Pedro Lucas Lindoso
Dia de
São João. As festas juninas são lembranças gostosas da minha infância.
Literalmente gostosas, como são as comidas dessa época.
As
festas, as fogueiras e o boi. Não havia para nós, meninos daqui de Manaus, o
Festival de Parintins. Mas havia boi-bumbá. Diferente das apresentações de
hoje. Mais parecido com as tradições do boi do Maranhão, eu presumo. Havia o
Corre Campo, o Tira Prosa e o Caprichoso da Praça 14.
As
famílias costumavam “contratar” um boi para se apresentar na frente das
residências. Era São João e meu pai contratou o Corre Campo. Eu passei o dia
ansioso para ver a apresentação. Foi na rua mesmo. Em frente à nossa casa. Nem
precisou interromper o trânsito. Não havia trânsito na Henrique Martins do
início dos anos de 1960.
Quando
o pessoal do boi chegou, meu coração batia forte. As bandeirinhas de sempre, feitas com
capricho, eram coloridas e de papel de seda. Enfeitavam o pátio da casa e ainda
cruzavam a rua, amarradas nos postes de luz. Foi-nos autorizado a fazer uma
pequena fogueira no pátio externo da casa. Uma exceção. As fogueiras só eram
permitidas no enorme quintal da casa de nossa avó.
E então
o boi chegou. Na apresentação conta-se a
história de Pai Francisco e Catirina.
Quando grávida, Catirina deseja comer a língua de um boi. Pai Francisco,
buscando satisfazer o desejo da esposa, mata o boi mais bonito da fazenda. Ao
saber, o fazendeiro manda prender Francisco. Ato contínuo, busca a ajuda de um
pajé para ressuscitá-lo. A festa do Bumba Meu Boi celebra a ressurreição do
boi, com música, dança e tudo mais. O festival de hoje enfatiza a festa. Mas
aquela história da mulher grávida desejar comer língua de boi, impressionou por
demais aquele menino de calças curtas que hoje vos escreve.
Eu
gosto muito de tambaqui, pirarucu, pescada e sardinha, especialmente bem ticada
e bem frita. Mas não gosto de pacu.
No
jantar daquela noite havia duas opções. Caldeirada de pacu e uma carne
estranha, ao molho madeira. Perguntei logo:
– O que
é isso? No que Darinha, nossa babá e cozinheira, respondeu:
– É
língua.
– De
boi? Perguntei eu. Entre espantado e curioso. Sim. Aquilo era língua de boi!
Nesse dia comi pacu sem reclamar. Só me lembrava da Catirina atormentando Pai
Francisco com desejo de comer língua. Não gosto de língua até hoje. Nem de
pacu. Mas preferi comer pacu. Viva Santo
Antônio, São Pedro e São João. Viva o Boi-bumbá! Língua de boi, não!