João Bosco Botelho
Nas culturas
que se desenvolveram mais intensamente durante o segundo milênio a. C., no
Oriente, as práticas médicas também estavam claramente dependentes das idéias e
crenças religiosas por meio de muitos deusas e deuses taumaturgos. Não existia
um processo teórico para explicar a saúde, a doença e os delitos fora das
idéias e crenças religiosas.
O primeiro a
reconhecer e legislar a prática médica e os julgadores, atribuindo claramente
deveres e direitos aos médicos e aos julgadores, além de estabelecer o valor do
pagamento pelos serviços e penalidades pela má prática médica, foi o rei
Hammurabi (1728-1686 a.C), da Babilônia, autor do código de Hammurabi. Em
outras palavras, estava iniciado o julgamento laico da má prática do médico
ligada ao mau resultado, que prejudicava o doente e gerando indenização ao
paciente ou à família.
Apesar de o
código de Hammurabi não ter sido a primeira tentativa de legislar os conflitos
envolvendo médicos e julgadores, fora das crenças e idéias religiosas, sem
dúvida, foi pioneiro para reconhecer o trabalho do médico arbitrado pelo
julgador como capaz de administrar os conflitos sociais suficientemente fortes
para provocar resposta disciplinadora da autoridade dominante.
Antes de
Hammurabi, outros dirigentes legislaram, no Oriente Antigo, as relações sociais
do homem. Os mais conhecidos foram: o código do rei Ur-Nammu (2050-2030 a.C.),
a coleção de leis de Urukagima, de Lagas, da mesma época, o código do rei
Bilalama, de Eshnuma, (1825-1787 a.C.) e o de Lipit-istar, de Isin, (1875-1865
a.C).
O Código de
Hammurabi permite entender certos critérios, sempre em torno dos bons
resultados, das leis que regiam a ação médica, na Babilônia, governada pelo rei
Hammurabi. Se pensarmos que as leis também exercem função de evitar conflitos,
os artigos penalizando ou premiando o médico, por estarem na mesma coluna
daquela regulamentando as profissões dos barbeiros, pedreiros e barqueiros, é
possível pressupor um elo comum: se tratavam de categorias envolvidas em
conflitos inquietantes à administração. Dessa forma, somente a ação do
julgador, ligado ao poder dominador, estaria suficientemente organizada para
mediar os conflitos geradores de conflito.
A
regulamentação da ação médica contida no código de Hamurabi cita a inequívoca
relação da ética do médico ligada aos bons resultados do trabalho médico, onde
o julgador é o árbitro absoluto. No parágrafo duzentos e quinze e nos seguintes
consta:
-
215:
Se um médico fez em um awilum uma incisão difícil com uma faca de bronze e
curou o awilum ou se abriu a nakkaptum (supercílio) de um awilum com uma faca
de bronze e curou o olho do awilum: ele tomará dez sicios de prata.
-
216:
Se foi o filho de um muskenum: tomará cinco sicios de prata.
-
217:
Se foi o escravo de um awilum: o dono do escravo dará ao médico dois cicios de
prata.
Após quase quatro mil anos de o Código de Hammurabi ter sido
elaborado, existem diversos pontos naquelas leis que merecem reflexão: início
do julgamento laico, monetarização do trabalho médico, os médicos remunerados de
acordo com a complexidade do trabalho e o sucesso alcançado pelo tratamento e
camada social do doente. A penalidade muito mais severa se a má prática fosse
realizada em alguém com destaque social. Esse ajuste sócio-político do julgador
também é importante sinal da historicidade do Direito atado ao poder dominador.
É necessário repetir como as leis também surgem a partir das
necessidades sociais, é admissível supor que as leis babilônicas, no Código de
Hammurabi, foram feitas para coibir o grande número de maus resultados que
geravam conflito social. Dessa forma, o Direito e a Medicina, nesse ponto,
inauguraram níveis de conflitos que continuam se reconstruindo até os dias
atuais, isto é, o julgador se interpõe favorecendo os interesses pessoais e
coletivos frente a algumas práticas médicas consideradas desajustadas à ética e
à moral.