Zemaria Pinto
Teresa
Um psicólogo de
botequim diria que temos o direito de errar na escolha da primeira mulher, mas
da segunda, não. Eu abusei do direito de errar. A paixão por Teresa veio aos poucos.
Nos conhecemos em um evento onde atuávamos como voluntários. Muitos eventos
aconteceram, antes que tivéssemos algo. A simpatia mútua fora imediata, mas
Teresa, estranhamente nervosa, fugia às minhas abordagens mais diretas, até que
num sábado ela aceitou uma carona que se estendeu para um chope. Quis saber
tudo de mim e quase nada contou de si. Não escondi muito: fora casado por 9
anos, tinha um casal de filhos adolescendo e estava disponível há tempos. Omiti
os casos mais ou menos em andamento. Teresa fazia a faculdade de Serviço
Social, o que explicava o voluntariado, que no meu caso era uma catarse, uma maneira
de expiar pequenas culpas cristãs. Mas isso eu não lhe disse. Namoramos por
dois meses e fomos morar juntos, registrando em cartório – uma vez que, desquitado,
eu não poderia casar – uma situação que só se tornaria lei muito tempo depois:
a relação estável. O namoro fora um período de êxtase: eu, já vislumbrando os
quarenta no horizonte, apaixonado como um colegial. Ela, pouco mais que uma
colegial. Naquelas alturas, já me submetera à vasectomia, pois não tinha a
intenção de colocar mais ninguém neste vale de lágrimas – expressão que eu
ouvia muito na minha piedosa mas incasta adolescência. Logo nos primeiros meses
juntos, começou a nossa via crucis.
Teresa controlava meus horários, mexia nos meus bolsos, gavetas, pastas, com um
despudor obsessivo, esvaziando-me de boas intenções e sentimentos. Naturalmente,
eu comecei a voltar ao velho estilo, fazendo por merecer suas desconfianças e acusações.
O ápice foi uma cena entre o ridículo, o cômico e o piegas: Teresa tomou um
frasco de qualquer coisa, indo parar no pronto-socorro, de onde saiu não mais
que duas horas depois, após um vomitório e uma lavagem, culpando-me pelo
acontecido. Meu particular inferno – o inferno são os outros! – durou ainda alguns
meses, o tempo que Teresa levou para assimilar o meu desamor. Nos meus
pesadelos senis, essa Teresa é apenas uma sombra sem rosto, acossando-me,
acuando-me, torturando-me. Cinco décadas passadas, a vigília me conduz a uma
outra Teresa, solar e cristalina – o tempo da conquista, os dois meses de
namoro, os dois ou três meses juntos e felizes, quando eu a amava e acreditava
que apodreceria ao seu lado.