Zemaria Pinto
Ana
Minhas veleidades
literárias nunca produziram mais que meia dúzia de sonetos, um deles dedicado a
Ana, esposa do gerente do banco onde eu trabalhava e era o responsável pelas
operações internacionais, que só existiam na fantasia de um organograma
elaborado no Rio de Janeiro. Mas eu frequentava as mesmas rodas, os mesmos
bares que os jovens poetas da cidade, todos regulando mais ou menos a minha
idade: Jorge, um turco inquieto; Neto, romântico até no falar; Antísthenes,
sempre apressado, elétrico; Luiz, um aristocrata arredio; Carlos, histriônico,
sempre aprontando – todos eles tocados pela centelha do gênio poético, além de
uns tantos que a memória tratou de esquecer junto à má poesia que perpetravam.
Ana era uma deusa grega – de mármore: não sorria nunca e tinha os olhos opacos.
Parecia estar sempre insatisfeita – saudades da capital federal, de onde fora
arrancada para viver em um aglomerado urbano no meio da selva amazônica. O
soneto funcionou: pela primeira vez a vi esboçar um leve sorriso, que logo se esvaneceu
por trás do nariz empinado e do olhar perdido, longe. Publicado em um jornal
local, edição de domingo, dedicado a A, o meu soneto foi o sucesso do dia,
valendo-me de Ana um novo meio-sorriso, num encontro casual, na hora do almoço,
além de elogios e tapinhas nas costas dos amigos poetas, com exceção do
rabugento Luiz, que apenas murmurou algo incompreensível. Disseram que eu tinha
futuro e me convidaram para fazer parte de um grupo que eles declarariam
fundado, com pompa e circunstância, naquela mesma noite, na praça da Polícia.
Foi um fim de semana atípico: o gerente viajara às pressas para resolver uma
pendência em Belém e me deixara em seu lugar, para qualquer eventualidade. À
noite, já me arrumava para encontrar os amigos, quando recebi um bilhete,
assinado apenas A. Vivi naquela noite a mais bela noite que um mortal pode
viver ao lado de uma deusa. E vi o seu sorriso escancarado, a gargalhada solta
– e o brilho de seus olhos negros faiscando à meia luz do clandestino quarto.
Lá fora, chovia uma chuva enjoadinha. Um vespertino do dia seguinte noticiou
com riqueza de detalhes que ao amanhecer daquele dia 22 de novembro, plena
segunda-feira, fora fundado o Clube da Madrugada. Mas o meu nome não estava
lá...