Mauri
Mrq
Ela
o transformou em um ovoide. Sua dominação insistente e a prostração de seus
órgãos, paralisavam o movimento humano de um marido corneado. Não tinha pena, resvalava
um semblante de condenação quando Rony atuava em qualquer situação que ela não
aprovava. Todos sabiam da dominação exercida por Cida, desde o casamento com
Rony. Na verdade, ela pensava que era tudo um Rio Negro espelhado, e que as
posses de Rony facilitariam o desejo de libertação artística, principalmente a
condição que vivia de poder desfrutar do conforto e atuar como bailarina no Corpo
de Dança da cidade.
Ainda
lembro subindo a ladeira da Japurá, o movimento do braço, da mão, do tapa
desferido por Cida pela ciumeira de namorados. No início da paixão, já vislumbrávamos
um destino avizinhado, a saga que Rony iria
percorrer, transmudando sua existência, dependente de um ser lindo que amava cegamente,
suportando sua condição de casados que iriam se tornar. Sempre vai ressoar em minha memória aquele
tapa na Japurá.
Rony
era um bom amigo, mas submisso por uma paixão juvenil amadurecida na
dependência psicológica de uma fêmea com
um charme que toda possessiva tem. O fato é que ele estava definhando, seu inferno
de convivência e submissão de longos anos o fizeram tomar atitudes, mas sempre impedido
por sua consciência obsidiada de Cida. Até no meretrício foi, mas as ofertas da
Itamaracá o tornaram um nauseabundo. Apesar
de tudo, Rony a sabujava na esperança do
seu compadecimento, mas Cida tinha o espirito ressequido. Foi quando procurou
um vidente próximo à Livraria Valer, lhe receitando uma mandinga que quase a
matou de disenteria. A sorte foi conseguir concluir o espetáculo que tinha no
dia seguinte, mesmo suando frio, fazendo com que seu partner tivesse dificuldades para segurá-la em um pas de deux. O Browns Special que havia comido com as colegas do ballet em uma
festinha, foi o débito das chicotadas na esmaltada ao bolo viajante.
Certo
dia, a facticidade ecoou no Teatro Amazonas. A energia corporal que a dança
provoca em movimentos de brincadeira entre duas bailarinas, Cida fugindo da
perseguição alvissareira da manja, atravessa de costas o pano de boca do palco
do teatro, e sem perceber que o fosso está baixado, cai em cima do piano de
cauda da Orquestra Sinfônica, fraturando a coluna. O pescoço foi perfurado na
quina de uma estante de partitura de ferro após o impacto no piano. Ficou paralitica,
mexendo somente cabeça e braços, e a voz, quando na emissão das palavras, sai
junto a esgares, o que a deixava constrangida, a ponto de ter se tornado
praticamente uma muda.
Dizem
que um pianista que iria fazer um concerto à noite, ao saber do trágico
acidente, a única coisa que comentou foi se o piano estaria afinado para a sua apresentação.
Rony
ficou cuidando de Cida, que mal se locomovia numa cadeira de rodas. É incrível
que depois de ter se tornado um pestilencial no seu casamento, consiga se
manter dedicado cuidando carinhosamente da esposa. O fato é que ele passou a
viver seu casamento como achava que deveria ser. Possuía Cida carnalmente, mesmo sentido sua insatisfação. Na verdade,
Cida odiava. Costuma levá-la ao Teatro Amazonas e a empurrava pelo palco. Obviamente
que não gostava, mas Rony vivia agora a seu modo, e como a conheceu no Corpo de
Dança, sofria um romantismo retardado.
Certa
feita, nos costumeiros passeios ao Teatro Amazonas, Cida, que tinha sido
deixada num canto do Palco após Rony dar voltas com ela, observa que nos adereços
do Balé Folclórico encostados, havia uma flecha grande e pontuda, e planejou
açoitá-lo quando retornasse. E foi o que aconteceu ao voltar. Cravou a flecha
no pulmão de Rony quando este a abraçou, evitando assim que gritasse. Em
seguida, retirou a lâmina rapidamente para esvair o sangue, e foi definhando dos
braços de Cida, escorregando entre as suas pernas mortas, acomodadas na cadeira
de rodas.
Em
razão do seu estado, prendê-la não foi necessário, seu irmão que morava em São
Paulo entrega Cida a uma curandeira amiga de sua mãe. Mas, Da. Naza foi
sentindo ao longo do tempo, que o peso daquele espirito de Cida para suportar
não era nada fácil, e já com 70 anos apesar de ter curado muita gente com suas
ervas, só queria paz e não ter ninguém para se incomodar, e decidiu agir. Certo
dia com um dardo, lançou um curare
amazônico em seu pescoço. O deliramento para a morte foi imediato, Da. Naza
agiu sem remorso.
Pessoas
controladas são capazes de explosões.