Amigos do Fingidor

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Curandeiros e adivinhos 2/2


 João Bosco Botelho


Alguns personagens citados no Antigo Testamento, como Baal e sua filha Astarte (Jz 2, 13), cultuados na Mesopotâmia, foram identificados pelo judaísmo como curadores e adivinhos inimigos. Nos templos, os sacerdotes organizaram forte resistência contra Israel.
O processo de substituição cultural nunca se dá em linha reta. É efetuado em dois momentos distintos: a desmoralização do antigo e a substituição pelo novo. É somente no segundo instante que a conquista se consolida, quando aparecer o herói mítico de salvação, sempre um curador e adivinho poderoso – para satisfazer as aspirações coletivas imediatas.
Com a mesma abordagem, é possível enfocar alguns aspectos do processo colonizador brasileiro, onde o sincretismo religioso se fez muito forte em todos os estratos sociais.
A força dos núcleos de resistência à substituição cultural imposta pelo colonizador cristão, no Brasil, em diferentes épocas, obedeceu às tendências das três tradições religiosas, com os respectivos representantes presentes como curandeiros e adivinhos: o pajé, o pai-de-santo e o padre.
O pajé, esteio da coesão tribal, apesar de ter sido brutalmente desmoralizado pelo elemento colonizador, continua resistindo nos confins das florestas amazônicas. O padre salesiano Alcionílio Bruzzi, depois de conviver durante mais de duas décadas num povoado da tribo Tukano, é testemunha dessa resistência: “É talvez o maior sacrifício que a catequese católica impõe aos indígenas cristãos, a renúncia à crença no poder do pajé. Em alguns casos, só o consegue parcialmente”.
A Igreja, ao combater sistematicamente os curadores e adivinhos nascidos das tensões sociais e sem compreendê-los como agentes de coesão social, no Brasil, não está conseguindo processar uma linguagem sedutora capaz de satisfazer os desejos nascidos nas contradições das periferias urbanas.
Essa dissociação entre a hierarquia eclesiástica e a concepção do sagrado, das massas populares, em parte responsável pelo esvaziamento das paróquias e a diminuição gradativa da confissão da fé cristã católica, está clara no discurso disciplinador do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio de Araújo Sales, um dos mais ilustres representantes do clero: “...os assuntos abordados foram os desvios graves da piedade popular, desde as práticas da macumba, candomblé, umbanda até o espiritismo e outros do tipo pentecostal. Está incluído também o recurso à superstição e à exposição incompleta da Doutrina genuína.”
Do outro lado, as novas igrejas divulgam mensagens sedutoras de curas e adivinhações, sob os cânticos de louvor, entoados por milhares de fiéis. Com essa estratégia, ocupam os espaços sócio-políticos nascidos do desencanto, da insatisfação e da miséria.