Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Poetas malditos

Maranhão Sobrinho (1879-1915)

 

Quando, pelo clamor dos meus pecados, tive

de, à Treva Inferior, descer, à voz do Eterno,

ralando-me do Mal no aspérrimo declive,

como um deus rebelado e tonto de falerno,

sobre os antros mais nus, como Alighieri, estive

suspenso, a contemplar o delírio eviterno

das pompas sensuais de Gomorra e Ninive,

situadas ao pé de Stromboli do Inferno...

 

Gritos e imprecações, que as chamas retalhavam,

como gládios de bronze, em bárbaras campanhas,

de entre as lavas de sangue e sulfo se elevavam,

enquanto, aos olhos meus, nos infernais retiros,

o fogo, devorando o ventre das montanhas,

dava uns tons de gangrena às asas dos vampiros...

 

Com as unhas lacerando a púrpura sangrenta,

que, dos ombros de auroque, em pregas, lhe caía

vi Nero, inda exibindo a mesma fronte odienta

que, no incêndio de Roma, às chamas exibia...

 

Raivava como um cão, mostrando a saburrenta

língua e, a espaços, também, às escancaras, ria

epiléptico, ao ver as almas em tormenta

atravessando o horror da satânica orgia

de fogo, no solar do Príncipe Demônio,

para, empós, como os cães corridos, lazarentos,

encolher-se, entrevendo o vulto de Petrônio,

que, arrepanhando a toga e erguendo a ebúrnea fronte,                                                       

ia e vinha, a cantar, nos antros pestilentos

do Inferno, uma canção de amor de Anacreonte...

 

Entre uma legião de cetros e tonsuras,

Voltaire, viu-me e sorriu, com um sorriso endiabrado

de caveira, a expelir das órbitas escuras

ironias, de um tom de bronze avermelhado...

 

Blasfemava, estalando as hirtas ossaturas

do esqueleto e mostrando o braço descarnado,

num gesto de rebelde às lívidas alturas

e a enterrar-se ainda mais no Inferno, brado a brado...

 

Erguia, empós, o olhar da treva aos coruchéus

e escarrava, dizendo, em nojo, que o fazia

no orgulho de Lusbel, sobre a fronte de Deus!

E, quando assim falavam os seus lábios, à míngua

de fé, de gota em gota, entre assombrado, eu via

como um visgo de fogo a escorrer-lhe da língua...

 

Também lá te encontrei, Tristan Corbière, nas grutas

do Demônio, cantando umas canções remotas

como o oceano, que morde as praias de ouro, enxutas,                    

no virente esplendor das vivas bergamotas...

 

Tremia-te entre as mãos, em púrpuras volutas

de sons, a harpa do Mal, fazendo, sob as cotas

dos hoplitas do Inferno, o amor ao sangue e às lutas

triunfar transluminoso, em túmidos Eurotas...

Os teus olhos cruéis, em damas de palhetas

de ouro jalde, varando as vastidões aflitas

silenciavam do fogo as púrpuras trombetas

de bronze, que, a planger, nas místicas oblatas

sangrentas do Demônio, em helicinas malditas,

acordavam do Inferno as furnas escarlatas...

 

Desbordes e Mallarmé oscularam-me a fronte

e passaram, por uma azul chama impelidos;

chamei-os e o rumor das lavas do Aqueronte

triste abafou-me a voz, cerceando-me os sentidos...

 

Quando acordei me vi perto da negra fonte,

entre um vivo clamor de pragas e gemidos,

diante do inquieto olhar de um cérbero bifronte

com os olhos como dois santelmos acendidos...

 

Vi, momento depois, em palidez exangue,

Rimbaud e Villiers de L'Isle Adam, chorando,

e o seu pranto infernal era de lodo e sangue...

 

E, quando recuei de agro pavor, Lilian

surgiu-me e, empós, se foi pelas trevas clamando:

Satã! Satã! Satã! Satã! Satã! Satã!