João Bosco Botelho
A Medicina apareceu com clareza na estrutura do pensamento grego a partir do final do século V a.C., de forma tão bem sedimentada que influenciou marcadamente os caminhos tomados pela Medicina ocidental nos vinte séculos seguintes.
A importância social do médico já era reconhecida desde Homero: “O médico vale por muitos homens”. Porém, a consolidação foi alcançada a partir da relação entre o corpo e a natureza, referida por Platão (Prot. 313 D; Gorg. 450 A, 517 E; Rep. 298 A e Timeu 78 B), onde o médico foi fixado em posição social definida.
Os vínculos da Medicina com a natureza atingiam, claramente, os conflitos sociais. Essa afirmação pode ser comprovada em Sólon, que descreveu a conexão das doenças com o todo social. Baseado nesse pressuposto, Sólon fundamentou parte do seu pensamento político afirmando que as crises políticas interferiram na qualidade da saúde coletiva.
O ponto fundamental da Medicina grega, dos séculos 5 e 4, foi marcado pela união entre a filosofia jônica e o conceito de saúde e de doença. Começou, nessa época, a florescer a Escola de Cós, que congregou médicos e filósofos, sob a influência de Hipócrates, em quem Platão, no século IV a.C., reconheceu a personificação da Medicina. Hipócrates foi respeitado como o símbolo da Medicina corretamente aplicada (Platão, Prot. 313 B-C; Fedro 270 C e Aristóteles, Pol. VII, 1326).
Platão (Leis, 857 D; 720 C–D) também formulou comentário satírico em torno de tema de absoluta atualidade: a diferença entre as Medicinas praticadas nos escravos e nos homens livres. O genial filósofo grego descreveu como os médicos dos escravos corriam de um paciente ao outro. Ao contrário, quando se tratava de cidadão livre, o tempo da consulta incluía a pormenorizada explicação da doença e do tratamento.
Apesar da compreensão grega de a saúde representar o produto do equilíbrio entre muitos vetores existentes no organismo, existiu outra corrente, provavelmente liderada por Políbio, genro de Hipócrates, que, sob a influência da ideia dos quatro elementos de Empédocles (fogo, ar, água e a terra) e da noção do equilíbrio de Anaximandro, produziu a teoria dos Quatro Humores fundamentais (sanguíneo, linfático, bilioso amarelo e bilioso negro), para explicar o aparecimento das doenças.
Essa teoria norteou os rumos da Medicina, transpassou o tempo e dominou o diagnóstico e a terapêutica por quase vinte séculos.