Pedro Lucas Lindoso
Tia
Idalina chegou do Rio de Janeiro. Um acontecimento. Chegou bastante
mal-humorada. Reclamou do calor. Fez péssima viagem. Conexão em Brasília.
Desembarcou no portão 2. O embarque para Manaus foi no Portão 28. Quase perde o
voo. Não teve tempo de lanchar. Não
ofereceram nada saudável no avião. Saudades do serviço de bordo da Varig. Essas
empresas aéreas de hoje são uma lástima. Passagens caras e serviço de bordo
péssimo.
Estava
mesmo sem sorte. Foi tomar banho. Faltou água. Limpeza na caixa do prédio. O
porteiro avisou. Então não é culpa da COSAMA. Não existe mais COSAMA. Agora é
Manaus Ambiental. Não tem problema faltar água. Pior foi faltar oxigénio nos
hospitais, na pandemia.
Idalina
foi à farmácia. O remédio para diabetes estava em falta. Mas onde falta
oxigénio em hospital, faltar remédio não é nada. À noite faltou luz. Idalina
imaginou as pessoas morrendo sufocadas por falta de oxigênio e no escuro.
Ela não
se esquece da tragédia da falta de oxigénio. Sua afilhada ligou. Comadre Anita
internada com Covid. A moça desesperada relatando que sua mãe estava morrendo
com falta de ar. Não havia mais oxigênio disponível nos hospitais. Coitada da
minha comadre. Perguntou se a família havia recebido alguma indenização. Que
nada. Centenas de pessoas morreram com falta de ar. Ninguém fala mais no
assunto. A tragédia da falta de oxigênio parece que virou um tabu. Escreveram
um livro sobre isso? Fizeram um documentário? Daria uma minissérie. Alô, Rede
Globo! Ninguém foi preso então? Absurdo. O escritor Zemaria Pinto fez um
roteiro. A produtora Bacaba, sob a direção de Bruno Pantoja, transformou o
roteiro em um curta-metragem: Garrote. É uma ficção que retrata a realidade vivida. Assistam. Vale a pena. Foi só. Ninguém fala no assunto.
Falta
água, falta luz, falta remédio. Falta até oxigênio na pandemia. Não fala mal de
Manaus. Só amazonense pode reclamar da cidade. E isso mesmo. Não está feliz
aqui bye bye e benção. Ora bolas. Eu estou exilada em Copacabana porque quero.
Se tivesse que nascer de novo nasceria aqui.
Estamos
em outubro. Manaus vai fazer 356 anos dia 24. Como assim? Perguntou Idalina. Eu
me lembro tão bem. 24 de outubro de 1948. Celebramos o aniversário de 100 anos
da cidade. Estava no IEA. Instituto de Educação. Manaus deixou de ser vila para
se tornar cidade em 24 de outubro de 1848. O mesmo aconteceu com Santarém. Na
mesma data. De onde tiraram esses 356 anos? Então não sabem que há mais de dez
mil anos já se comia jaraqui por aqui?
Pois é.
Faltam muitas coisas em Manaus. Até bom senso falta. Pode faltar tudo, mas
presta. Eu amo essa cidade. Como dizia a quase-finada Odete Roitman: a cidade
tem lastro.