João Bosco Botelho
O fato de
que na atualidade ainda não existem mecanismos na engenharia genética capazes
de identificar os genes e as respectivas proteínas que ativam as MGSs não
invalida a construção teórica da existência da ética pré-social.
É difícil
atribuir a milenar busca da virtude somente às relações sociais!
Em incontáveis
ações humanas pessoais ou coletivas, nos grupos sociais das muitas etnias, nos
quatro cantos do planeta, existem fortes indicativos de que esse encanto
coletivo pela virtude, ético-moral voltado ao bem comum, ligando práticas de
cura e anseios de justiça, seja motivado por impulsos que transcendem o
exclusivamente social.
Sob essa
perspectiva, os significantes da ética ligada à moral, oriundos da escrita
grega, com o “e” longo, o eta, ou com
o “e” curto, o épsilon, reproduzem
importantes e indispensáveis mecanismos sócio-genéticos da sobrevivência da
espécie humana, materializados nos códigos de ética de muitas atividades, nas
quais as éticas da Medicina e do Direito são duas entre outras construções, ao
longo da ontogenia, que valorizaram o bem, o bom, o certo, como antagonistas do
mau, do ruim, do errado.
Ainda em
torno da associação entre o ético-moral gerando o bem, o bom, o certo,
antepondo-se ao vicio ligado ao mal, ao mau, ao pior, é interessante assinalar
um ensaio teórico para apreender a ética médica integrada à virtude. Na tese de
doutorado, defendida em Paris, em 1955, intitulada “A ética médica”, o
professor Derrien firmou relações conceituais da ética médica voltada ao
benefício do paciente, isto é, aos bons resultados das práticas médicas.
No entendimento
desse conceituado professor, é possível entender a virtude kantiana nas
práticas médicas, obrigatoriamente, ligada ao “bem”, ao “bom”, no qual o médico
controla a dor e adia os limites da vida, sempre festejado pelo doente. Dessa
forma, seria inadmissível pensar a Medicina como uma especialidade social para
provocar a dor ou a morte. Essa vertente ligando a ética médica aos bons
resultados entendidos como “boas práticas”, gerando bem-estar ao doente, está
presente na historicidade e na maior parte das atuais abordagens teóricas
referenciais.
Nesse
sentido, é possível resgatar relações do conhecimento historicamente acumulado
atando a ética médica à boa prática, entendida pelo senso comum como aquela que
oferecia bons resultados às demandas da clientela por meio de ações que
deveriam, obrigatoriamente, trazer melhorias à vida pessoal e coletiva.
A
historicidade dos códigos das éticas das práticas de curas se construiu
entendendo os respectivos curadores como especialistas sociais que devem saber
controlar a dor e aumentar os limites da vida.
Historicamente,
é possível distinguir três vertentes das práticas de curas:
–
Medicina-divina: fortificada nos templos dedicados às muitas divindades, cujos
agentes, sacerdotes e sacerdotisas, reconhecidos como intermediários das deusas
e deuses curadores, oferecem curas mágicas, sob a vontade das divindades.
–
Medicina-empírica: com forte partilha com as ideias e crenças religiosas, os
agentes que compreendem parteiras, erveiros, encantadores e benzedores, homens
e mulheres sem escolaridade, exercem as práticas fora dos templos. Até hoje, em
muitas linguagens-culturas, são respeitados e festejados.
– Medicina-oficial: muitíssimo mais recente em
relações às anteriores, oferece curas por meio de processos de aprendizados
amparados pelos poderes dominantes.