João Bosco Botelho
As normas de higiene pessoal e
coletiva, especialmente entre as camadas mais abastadas e próximas do poder
político, desempenhavam papel muito importante na construção das cidades da
Índia antiga.
Esses cuidados com a higiene
estão descritos nas Leis de Manu, entre os séculos 2 a.C. e o 2 d.C., para
ordenar a organização geral, sob a forte motivação religiosa e política. Os
especialistas entendem essas leias como oriundas de registros anteriores, isto
é, podem ser consideradas como uma espécie de compilação das culturas mais
antigas. Igualmente importante é assinalar que as leis de Manu, também
conhecidas como Código de Manu, devem ter se mostrado tão eficientes que
alcançaram a Assíria, Judeia e Grécia. Os registros também apontam para rígida
fiscalização à obediência dessas leis impondo severos castigos aos
transgressores. Mesmo com forte inserção religiosa, é justo assegurar que essas
leis oferecem robusto amparo laico ditado pela administração. Dessa forma, sem
dúvida, como outros, daquela época, contribuíram enormemente para impor a
obrigação de seguir os regulamentos da higienização dos corpos e dos espaços
urbanos.
Entre as recomendações,
destacam-se: higiene das mãos e da boca após cada refeição; banhos completos do
corpo após contatos com coisas sujas ou pessoas que apresentassem sinais de
doença; excrementos e água servida deveriam ser removidos, imediatamente, para
fora de casa; maior higiene das mulheres nos períodos menstruais e pós-parto;
lavagem dos olhos com água limpa; dieta mais vegetariana; cremação dos mortos;
punição severa do alcoolismo.
Como o Código de Hammurabi,
escrito 1500 anos antes, as Leis de Manu também ordenaram os procedimentos
médicos, punindo a má prática e obrigando o pagamento dos serviços
profissionais.
O processo formador do médico
consistia, em grande parte, em memorizar e receitar as recomendações prescritas
nos textos védicos. Parece lógico pressupor que somente a parcela mais abastada
da população, aquela que poderia aprender a ler, estaria apta a receber esse
treinamento teórico. Os exercícios práticos consistiam nas visitas aos
enfermos, reconhecimento das plantas medicinais, preparo dos medicamentos e a
realização das técnicas cirúrgicas em animais mortos, frutas e bolsas de couro.
Quando o mestre considerava que o discípulo estava apto, apresentava-o ao
governante, para receber a anuência da administração, como requisito
indispensável, sem o qual o aprendiz não poderia ser considerado médico.
O compromisso final do
estudante junto à administração assemelhava-se muito ao juramento hipocrático
grego: “Dedica-te por inteiro a ajudar ao enfermo, mesmo a custo de tua própria
vida. Nunca agraves o enfermo, nem sequer com o pensamento. Esforça-te sempre
em aperfeiçoar teus conhecimentos. Não trates as mulheres se não em presença de
seus maridos. O médico observará todas as normas do bem trajar e da boa
conduta... Fora da casa do paciente, não falará do que tenha ocorrido em seu
interior. Não deve mencionar ao paciente sua possível morte, em fazendo isto,
vai prejudicá-lo ou a qualquer outra pessoa. É desejo dos deuses isso que tu
prometes. Caso sigas estas regras, os deuses poderão te ajudar. Caso não o
faças, os deuses se voltarão contra ti.”
Ainda nos dias atuais, o curador
shivanista carregando consigo as milenares plantas medicinais e recitando os
hinos em louvor a Shiva, continua sendo o mais importante representante dessa
milenar prática medica.