Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Tríptico do espanto

Alencar e Silva (1930-2011)


I

Tudo traz sob a pele a sua morte:

a rosa e o sonho dançam sobre o abismo

as formas de uma só fatalidade

trabalhada em equívocos. Sereno,

contudo, é o meu semblante: este e o mesmo

que passeio entre as gentes. A amargura

é disposta em murais pelas paredes

do eu profundo – e me espia. Duro é vê-la

contemplando os meus gestos: de seus olhos

flui um rio de sono, um rio sem barcos,

onda boia meu rosto repartido

em cartazes de espanto... Chove cinzas

            sobre as asas de uma ave: e o canto, ausente,

            talvez mudo se cumpra eternamente.