João
Bosco Botelho
Historicamente,
a Medicina e o Direito construíram, ao longo de milhares de anos, a estrutura
sustentadora da credibilidade coletiva para nortear o bom, o certo, o belo.
Dessa forma, não é inconveniência argumentar que o desejo coletivo de
administrar os conflitos, que certamente estavam presentes tanto nos ancestrais
muito distantes de caçadores-coletores quanto nos mais próximos, após o
sedentarismo, moldaram pensamentos e comportamentos pessoais e coletivos inseridos
nas memórias-sócio-genéticas (MSG).
Parece
razoável pressupor que o conhecimento historicamente acumulado, desde os
primeiros registros do médico e do julgador como personagens sociais, se
ajustou na maior inclusão dos curadores e dos julgadores, aqui, compreendidos:
–
Agentes das práticas curadoras: tanto dos curadores laicos quanto dos benzedores,
erveiros, parteiras, sacerdotes, encantadores e muitos outros agentes da
Medicina-divina e da Medicina-empírica.
–
Agentes das práticas julgadoras: tanto os ligados ao poder dominador quanto os
que intermediavam os incontáveis conflitos que nunca chegavam à administração
laica, de certo modo semelhante na atualidade de muitas culturas-linguagens-sociedades.
Nos
mesmos milhares de anos, os curadores e julgadores que não conseguiram firmar o
reconhecimento coletivo em torno da competência na solução dos problemas
expostos pelos postulantes, não recebiam o reconhecimento coletivo.
Entre
esses dois grupos — aquele obtendo bons resultados e os que não satisfaziam as
demandas pessoais e coletivas —, as organizações sociais, em diferentes
instâncias, ao mesmo tempo em que reconheciam e nominavam o médico e o julgador,
compondo parte do conjunto das profissões que conviviam em conflito e
reconstruindo, procuraram refletir, identificar, coibir e punir as más práticas
e estabelecendo fortes critérios na edificação da historicidade da ética do
médico e do julgador.
De
modo geral, a má prática esteve e continua mais ligada ao resultado desfavorável
na Medicina e no Direito, o fracasso na busca da cura pelo doente e a sentença
considerada injusta. Nenhum procedimento, na Medicina e no Direito, no passado
e no presente, tem sido aceito se provoca, respectivamente, piora de qualquer
natureza no enfermo ou a suspeição de não ter sido justa.
Esse
esboço normativo ético-moral voltado aos bons resultados, no movimento de secularização
das práticas da Medicina e do Direito, claramente exposto no Código de
Hammurabi, no século 16 a.C., culminou com o aparecimento na Grécia, no século
4 a.C., do conceito de deontologia (do gr. déontos, “o que é obrigatório, necessário” + logia), que evoluiu para “o estudo
dos princípios, fundamentos e sistemas de moral”.
A
palavra deontologia, em torno do conjunto ético-moral, alcançou a maior parte
das especialidades sociais. Na Medicina, apareceu pela primeira vez, em 1845,
no Congresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simon intitulado
“Deontologia médica ou dever e direitos dos médicos no estado atual da civilização”.
No Direito, por meio dos escritos do filósofo inglês Jeremy Benthan,
considerado fundador do Utilitarismo.
De
modo interessante, os códigos de ética do médico e do julgador comportam
fundamentos estruturantes deontológicos semelhantes:
–
O médico e o julgador devem estar sempre a serviço do indivíduo, respeitando a
vida e sua dignidade;
–
O médico e o julgador devem exercer a profissão com liberdade de decidir.