Poemas
Jorge Tufic (1930-2018)
I
Amo arrumar palavras. Porque sei
que há traças percorrendo
em rios os papéis.
Coisa difícil é dar. Difícil
como saber se damos quando damos
ou tiramos quando tiramos.
Mas as traças são cegas.
Cega a vontade de morrer
mais cega a de escrever.
Palavras são sangue, mesmo
as que gravadas sem propósito.
E ninguém mais do que as traças
sabe disso.
II
Ouvi um chamado distante,
sem voz. Em seguida a surpresa
de assistir à queda de um ovo
pintado com as cores do arco-íris.
– Algum anjo brincalhão
Querendo tirar barrigada.
Depois outro ovo e mais outro,
tantos, de tantas cores,
que ao chegar em meu quarto
estava transfigurado. Decerto
não atendi ao chamado da poesia...
III
O poeta vai pela rua.
Ninguém está vendo o poeta
porque o poeta é transparente.
O poeta atravessa a ponte
o poeta desfolha a rosa
o poeta contempla o mar.
Ninguém está vendo o poeta.
Mas duvido que ninguém sinta
a sua presença abstrata.