”, às vezes cometendo injustiças imperdoáveis se pensarmos em alguns dos seus destinatários.

Essa poesia, em que o sentimento aflora de maneira desmedida, caracteriza-se por um aspecto fundamental: nenhuma, ou quase nenhuma, consciência da linguagem. Essa poesia paradoxalmente não logra o intento primeiro da arte poética, isto é, não consegue se transmutar no poema. E por quê? Porque a linguagem, com todas as suas virtualidades possíveis, inclusive e principalmente as virtualidades estéticas, não sofre nenhuma pressão do ato criador, não recebe nenhuma energia especial da poiesis. É pura e estéril linearidade. A bem dizer, prosa medíocre encharcada no lugar-comum das emoções subjetivas, prosa mal cortada como se fora topografia vérsica. Essa poesia não vai além do mero confessionalismo, da simples confidência, do dizer mais direto sem qualquer recurso formal ou retórico que reflitam algum conhecimento mais profundo dos códigos literários e dos movimentos do idioma.

Nessa poesia não existem intermediações estéticas nem semânticas. Tudo é muito claro, muito óbvio, muito previsível. Nessa poesia não há estranhamento nem opacidade. A taxa de literariedade, se é que se revela alguma taxa de literariedade, é mínima, é baixa. Poeticamente estaria no quadro do mais cediço epigonismo. Essa poesia não possui, no campo da semiose, nenhuma isomorfia, nenhuma densidade, nenhuma massa crítica. Seu composto textual é pouco dado a tensões, a ambivalências, a obliquidades, a surpresas, a impactos. Nenhuma idéia, nenhum ritmo, nenhuma imagem, essa poesia simplesmente não existe. Minto: essa poesia existe, está aí em horrorosa abundância. É exatamente por ela que todos, ou quase todos, se consideram poetas. O médico é poeta, o engenheiro é poeta, o corretor é poeta, o jornalista é poeta, o padre é poeta, o comerciante é poeta, a dona de casa é poeta. Até o juiz é poeta! Até o banqueiro é poeta! Até a professora aposentada é poeta! Até o professor de literatura é poeta! A prova é que a minha mesa de trabalho anda cheia desses livros de poesia, livros de autores da minha e de outras províncias. Um parêntese: por amor de Apolo, não me façam ler originais, não me dêem nem me mandem mais esses livros de poesia!

Para referir os mais próximos e mais recentes, que me roubaram horas de leitura de um daqueles preferidos, agora enfileirados na parte mais alta da estante paraibana, enumero, em relação descritiva, citando títulos e autores, alguns nomes representativos: Momentos de emoções, de Elizete Rodrigues Batista Lira; Sentimentos, de Thércía Brandão Cavalcanti; Marcas do tempo, de Rosa Maria Godoy Silveira; Retalhos d'alma, de Maria Abigail Pereira; A moça na janela, de Vitória Chianca; O sentido do olhar, de Ilca Lucena; Poemas místicos, de Magna Celi; Sombras, de Yolanda Queiroga de Assis; A grande mãe e outros poemas, de Zélia Bora; Páginas de vida, de Terezinha Almeida; Verbo amar, de Tânia Rocha Domiciano; História de amor, Quando o inverno chegar e Cânticos do crepúsculo, de Violeta Lima; Filigranas da vida, de Everaldo Dantas da Nóbrega; O fantoche, de Misael Nóbrega; Poesia abrangente, de Carlos António Coelho; Vislumbre, de Marcos Barros, e Jasminando, de Fontana da Costa.

A lista não é exaustiva. Serve apenas para ilustrar, com as ferramentas do texto, os ingredientes específicos dessa poesia. Não transcrevo passagens para comprovar porque devo considerar a sensibilidade e a inteligência do leitor. Devo dizer também que, mesmo odiando essa poesia, respeito, no entanto, o direito subjetivo dos seus respectivos autores de produzí-la e publicá-la. Possuo formação jurídica e sei que o artigo 5, inciso IX, da Constituição Federal, dispõe, dentro do mais legítimo princípio democrático: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, inde­pendente de censura ou licença". Creio até ser muito válida a divulgação dessas obras como já dei a entender em antigo artigo para O Norte, intitulado "Os menores são bem-vindos". A poesia que aí se manifesta termina contribuindo, pelo avesso e indiretamente, para a formação dos juízos literários, na medida em que estes postulam, nos limites possíveis da análise critica, separar o joio do trigo.

Também não culpo as gráficas (não digo editoras, porque aqui não existem editoras). As gráficas, neste caso, funcionam como certas instituições de ensino particulares, submetidas aos ditames econômicos e mercadológicos do "pagou passou". Resultado: qualquer um pode se autopublicar. Existissem editoras, sobretudo editoras sérias, adotar-se-ia algum critério de excelência estética, haveria um conselho consultivo, o investimento no livro e, principalmente, a sua distribuição. Mas, sabemos, não é isto o que ocorre. E tome poesia!

Aliás, só há um tipo de poesia que odeio mais do que essa. É a poesia desses pseudo-inventores, sequiosos por trabalhar e lapidar a linguagem pela linguagem, num exercício de metaludismo autofágico em que esterilidade semântica combina perfeitamente com imbecilidade inventiva. Odeio, sim, essa poesia dos diluidores de vanguardas datadas, dos que fazem do texto poético um quebra-cabeças montado a partir de fragmentos verbais, de soluções aparentemente engenhosas e de práticas experimentais calcadas no canto de sereia das novidades e dos modismos. Essa poesia ainda é pior do que aquela. Se aquela é ingênua, esta é pretensiosa. Seus cultores, que não são poucos, tanto na Paraíba quanto em outros estados do Brasil, normalmente andam em tribos, formam guetos, são arrogantes, oportunistas e adoram fazer proselitismo literário.

Para ficar apenas com os de casa, ou melhor com os que têm publicado nas páginas dos últimos Correio das Artes, na seção de poemas, cito alguns nomes, em geral de poetas muito jovens, que parecem apostar no "império do efêmero", para me valer do sugestivo título de Gilles Lipovetisky. São eles, entre outros, Diego Vinhas, Cláudio Daniel, Paula Ziegler, Antoniel Campos, Daniel Sampaio, Amador Ribeiro Neto, Marcel Vieira, Delmo Montenegro, Arnaldo Antunes, Ed Porto, Pedro Gomes Ribeiro, Ana Lopes, Vamberto Spinelli Júnior, Fábio Cardoso e Rachel Lúcia.

Seguindo a mesma linha de pensamento acerca do primeiro modelo de poesia, esta lista também não é exaustiva. Apenas ilustra o esforço de "inventividade" de alguns poetas que sacrificam a complexidade sintático-semântica do poema em nome de ludismos que pressionam, na mais das vezes aleatoriamente ou por mero mimetismo formal, a carnadura do significante. Como no outro caso, também defendo o direito de expressão e criação deste segmento da poesia contemporânea. Em arte, concordo plenamente com Mário de Andrade, quando na célebre conferência de 1942, procura defender "o direito permanente à pesquisa estética". E por falar no escritor paulista, gostaria de transcrever algumas de suas palavras sobre a categoria da invenção, num pequeno artigo que escreveu a respeito de Riacho doce, de José Lins do Rego, em 1939. Aproveito a oportunidade para endereçá-las diretamente aos poetas que se autonomeiam de "inventores". Eis o que diz o autor de Lira paulistana: “(...) inventar não significa tirar do nada e nem muito menos se deverá decidir que uma das onze mil virgens tocando urucungo montada num canguru em pleno Andes escocês é mais inventado que descrever reminiscências de infância. Aliás, tudo em nós é de alguma forma reminiscência; e a invenção, se invenção justa e legítima, não se prova pelo seu caráter exterior de ineditismo e sim pelo poder de escolha que, de todas as nossas lembranças e experiências, sabe discernir, nas mais essenciais, as mais ricas de caracterização e sugestividade”.

Penso que é exatamente isto – essencialidade, riqueza de caracteres e poder de sugestão – que falta a essa poesia da “inventividade”, aliás – diga-se de passagem –, uma inventividade de segunda mão. A carência de densidade semântica, o apelo desmedido a recursos de automação da linguagem, o cerebralismo estéril e a pose soberba do grafismo verbovocovisual, enfim, o dogmatismo das certezas estéticas terminam por corresponder, dialeticamente, à lógica açucarada da poesia simplesmente sentimental naquilo que ambas, cada uma no seu destino exclusivista, vive a mais deslavada experiência de alienação poética.

Poesia alienada! Que contra-senso! Por isto odeio poesia! Ou melhor, certas modalidades de poesia.

Hildeberto Barbosa Filho, Mestre e Doutor em Literatura Brasileira, é professor da Universidade Federal da Paraíba, no curso de Comunicação Social.

terça-feira, 3 de março de 2009

Um encontro muito especial
Antônio Lázaro de Almeida Prado, Fernanda de Almeida Prado, Paulo Vanzolini e Antonio Candido.
Paulo Vanzolini e Antonio Candido.

Almeida Prado, Vanzolini e Candido.

O encontro aconteceu no último 9 de fevereiro, na Casa de Antonio Candido, em São Paulo. O jornalista italiano Antonio Ciano, que está fazendo um documentário sobre a convivência e a influência italiana no Brasil, reuniu três pesos pesados da intelectualidade brasileira: o professor e poeta Almeida Prado, o compositor Paulo Vanzolini e o professor e crítico literário Antonio Candido. Fernanda de Almeida Prado – psicanalista, psicóloga e produtora cultural – deu um breve depoimento sobre esse encontro de titãs:

Meu pai e Antonio Candido falaram muito da formação da USP, nas humanas, em especial; contaram da convivência com os professores Italo Betarello, Giusseppe Ungaretti, Edoardo Bizarri e muitos outros professores italianos que lecionaram na USP. Paulo Vanzolini falou também como filho de imigrante italiano; contou histórias de sua vida, suas músicas e também falaram muito de Adoniran Barbosa e outros artistas importantes.

Ser filha deste pai intelectual e poeta e principalmente um ser humano tão especial, que me permitiu sempre participar de encontros como este, fazem de mim uma pessoa feliz e com um sentimento de privilégio, sempre.
Quarta Literária com Celdo Braga e Patativa do Assaré
Patativa do Assaré (1909-2002), por Paulo Jales.

Inaugurando seu 11° ano de atividades, a Quarta Literária traz o poeta e compositor Celdo Braga falando de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré.

Patativa do Assaré – vida e poesia
Ainda criança compôs seus primeiros versos. Aos dezesseis anos, ganha a primeira viola e começa a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos, recebe o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave. Patativa do Assaré foi a voz de todos os injustiçados, marginalizados e oprimidos. Sua poesia, embora enraizada no sertão nordestino, é ao mesmo tempo universal por representar o sentimento de uma classe social com a autenticidade de quem é “do povo”. Além de poeta popular, foi cantador, violeiro, improvisador e também escreveu cordéis.Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou – o Cariri, no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. Sua obra aborda diferentes temas e possui outras vertentes além da social/militante; como a telúrica, a religiosa, a filosófica, a lírica, humorística/irônica, motes/glosas, entre outras.

O dia 5 de março marca o centenário de nascimento de Patativa do Assaré, que faleceu em 2002, aos 93 anos.
Evento: Quarta Literária
Tema: Patativa do Assaré – vida e poesia
Palestrante: Celdo Braga
Data: 4 de março de 2009
Horário: 18h30min
Promoção: Livraria e Editora Valer
Local: Espaço Cultural Valer - Rua Ramos Ferreira, 1195 – Centro
Quarta Literária – Programação 2009

4 DE MARÇO
Tema: Patativa do Assaré – Vida e poesia
Palestrante: Celdo Braga

1° DE ABRIL
Tema: Mário Ypiranga Monteiro – Um historiador e seu tempo
Palestrante: Francisco Gomes

6 DE MAIO
Tema: Ionesco e o teatro do absurdo
Palestrante: Jorge Bandeira

3 DE JUNHO
Tema: Música e poesia em Chico da Silva
Palestrante: Célio Cruz

1° DE JULHO
Tema: Os Sertões: um épico brasileiro
Palestrante: Zemaria Pinto

5 DE AGOSTO
Tema: Os contos de Milton Hatoum
Palestrante: Nícia Zucolo

2 DE SETEMBRO
Tema: Edgar Allan Poe – Literatura e revelação
Palestrante: Cláudio Fonseca

7 DE OUTUBRO
Tema: L. Ruas – Vida e compromisso
Palestrante: Roberto Mendonça

4 DE NOVEMBRO
Tema: Monstros na ficção amazonense
Palestrante: Allison Leão

2 DE DEZEMBRO
Tema: Thomas Mann na literatura universal
Palestrante: Marcos Frederico
De olho nas gralhas
A edição de hoje do jornal A Crítica publica este retrato de Beethoven (1770-1827), feito por Joseph Karl Stieler (1781-1858), como sendo de Haydn.
Este é o verdadeiro Joseph Haydn (1732-1809), retratado por Thomas Hardy (1757-1804).

segunda-feira, 2 de março de 2009

Carta a Quintino Cunha
(uma palavra sobre o encontro das águas)
Tenório Telles
Os rios seguem juntos, por mais de 6 quilômetros.
Leia o poema Encontro das Águas, de Quintino Cunha.

Caro Quintino,

Espero que estejas bem por aí. Imagino o trabalho que estás dando ao bom Deus, com suas estrepulias e sua mania de fazer pilhéria de tudo. Sei que um pouco de riso não faz mal a ninguém e, além do mais, ajuda a quebrar a monotonia celeste. Tome cuidado, soube que São Pedro não tem muito humor. Qualquer hora ele pode te colocar no olho da rua. Caso isso ocorra, venha para cá. Estamos precisando de ti por aqui. As coisas não estão bem e estamos preocupados com os últimos acontecimentos. Especialmente porque alguns espíritos de porco estão querendo construir um imenso porto nas Lajes, o que descaracterizaria a paisagem do encontro da águas.

Caro amigo,

Caso São Pedro não te mande embora, peça uma autorização do chefe do céu para que venhas nos ajudar nessa causa. Tem muita gente boa comprometida com a luta para impedir essa insanidade. Você será muito útil. Precisamos da sua pena afiada e da sua intrepidez para enfrentarmos esses senhores, doentes de ambição e que só pensam em dinheiro, que não conseguem perceber que a beleza do encontro das águas é mais valiosa do que um porto.

Vá logo preparando um novo poema sobre esse encontro mágico entre o Negro e o Amazonas. Sugiro que você os retrate como se fossem guerreiros, lutando contra esses capirotos. Lembrei-me de Dom Quixote combatendo os dragões. Pus-me a pensar no teu poema, na estrofe em que descreves os dois rios (fiquei emocionado com a tua sensibilidade): “Vê bem, Maria, aqui se cruzam: este/ É o Rio Negro, aquele é o Solimões./ Vê bem como este contra aquele investe./ Como as saudades com as recordações”. Gosto muito da descrição que fazes do Negro, captando-lhe a própria alma. Contigo aprendi que os rios têm alma. Antes de ler o teu texto já pressentia essa melancolia na face do velho Negro e em seu caminhar silencioso, como se uma dor indescritível contamina-se-lhe o ser: “Olha esta água, que é negra como tinta,/ Posta nas mãos, é alva que faz gosto;/ Dá por visto o nanquim com que se pinta,/ Nos olhos, a paisagem de um desgosto”.

Sabe, Quintino, a estrofe em que falas do Solimões é a que mais gosto, por razões afetivas. Passei a minha infância na beira desse rio. Tomava banho em suas águas, mergulhando como um peixe, até o fundo. Estou entranhado até a alma pelo Solimões: saciávamos a sede com sua água. No pote ficava friazinha. Esperávamos sentar no fundo para, então, bebê-la. Ainda hoje sinto o seu sabor e aquele gosto de terra. Esse rio está em mim. Por isso sinto a sua falta e o amo tanto. Há dias em que sinto seu cheiro, ouço o silêncio de suas águas, sua irritação nos dias de temporal. Sinto em meu rosto a brisa que sopra ao amanhecer. Esse rio é uma metáfora da vida. Cumpre com bravura e desapego a missão de dar de beber e alimentar a terra, as plantas, os bichos e os seres humanos. Meu Solimões é, como dizes, um rio virtuoso: “Aquela outra parece amarelaça,/ Muito, no entanto é também limpa, engana;/ É direito a virtude quando passa/ Pela flexível porta da choupana”.

Quintino, tenho a impressão que estavas apaixonado quando escreveste esse poema. Na última estrofe, ressaltas a força do sentimento que te unia à mulher amada, em correlação com a vitalidade e a grandeza das águas dos dois rios. Sabias que é do amor que nasce o grande e o belo: “Se estes dois rios fôssemos, Maria,/ Todas as vezes que nos encontramos,/ Que Amazonas de amor não sairia/ De mim, de ti, de nós que nos amamos!!...”. Essas pessoas que engendraram esse porto, que pode vir a ser o sepulcro desse monumento que nos foi dado por Deus, não têm sensibilidade para perceber o crime que estão cometendo contra a memória e nossa identidade cultural. Também não têm olhos para o belo e o sublime que emanam desse cenário mágico. Márcio Souza tem razão, não dá para imaginar Manaus “sem o espetáculo do encontro das águas”.

Caro Quintino, ia me esquecendo, dê uma palavrinha com Deus, quem sabe ele não toca o coração desses homens. Por via das dúvidas, vou falar com a mãe-d’água e com os bichos do fundo. Se não for suficiente, vou conclamar os espíritos da floresta e desencantar Ajuricaba para liderar essa cruzada.

PS.: Este texto é para Ademir Ramos e sua falange de defensores do encontro das águas.

domingo, 1 de março de 2009

E por falar em Beckett...
Juan Pablo Nierine

Eu li o seu texto e me lembrei de uma piada que um amigo meu (cientista da computação) costumava contar. Ele dizia que existem 10 tipos de seres humanos: os que entendem binômios e aqueles que não entendem binômios. Agora imagine um negro africano de quase dois metros de altura rindo com deboche de nossa cara de néscio.

Na verdade ele poderia dizer 100, 1000, 10000, 1.000.000. Umberto Eco em A Obra Aberta relaciona o sistema binário com a teoria da informação: através de dois códigos em eterna combinação pode-se criar uma cadeia de multiplicidades infinita, como ocorre com os computadores que através de tal sistema podem efetuar o comando mais rudimentar até chegar aos sistemas de alta complexidade. Não vou me ater na relação que há entre isso e a análise da obra aberta, da multiplicidade de sentidos, das mil possibilidades de abordagem de uma obra, acerca da arte contemporânea etc.

De fato o universo se estrutura de forma binária, partindo do pressuposto que a realidade é a determinação de um mero desencadear de tal paradigma, o resultado de um demiurgo que através de um sistema simples reproduz ao infinito uma complexidade de elementos. Contudo, as representações dualísticas ora expressas são conseqüência de uma estrutura binária do universo? Ou seria a concepção de uma estrutura binária que edifica o universo apenas mais uma criação dualística?

Em certas ocasiões é mister não se confundir essa zona de indiferenciação que há entre dialética (seja a Hegeliana ou Marxista) e dualismo. Dualismo se dá por diversas razões: a própria dialética, maniqueísmo (moral e filosófico), simpatia por antagonismos, reducionismo de relações mais sutis.

O teatro de Sartre e Brecht evidentemente está totalmente comprometido em apresentar a arte como engajamento, buscar a ação do homem na realidade e todas as implicações geradas por tais conflitos. Quanto a Camus, em seu teatro existe uma proximidade muito maior com o “absurdo” Beckettiano, do que em Artaud, onde o teatro da crueldade demonstra a existência do homem como pura insistência, corte e tortura potente da realidade, até esconjurando os termos de um conflito existencialista.

Mas o que é o homem só? O homem destroçado e abandonado por Deus, pelo Estado, pela família e pela religião?

Se os termos de um teatro do absurdo (Ionesco, Adamov, Artaud, Arrabal, Beckett) se colocam em uma era atômica, de cisão e bipolarismo político, desesperança e incomunicabilidade, ou seja, em um contexto dado, em uma realidade objetiva, não é por tirar de tais circunstâncias a possibilidade de se fazer uma arte metafísica que lance o homem diante de seus problemas fundamentais (universais) e o leve para uma experiência mais profunda. Se a questão do absurdo ensimesmado se situa em um plano, entende-se que o homem colocando ou não a lengalenga ela brotará, afinal, esse voltar-se para si também não é a expressão de uma realidade objetiva? De tal forma que não se consegue desatrelar-se dela? Questão: o que são os sentimentos de nada, vazio e alienação senão a vivificação dessa experiência aterrorizante chamada realidade objetiva?

Aceite tais comentários, que, por mais que venham a contradizer seu raciocínio, não deixam de ser a expressão de pensamentos provocados por ele.