Amigos do Fingidor

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Do urutau

Max Carphentier

 

Vivendo de morrer do amor perdido,

a alma da cunhã, presa na lua,

às vezes desce sobre a noite, e canta

com o nome de urutau, ave das sombras,

em que se encarna pra sofrer nos ramos.

É que Tupã um dia a condenara,

por ter sido infiel, a errar nas trevas,

penando como fazem as flautas tristes.

E vem nesse cantar da lua à terra

toda mágoa dos olhos que interrogam

o céu sobre o pesar do amor sozinho,

como o pesar que sofre essa cunhã

que, se um falaz amor tarde traíra,

do verdadeiro amor cedo partira.

 

 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Tipos de eleitor

Pedro Lucas Lindoso 


As pesquisas eleitorais deviam analisar melhor o perfil do eleitor a ser entrevistado. Vejamos alguns tipos.

Há o eleitor em que ele próprio é candidato. Se for candidato a um cargo majoritário como prefeito, por exemplo, é claro que votará em si mesmo. Agora, sua escolha para vereador é uma incógnita. Nem ele sabe. Com certeza vai votar em candidato de sua legenda. Mas já prometeu seu voto para pelo menos cinco.

Quem é servidor público e trabalha nas eleições está, muitas vezes, mais interessado nas folgas que vai ter no trabalho, do que em quem vai ser o próximo prefeito.

O eleitor que é filiado a um partido de esquerda vai votar na certeza de eleger seu candidato. Faz boca de urna e veste-se de vermelho, põe um boné do MST e vai à luta. Geralmente é fiscal do seu partido.

O eleitor de direita é mais discreto. Mas também faz boca de urna e pede votos de forma reversa. Pede para não votar em comunista.

Idosos que votam opcionalmente têm seus motivos. Gostam de votar e exercer a cidadania. Ouviram falar que o voto faz prova de vida junto ao INSS. Outros acreditam que a Justiça Eleitoral pode informar a abstenção à Previdência. Podem achar que morreram e ter o benefício suspenso.

Sem contar os idosos que vão votar para sair de casa e participar da muvuca eleitoral.

Um adolescente me contou que tirou seu título porque participou de um projeto em sua escola. E também para impressionar a namorada.

Há os revoltados. Vão votar para não ter o salário suspenso. E votam em branco.

Há os conscientes. Votam com prazer e acreditam na importância do voto e da Democracia.

Há o eleitor corrupto. Mas fiel. Recebeu duzentos reais para votar em determinado candidato. E cumpre com sua palavra. Mas há o corrupto infiel. Recebe dinheiro até de mais de um candidato e vota em outro. Há o infiel ingrato. Recebe dinheiro e vota em branco.

Existem ainda, claro, os que financiaram campanhas e pretendem contratos ou empregos no Poder Público.

 Por fim não podemos esquecer os eleitores do Distrito Federal. Não há prefeitos nem vereadores em Brasília. Estão dispensados neste pleito. E você, caro leitor? Em que tipo de eleitor você se enquadra?

 

domingo, 6 de outubro de 2024

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Os que andam com os mortos - entrevista ao Entretextos

 

Zemaria Pinto fala a Dilson Lages Monteiro sobre
Os que andam com os mortos 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Da dor maior

Ernesto Penafort (1936-1992)

       

líquida é esta noite

em que te encontras distante.

líquida, também,

é esta vontade minha

de te ter nos braços

e amar com toda a força

da minha existência de homem.

     

belo seria

o momento em que pudesse

de um só golpe sorver-te

mesmo através dos poros

deste corpo que pulsa por ti.

     

o cântico dos cânticos

não é mais belo do que tu.

e cantar-te, nesta hora,

é para mim o privilégio

que dilata meu coração,

que pulsa por tua vontade,

     

líquida é esta noite

em que também me umedeço,

orvalhecendo-me por ti,

como se fosse o produto

de um céu sem deuses,

como se fosse o único astro

de um firmamento fechado.

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Idalina e os garçons

Pedro Lucas Lindoso

 

Minha respeitável e veneranda tia Idalina é uma pessoa queridíssima. Moradora de Copacabana, há anos. Todos a conhecem. Os feirantes a veneram. O rapaz da farmácia tem grande consideração por ela. A moça da banca de revista faz todas as suas vontades. Na época em que se usava cheques trocava os cheques de titia por dinheiro sem reclamar.

Há uma turma que fica apavorada ao vê-la: os garçons. Exceto o Joaquim. Um rapazinho louro, filho do português dono do self-service no qual ela sempre vai. É que ela lhe dá generosas gorjetas.

Os problemas de Idalina com os garçons é antiga. Em Portugal, fez “psiu” para o garçom.  Para piorar, chamou-o de moço. Era um senhorzinho que lhe passou uma reprimenda:

– Não sou gato para ouvir “psiu”. Tampouco sou moço.

No que titia, que não leva desaforo para casa nem para o Brasil, respondeu-lhe.

– Está se vendo que o senhor é um velhote. E mal educado.

Mas os problemas de tia Idalina com garçons não fica só nas diferenças culturais. É que titia é muito exigente.  E sempre tem um senão a fazer. E ao fazer algumas exigências confunde os garçons e os cozinheiros.

Certa vez fomos a uma pizzaria. Havia quarenta tipos de pizza. Titia criou a pizza quarenta e um. Pediu uma portuguesa sem cebola com milho, ervilha e aspargos.

Numa pastelaria havia vinte tipos de pastéis. Inclusive de frango com catupiri. Ela quis um só de frango. Sem catupiri. Veio com catupiri. Ela reclamou. O moço disse que todos os de frango tinham catupiri. E pronto.

Ela quase teve um troço. Mas acabou comendo com catupiri mesmo.

Na volta de Portugal, pela TAP, o comissário perguntou-lhe:

– Frango ou carne, senhora.

Titia pediu bacalhau. No que o comissário desculpou-se. Só serviam bacalhau na classe executiva.

Tia Idalina comentou que os portugueses eram sistemáticos. Custava servir um bacalhauzinho para ela?!

Nos restaurantes, as exigências são variadas. Carne ao ponto. Mas bem passada. Picanha sem gordura. E por aí vai.

Ah! Essa titia! Terror dos garçons de Copacabana e adjacências. Mas, mesmo assim, amada por todos.


domingo, 29 de setembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXC


Esquina da 7 de Setembro com Instalação.

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A poesia é necessária?

 

3 Hai-kais

Benjamin Sanches (1915-1978)

 


Banhando-se nua,

No rio treme de frio,

A pálida lua.


 

A noite chegou,

Com seu véu cobriu o céu,

E a lua voltou.

 


O sol despertou,

Viu quando a estrela sumiu,

Ardente ficou.

 

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Sapotilha, sapoti ou poti

Pedro Lucas Lindoso

 

No quintal de minha avó materna, Brigitta Daou, havia muitas árvores frutíferas. A casa da vovó ficava numa chácara, na Vila Municipal. Hoje Adrianópolis. No local foi construído um condomínio.  Algumas mangueiras teimam em ultrapassar anos, demolições e construções. Ultrapassaram também vidas, recordações e memórias.  Menos as minhas.

Além das mangueiras, havia pés de jambo, abricó, pitomba, ingá e sapotilha. Ou sapoti. Nunca soube qual seria o nome certo. Há ainda os que as chamam de sapota. Eu as chamo de sapotilha e pronto.

Minha amiga Ana Lucia, bióloga especialista em botânica, me disse que a sapotilha é nativa do sul do México e da América Central. A sapotilha é muito apreciada in natura. Cultivada em várias partes do Brasil. Desde o sul do estado de São Paulo até a nossa região amazônica.

Minha avó tinha duas irmãs e um irmão. Tia Antonieta, Tia Helmosa e Tio Bianor. Tia Helmosa gostava muito de sapotilha. Chamava-as de sapoti. O que deve ser o mais correto. Tia Helmosa era muito culta.  Teve uma educação primorosa. Além de um português escorreito, falava inglês e francês com perfeição. Principalmente, francês.

Tio Bianor era apaixonado por aviões. Foi estudar em Paris depois do fim da Primeira Guerra. O período entre guerras foi a Era de Ouro dos aviões.

Tio Bianor voltou de Paris piloto de avião e falante de francês. Ao chegar na chácara de vovó, sua irmã Helmosa foi mostrar-lhe as diversas árvores frutíferas. Inclusive, e principalmente, sapoti, sua fruta preferida.

Ambos, Bianor e Helmosa, conversavam animadamente em perfeito francês, idioma no qual eram fluentes.

A palavra ça em francês é uma partícula que pode ser usada em diversas situações. Coloquialmente, para significar "isto", "isso" ou "aquilo". Helmosa então apresentou ao irmão recém chegado da França a gostosa fruta sapoti.

Só que ao ouvir sapoti, tio Bianor entendeu “Ça poti”. E pedia para comer poti.

Tia Helmosa, que me ensinou as primeiras palavras em Frances, ria-se ao me contar várias vezes essa história. “Ça poti” non, sapoti! E eu sempre lhe respondia em Francês:

 "C’est ça!", que significa "isso mesmo!"

  

domingo, 22 de setembro de 2024

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Tríptico do espanto

Alencar e Silva (1930-2011)


I

Tudo traz sob a pele a sua morte:

a rosa e o sonho dançam sobre o abismo

as formas de uma só fatalidade

trabalhada em equívocos. Sereno,

contudo, é o meu semblante: este e o mesmo

que passeio entre as gentes. A amargura

é disposta em murais pelas paredes

do eu profundo – e me espia. Duro é vê-la

contemplando os meus gestos: de seus olhos

flui um rio de sono, um rio sem barcos,

onda boia meu rosto repartido

em cartazes de espanto... Chove cinzas

            sobre as asas de uma ave: e o canto, ausente,

            talvez mudo se cumpra eternamente.


terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sessões contínuas

Pedro Lucas Lindoso

 

Em tempo de “streaming” vejo um filme como quiser, onde quiser, quando quiser. Com interrupções. Ou sem interrupções.

Houve um tempo em que íamos aos cinemas e havia sessões contínuas. Não havia shopping centers. Os cinemas eram nas ruas das cidades. Geralmente, nos centros. Havia cinemas nos bairros também.

 As sessões geralmente começavam às 14:00 horas. Havia sessões às 14:00, 16:00, 18:00, 20:00 e 22:00 horas. E eram contínuas. Essa prática era muito comum em cinemas, durante décadas.

É nostálgico.  Os cinemas de rua acabaram. Viraram lojas, edifícios comerciais. E pasmem! Muitos em várias cidades viraram igrejas.

Acabaram os cinemas de rua e as sessões contínuas. Será que preciso explicar o que eram sessões contínuas? Sim, preciso. Meus filhos e meus sobrinhos não sabem o que eram as sessões contínuas. Explica-se:

Os cinemas em geral permitiam que as pessoas chegassem a qualquer momento para assistir aos filmes.

Como já dito, a primeira sessão era as 14:00 horas. Podíamos chegar as 15:00, assistir do meio para o fim. E então esperava-se o início da outra sessão para ver a primeira parte do filme.

Nos cinemas havia os lanterninhas. Eles iluminavam o caminho dos frequentadores até uma cadeira vazia. E eram responsáveis por pedir silêncio e até expulsar quem se excedia no barulho, na bagunça ou até mesmo num beijo mais audacioso.

Havia os que viam o filme em uma sessão e namoravam na outra. Ou vice-versa.

Com o tempo, surgiram os shoppings com uma nova forma de exibição. Os cines multiplex oferecem várias salas de cinema em um único local. Geralmente shoppings.  A nova dinâmica possibilitou ao público escolher entre uma variedade de filmes e horários. Foi o fim das sessões contínuas.

Tive um professor na faculdade que dava a mesma aula para as turmas A e B. Na nossa turma A de oito às dez. Na turma B, de dez ao meio dia. Certo dia cheguei atrasado. O mestre perguntou-me:

Vai assistir a sessão contínua?

Recebi e mail de Brasília no qual um colega me informa que o mestre havia falecido. Esquecido num asilo. Acabaram as sessões contínuas.

Mas a vida continua. Como ela é!

 

domingo, 15 de setembro de 2024

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Certos amores

Astrid Cabral

 

Afirmo: certos amores

são manhãs no infinito.

A luz em ritmo lento

não conduz ao sol a pino.

Certos amores se espraiam

sem pressa assim sonolentos

por intérminas estradas.

Sossegam secretos. Dormem

sob chaves de silêncio.

Vacinados contra o efêmero

recolhem-se disfarçados

sob véus de negligência

latejando na reserva.

Certos amores não crescem.

Hibernam pura promessa

de fogo a arder. Aguardam

só que o fósforo do acaso

risque a fagulha da chama.



terça-feira, 10 de setembro de 2024

A finitude da vida

 Pedro Lucas Lindoso

 Para uma garotinha de 3 anos, a finitude da vida é algo que parece não só incompreensível como inexplicável. Minha neta Maria Helena perdeu o avô materno quando era bebezinha. Maria Helena cativa a todos. Não seria diferente com Anne e Maurilio, tios de sua mãe e seus tios avós e vizinhos de porta.

Maurilio faleceu recentemente. Instintivamente havia desenvolvido um carinho especial por Maria Helena. Um querer bem que, mesmo sem que fosse planejado, substituiria a ausência de seu cunhado e amigo Ernani. O avô falecido de Maria Helena.

Então, numa manhã ensolarada e quente de agosto, Maria Helena, com olhos curiosos e cabelos cacheados, acordou, como sempre, com um sorriso no rosto. Mas naquele dia, algo estava diferente. O burburinho da casa, que normalmente a fazia ficar animada, parecia misturado a algo triste.

“A mamãe e vovó estão chorando”, pensou Maria Helena, enquanto descia as escadas. Ao chegar à sala de estar, viu a mãe sentada no sofá, com as mãos cobrindo o rosto. Ao lado dela sua avó e seu pai. Depois chegou sua irmã Malu.

As pessoas falavam de seu tio Maurilio. Maria Helena e sua irmã Maria Luísa amavam o tio Maurilio. Ele sempre contava histórias engraçadas. Maria Helena adorava seu jeito carinhoso.

“Por que a mamãe e a vovó choram?”, perguntou Maria Helena com a inocência de uma criança que não entende a gravidade da situação. A resposta veio em forma de um abraço apertado: “Ele se foi, minha querida. Ele está no céu agora”.

Maria Helena ficou confusa. “O tio Mauro foi viajar?”, perguntou, olhando pela porta da varanda em busca de algum sinal dele. O céu estava azul, repleto de nuvens brancas. Para ela, isso significava que ele poderia voltar a qualquer momento. Trazendo seu picolé de tapioca. As horas passaram e Maria Helena continuou a fazer perguntas. “Quando o tio Mauro vai voltar?” e “Ele está brincando com as estrelas?”. Sua família tentava explicar a morte, mas as palavras soavam estranhas e pesadas para ela.

Ela vai à casa de tio Mauro e tia Anne. Moram na casa vizinha. Procura incessantemente por ele. É de partir o coração.

Maria Helena agora acredita que o tio virou estrela. Para ela, a perda não significa apenas um adeus, mas uma nova forma de conexão. A primeira lição sobre a vida e a morte havia sido plantada em sua mente inocente.

Maria Helena, através dessa experiência, trouxe um novo significado à dor de sua família, lembrando a todos que o amor nunca morre.  E aqueles que amamos continuam a viver em nossas memórias e nossos corações.

P.S.: Os sinceros sentimentos do cronista aos familiares e amigos de 

Maurilio Saraiva Cavalcante.



domingo, 8 de setembro de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXVII


Página de reclames da revista Redempção, de outubro de 1925.

 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Meu cavalo chegou

Farias de Carvalho (1930-1997)

 

Meu cavalo chegou (memória e nuvem),

a aurora derramada sobre a crina.

Meu cavalo chegou. Fome de tudo

estou também: engoliremos mundos.

 

Meu cavalo chegou. E, pressentidos,

os caminhos me espiam de suas rédeas.

Meu cavalo chegou. Há quanto tempo

gasto-me em pés e olhos nesta espera...

 

Meu cavalo chegou. Eu despertava

quando o vento falou-me de seus cascos

e a poeira garantiu-me sua presença.

 

Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.

Tanta gente cansada nessas cruzes...

Meu cavalo chegou. Mortos, montai!...

 

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Ao vencedor, os tucumãs!

Pedro Lucas Lindoso

 

Estamos novamente em período eleitoral. Os candidatos se digladiam. Nos dias atuais, o ringue de ofensas e vilipêndios mútuos entre os candidatos ocorre pela internet. Fui filho de candidato e de político. Não é fácil ouvir ofensas ao seu pai. Principalmente quando você é criança e tem seu pai como herói.

Não havia internet. As ofensas vinham em cartas anônimas. E as acusações, em comícios, onde a disputa estava mais na oratória do que em trocas de farpas. Mas havia o lado bom das campanhas. Eu gostava muito das viagens de barco pelo interior.

Certa vez chegamos num município onde havia muitos curumins da minha idade. O então candidato distribuiu um saco de bolinhas de gude entre a meninada filhos de potenciais eleitores.

O filho do candidato, no caso eu mesmo, era curumim da cidade. Expert, modéstia à parte, no jogo da peteca. Coube a mim ensiná-los a jogar. Alguns conheciam o jogo. Mas jogavam de maneira diferente.

E pasmem! Jogavam com bolinhas feitas de caroço de tucumã! Bem mais leves que as bolinhas de gude. Mas fiquei encantado com elas. Os curumins descascam o fruto e comem. Em seguida, raspam o excesso da polpa que restou e lixam o caroço. A peteca de tucumã está então pronta.

Assim como eu me encantei com as petecas de tucumã eles se encantaram com a variedade de bolinhas de gude dadas pelo candidato. No caso, meu pai.

E fomos ao jogo. Os jogos de petecas são baseados no seguinte princípio: o jogador deve lançar a peteca rolando no chão para alcançar as petecas dos adversários, posicionadas em um espaço delimitado por um círculo, uma linha, um buraco, um triângulo, ou qualquer outro valor definido pelos jogadores, dependendo do terreno.

 Eu, garoto da capital, defini as regras do jogo. Cada jogador tem seu próprio saco. O candidato havia distribuído cerca de uma dúzia para cada curumim. As petecas são tidas como um tesouro de grande valor, avaliado pela cor e material. O objetivo é tomar todas as petecas dos outros jogadores. As bolinhas podem voltar no final do jogo se for uma falsa partida. Se for verdadeira, o vencedor fica com todas as bolinhas.

Ganhei todas. O jogo era de verdade. Quando o candidato viu que eu havia ganho todas, mandou eu devolver. Então eu disse que estava devolvendo porque as partidas eram falsas. Só valeu as de tucumã! Então, ao vencedor, os tucumãs!

 

domingo, 1 de setembro de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXVI


Palácio da Justiça, visto do Teatro Amazonas.

 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Mar da memória

Sebastião Norões (1915-1972)

 

Eu quero é o meu mar, o mar azul.

Essa incógnita de anil que se destrança

em ânsias de infinito e me circunda

em grave tom de inquietude langue.

 

O mar de quando eu era, não agora.

Quando as retinas fixavam tredas

a incompreensível mole líquida e convulsa.

E o pensamento convidava longes,

 

delimitava imprevisíveis rumos,

viagens de herói e de mancebo guapo.

Quando as distâncias fomentavam sonhos.

 

Rebenta em mim essa aspersão tamanha

que a imagem imatura concebeu

de quando o mar era meu, o mar azul.

 


quarta-feira, 28 de agosto de 2024

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Basta chover!

 Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina foi passear na Europa. Está passando uns dias na Itália. Ela e dona Zildinha, companheira de viagem e amiga das antigas. Viajaram do Rio para Roma pela ITA, empresa aérea estatal italiana, sucessora da falida ALITALIA.

Inadvertidamente, viajaram no dia 15 de agosto. Tia Idalina achou tudo muito estranho naquele voo. A passagem foi bem em conta. Excelente promoção. O voo, entretanto, estava meio vazio. Na tripulação, aparentemente, havia mais brasileiros do que italianos.

Vez por outra ouvia-se a expressão “ferragosto”. Nem ela nem dona Zilda sabiam o significado.

Ao chegar em Roma notaram que o aeroporto estava com pouco movimento. Algumas lojas inexplicavelmente fechadas. E novamente ouviu-se a palavra “ferragosto”.

Dona Zilda entende italiano. Mas não fala. Tia Idalina se arvora a falar qualquer língua. Inglês, Francês, Espanhol e também o Italiano. Fala, mas não entende. Pergunta, mas não compreende as respostas.

Nesse ponto as duas se completam. Idalina, com toda cara de pau que Deus lhe deu, perguntou ao funcionário da ITA o que era esse tal de “ferragosto”. O rapaz sorriu e disse:

– 15 de agosto. Ninguém trabalha na Itália nesse dia. Aliás poucos trabalham em agosto. Todos tiram férias aqui na Itália. Mais especialmente nesse dia, 15 de agosto, exatamente no meio do mês. “Tutto chiuso”. Tudo fechado. Até hospital fecha. É melhor não morrer nesse dia. Deixar para falecer no dia seguinte. É “ferragosto”.

Idalina virou-se para Zildinha e disse:

– É “ferragosto” e nós estamos ferradas. Veja aí no professor Google a origem disso. Zilda imediatamente deu uma “googada”. E explicou:

– Tem origem na Feriae Augusti, festa do imperador Augusto. Um decreto imperial fez do dia 15 de agosto um dia de descanso após semanas de muito trabalho na agricultura.

Com o tempo, tornou-se mais do que apenas um feriado.  Na verdade, ele marca o auge das férias de verão na Itália, com muitos negócios, escritórios e até cidades inteiras fechando suas portas, tirando férias e descansando.

Estamos acostumados. No Rio de Janeiro fecha tudo no Carnaval. No Nordeste, no São João. Na Bahia pouco se trabalha de dezembro até o Carnaval. Tem sempre uma festa popular. E em Manaus, Idalina?

– O caboclo não vai trabalhar. Não sai de casa. Basta chover!

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A lança de Anhangá


Vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus, em 2022, na categoria Conto.

 

domingo, 25 de agosto de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXV

 

Carnaval na Eduardo Ribeiro.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Kaleidoscópio (fragmentos)

Anísio Mello (1927-2010)

 

Balé de felino

entre as flores do verde:

traição à vista.

 

Foi buscar o sol

e com suas asas de cera

o sonho acabou.

 

No vaso quebrado

os retalhos de uma vida:

lembranças da China.

 

Num dia quentíssimo

com um balde d’agua na mão

apaguei o sol

 

Caindo do céu

como se fosse cristal

molha o chão: a chuva

 

Olho o céu escuro

uma estrela abandonada

faz o meu luar.

 

Relógio-de-sol

com medo da tempestade

atrasou o dia.

 

Brotando do asfalto

o trilho do bonde é visto:

praça da Saudade.

 

Saudade e lembrança

duas emoções que se unem

na velha cidade.

 

Madeira no campo.

Polpa, papel e palavra:

o livro está pronto.



 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Providência. Quais providências?

Pedro Lucas Lindoso

 

Assisto à primeira temporada da série “The Crown”, apresentada pela NETFLIX. O episódio 4, chamado de “Act of God”, “Ato Divino”, relata um  nevoeiro tóxico que toma conta de Londres. O fato se deu no inicio da década de 1950. A série tem como pano de fundo o longo reinado da falecida Rainha Elizabeth II. O fatídico nevoeiro ocorreu nos primeiros dias de dezembro de 1952.

Winston Churchill era o Primeiro Ministro. O terrível nevoeiro chamado de Big Smoke provocou enorme poluição atmosférica em Londres. Matou milhares de pessoas. A causa foi a queima de combustíveis fosseis. Ou seja, enorme queima de carvão. Com a chegada de uma frente fria, a população queimou mais carvão do que de costume. O nevoeiro chegou a interromper o trânsito nas ruas e até espetáculos teatrais foram cancelados.

Estamos, mais uma vez, enfrentando um nevoeiro aqui em Manaus. O seriado narra a morte de milhares de pessoas e centenas de vítimas de infecções respiratórias na Londres de 1952. E nossa Manaus? Os hospitais estão lotados. Crianças e idosos principalmente.

O governo Inglês subestimou o alerta das autoridades ambientais. Aqui em Manaus, a omissão parece ser a norma. Inclusive de todos os envolvidos, incluindo a população, que insiste em tocar fogo na mata e nos roçados.

O Primeiro Ministro Winston Churchill, conhecido pela sua verve sofisticada e brilhante inteligência, disse que aquilo era uma questão climática. Há sol e chuva. Faz frio e calor. E chamou o nevoeiro de “act of God”. Um ato divino.

Os fatos e a História provaram o contrário. Todavia, para sorte dos londrinos, foram implementadas normas legais severas.  Restringiram o uso dos combustíveis e do carvão. Sabe-se que o carvão contém enxofre, arsênio e mercúrio.

Não sei se nessa fumaça que cobre Manaus tem mercúrio. Sabemos que usam esse metal pesado, aliás pesadíssimo, para poluir nossos rios com garimpo.

Se no século 21 algum governante ou autoridade quisesse justificar esses descalabros ambientais como ato divino seria execrado. No mínimo uma piada de mau gosto. Mas os tempos eram outros e Churchill sobreviveu. A Mãe Natureza deu uma colher de chá para os ingleses. De chá inglês. O tal “Big Smoke” nunca mais se repetiu. Sérias restrições foram impostas ao uso de combustíveis sujos e foi banida a fumaça negra. Tomaram providências.

Existe também a Providência Divina. É a sabedoria suprema de Deus com a qual ele governa todas as coisas e pessoas.

Os ingleses contaram com a Providência Divina. Mas tomaram providências. E nós, que providência tomamos com relação ao nosso fumacê? Parece que deixamos só com a Providência Divina.