João Bosco Botelho
Nenhuma doença poderia simbolizar melhor a atenção que Jesus
dedicou aos doentes quanto a lepra. Os leprosos foram escolhidos no Terceiro
Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159 -1181),
para receberem tratamento especial dos cristãos ao mesmo tempo, foi reprovado o
isolamento a que eles estavam submetidos pela sociedade. A Ordem de São Lázaro,
criada para dar cumprimento às ordens conciliares, tinha o grão-mestre leproso.
Não se deve estranhar que o pano de fundo das
corporações-confrarias-irmandades tenha sido também a obtenção de vantagens
pessoais, financeiras e políticas para os envolvidos. Essa afirmação ganha
suporte no fato de que D. Pedro, em 1420, escreveu ao seu irmão D. Duarte,
sugerindo a intervenção real na administração das hospedarias, como alternativa
para reabilitar a debilitada economia do reino, cujas reservas foram gastas nas
guerras e o pouco arrecadado era consumido pelos fidalgos.
Sob esse enfoque, é fácil compreender o interesse por essas
instituições, claramente demonstrado tanto pelos religiosos quanto pelos
laicos. As ordens religiosas devem ter sido mais ágeis para dirigir o produto
monetário da caridade aos cofres eclesiásticos, a ponto de a situação ter
ficado insustentável, causando prejuízo à arrecadação do reino. A reação foi
imediata. Por ordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas, de
1446, foi decretada a interdição real nas albergarias, determinando que todos
os legados que fossem doados às irmandades deveriam passar pelas cortes civis e
não mais pelos tribunais religiosos. Essa providência interrompeu, em Portugal,
um aspecto rendoso da caridade cristã, porque proporcionava o recebimento de
vultosas quantias em doações e heranças dos ricos súditos bem-intencionados,
deveriam ser utilizados na atenção aos leprosos, mas a maior parte do dinheiro
engordava a riqueza de clérigos e fidalgos.
A dissolução compulsória das albergarias-hospitais do reino
foi seguida de medidas tomadas por D. João II, para viabilizar o hospital único
sob o controle da administração real. Essa mudança só seria reconhecida, em
1479, por meio da Bula de Xisto IV (1471-1484), autorizando o rei tomar essa
providência nas principais cidades.
Nesse conjunto muito complexo de fricções sócio-políticas, se
destacou a obra de Guilherme de Ockham (Opus nanaginta dierum), de 1332,
associando o Direito ao poder, em torno de duas realidades confluentes: a
primeira, inteligível e inserida na realidade observável, sem natureza
jurídica; a segunda, de natureza jurídica, atada ao poder. Essa importante
construção teórica associando Direito e poder, serviria nos anos vindouros à
retomada das ideias greco-romanas no Renascimento que se avizinhava.