João Bosco Botelho
O “Juramento de Hipócrates" marcou os pilares éticos da
relação médico-paciente, e iniciou o processo de adaptação do código de ética
do médico às mudanças futuras, sociais, políticas e tecnológicas.
O Juramento reza: “Eu juro por Apolo, médico, e Esculápio,
Hígia e Panaceia e todos os deuses e deusas, que, de acordo com minha
habilidade e julgamento, cumprirei este juramento e estes compromissos:
respeitar quem me ensinou esta arte como se fora meu pai... Não darei venenos
mortais a ninguém. Mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho e,
do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocar aborto. Viverei e
praticarei a minha arte com pureza e santidade. Não operarei os que sofrem de
pedra, mas deixarei que isto seja feito por homens que são práticos nesses
ofícios.”
O caráter sagrado envolvendo o Juramento e as alusões
associativas da Medicina com uma espécie de doutrina de iniciados podem estar
relacionados aos ritos pitagóricos e órficos.
O Juramento de Hipócrates contém algumas afirmações que podem
ser analisadas:
1. “Seguirei aqueles que de acordo com a minha habilidade e
julgamento considerar benéficos aos meus doentes e me absterei de tudo que for
nocivo e deletério. Não darei venenos mortais a ninguém”:
É difícil assegurar se tratar da exclusiva crítica à
eutanásia ou, por outro lado, dos cuidados para evitar medicamentos utilizados
na época, que poderiam causar a morte, como o heléboro (erva Medicinal do
gênero Veratrum da família das liláceas, que contém o alcaloide veratina, com
propriedades analgésicas);
2. “Mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho
e, do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocar aborto“.
A proibição do aborto é um dos aspectos mais curiosos do
“Juramento”. Nenhum médico hipocrático o condenou, salvo pelas complicações que
podiam ocorrer, em especial, a morte da gestante. Entretanto, existe
documentação que sugere ser o aborto religiosamente impuro;
3. “Viverei e praticarei a minha arte com pureza e santidade.
Não operarei os que sofrem de pedra, mas deixarei para ser feito por homens que
são práticos nesse ofício”.
Este parágrafo é um dos mais polêmicos. Apesar da litíase da
bexiga (do grego lithes= pedra) ter sido bem conhecida, naquela época, eram
grandes os riscos da realização da cirurgia para retirada, quase sempre
provocando a morte do doente. A frase “por homens que são práticos nesse
ofício” insinua o médico hipocrático preocupado com a má reputação de ter
provocado a morte de um paciente.
Esses trechos podem fortalecer a ideia de que a maior de
todas as preocupações éticas do médico grego era preservar a vida. O médico não
poderia ser o agente da morte advinda na terapêutica! Essa é a essência do
Juramento!