Pedro Lucas Lindoso
Aniversário
da cidade. Manaus acorda com o trinado das aves, misturado com barulho dos
automóveis. O cheiro de chuva que ainda está no ar também se misturou com o
cheiro das fábricas do Distrito.
A gente
se consola em saber que aqui, no coração da floresta, a cidade respira junto
com o verde que a abraça. Hoje, a aniversariante é a própria Manaus. 356
anos?  Talvez mais. Não importa o número,
importa o pulso que bate junto com a floresta que ainda nos cerca.
A
cidade sorriso ergue a cabeça como quem recebe um parabéns com a boca acolhendo
o verde. E, ao contrário do que dizem os números frios das estatísticas, Manaus
não precisa só de orçamento generoso e emendas parlamentares suspeitas. Precisa
de mãos que cuidem do que é sagrado.  A
nossa floresta, os igarapés, a vida que pulsa nos bairros, nas ruas, nas
escolas onde professores ensinam a ouvir o silêncio entre as chuvas. E os
curumins e cunhatãs aprendem a ler os igarapés, mesmo que poluídos, antes de
ler as letras.
Mas
hoje, Manaus, a aniversariante, pede algo simples e urgente. Pede para tirar as
mãos da floresta. Não é um pedido de egoísmo, é um pedido de proteção. É como
quando uma criança pede para que não mexam nos seus desenhos, porque ali estão
as cores que definem quem ela é. A floresta não é apenas o dom que sustenta o
alimento, a água, o ar que respiramos. É também a memória de quem veio do
interior.  Os ribeirinhos que lembram
como o rio é uma casa que flutua, os caboclos que defendem cada palmo de mata,
cada boto que cruza o caminho dos rios, como se fosse um sinal.
E quem
são as mãos que Manaus pede para afastar? Não mãos de gente má, mas mãos
famintas de exploração: mãos que desmatam sem perguntar, que pegam sem
devolver, que atendem ao barulho do lucro imediato sem ouvir a advertência do Curupira.  Manaus pede, com a voz do vento entre as
copas das samaúmas, que as mãos parem para ouvir o que a floresta tem a dizer.
Nas
festas, a multidão se soma ao coro da natureza. O som das toadas dos bois pede
respeito às matas e ao seu povo. E cada manauara ou visitante que chega para
celebrar, traz uma entrelinha do compromisso. Não apenas admirar, mas cuidar.
Não apenas fotografar, mas proteger. Não apenas mencionar a riqueza, mas
partilhar a responsabilidade de conservar.
O Papa
Francisco, lembrado pela memória de Dom Leonardo que, como cardeal que sabe
ouvir o mundo, nos lembrou o que disse o Papa: “tirem as mãos da África”, para
lembrar que a humanidade não pode se dobrar à lógica do saque. Manaus, hoje,
reescreve essa ideia em tom amazônico: "tirem as mãos da floresta".
Não como grito de possessão, mas como súplica de proteção.
 Queremos celebrar o aniversário de Manaus
sendo fiéis à sua essência. Que cada projeto, cada obra, seja acompanhado de
uma pergunta simples.  É justo, é
necessário, é justo com a floresta? Porque o aniversário de Manaus não é apenas
marcar mais um ciclo de dias; é renovar o pacto entre cidade e floresta, entre
gente e água, entre o presente que queremos viver e o legado que deixaremos às
futuras gerações.
Feliz
aniversário, Manaus. Que a floresta permaneça em casa, e que as mãos aprendam a
respeitar esse lar comum. E que, como nos ensina a própria natureza, cada novo
dia possa nascer com o compromisso de cuidar, compartilhar e proteger. Para que
a celebração seja longa, silenciosa, serena, como o cantar dos pássaros ao
amanhecer.
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
