Amigos do Fingidor

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Falta tudo, mas tem lastro

Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina chegou do Rio de Janeiro. Um acontecimento. Chegou bastante mal-humorada. Reclamou do calor. Fez péssima viagem. Conexão em Brasília. Desembarcou no portão 2. O embarque para Manaus foi no Portão 28. Quase perde o voo. Não teve tempo de lanchar.  Não ofereceram nada saudável no avião. Saudades do serviço de bordo da Varig. Essas empresas aéreas de hoje são uma lástima. Passagens caras e serviço de bordo péssimo.

Estava mesmo sem sorte. Foi tomar banho. Faltou água. Limpeza na caixa do prédio. O porteiro avisou. Então não é culpa da COSAMA. Não existe mais COSAMA. Agora é Manaus Ambiental. Não tem problema faltar água. Pior foi faltar oxigénio nos hospitais, na pandemia.

Idalina foi à farmácia. O remédio para diabetes estava em falta. Mas onde falta oxigénio em hospital, faltar remédio não é nada. À noite faltou luz. Idalina imaginou as pessoas morrendo sufocadas por falta de oxigênio e no escuro.

Ela não se esquece da tragédia da falta de oxigénio. Sua afilhada ligou. Comadre Anita internada com Covid. A moça desesperada relatando que sua mãe estava morrendo com falta de ar. Não havia mais oxigênio disponível nos hospitais. Coitada da minha comadre. Perguntou se a família havia recebido alguma indenização. Que nada. Centenas de pessoas morreram com falta de ar. Ninguém fala mais no assunto. A tragédia da falta de oxigênio parece que virou um tabu. Escreveram um livro sobre isso? Fizeram um documentário? Daria uma minissérie. Alô, Rede Globo! Ninguém foi preso então? Absurdo. O escritor Zemaria Pinto fez um roteiro. A produtora Bacaba, sob a direção de Bruno Pantoja, transformou o roteiro em um curta-metragem: Garrote. É uma ficção que retrata a realidade vivida. Assistam. Vale a pena. Foi só. Ninguém fala no assunto.

Falta água, falta luz, falta remédio. Falta até oxigênio na pandemia. Não fala mal de Manaus. Só amazonense pode reclamar da cidade. E isso mesmo. Não está feliz aqui bye bye e benção. Ora bolas. Eu estou exilada em Copacabana porque quero. Se tivesse que nascer de novo nasceria aqui.

Estamos em outubro. Manaus vai fazer 356 anos dia 24. Como assim? Perguntou Idalina. Eu me lembro tão bem. 24 de outubro de 1948. Celebramos o aniversário de 100 anos da cidade. Estava no IEA. Instituto de Educação. Manaus deixou de ser vila para se tornar cidade em 24 de outubro de 1848. O mesmo aconteceu com Santarém. Na mesma data. De onde tiraram esses 356 anos? Então não sabem que há mais de dez mil anos já se comia jaraqui por aqui?

Pois é. Faltam muitas coisas em Manaus. Até bom senso falta. Pode faltar tudo, mas presta. Eu amo essa cidade. Como dizia a quase-finada Odete Roitman: a cidade tem lastro.