Amigos do Fingidor

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

Poemas

Jorge Tufic (1930-2018)

           

                       I                                                                    

Amo arrumar palavras. Porque sei

que há traças percorrendo

em rios os papéis.


Coisa difícil é dar. Difícil

como saber se damos quando damos

ou tiramos quando tiramos.


Mas as traças são cegas.

Cega a vontade de morrer

mais cega a de escrever.


Palavras são sangue, mesmo

as que gravadas sem propósito.

E ninguém mais do que as traças

sabe disso.


                      II

Ouvi um chamado distante,

sem voz. Em seguida a surpresa

de assistir à queda de um ovo

pintado com as cores do arco-íris.


– Algum anjo brincalhão

Querendo tirar barrigada.


Depois outro ovo e mais outro,

tantos, de tantas cores,

que ao chegar em meu quarto

estava transfigurado. Decerto

não atendi ao chamado da poesia... 


                   III

O poeta vai pela rua.

Ninguém está vendo o poeta

porque o poeta é transparente.


O poeta atravessa a ponte

o poeta desfolha a rosa

o poeta contempla o mar.


Ninguém está vendo o poeta.

Mas duvido que ninguém sinta

a sua presença abstrata.