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terça-feira, 1 de julho de 2025

A fé que fluiu no Encontro das Águas

 Pedro Lucas Lindoso


Em junho de 1980, há 45 anos, Manaus se preparava para um dos momentos mais emblemáticos de sua história: a visita do Papa João Paulo II. O clima na cidade era de expectativa e reverência. A procissão de São Pedro, anualmente celebrada no dia 29 de junho, foi adiada para julho.  O governador do Amazonas, José Lindoso, católico fervoroso, e o prefeito de Manaus, José Fernandes, evangélico, uniram-se em um gesto de respeito e acolhimento. Ambos prepararam a cidade, com a significativa colaboração do Vice-governador, Dr. Paulo Nery, para a chegada do Papa a Manaus.

Na procissão, a baía do Rio Negro se transformou em um mar de barcos, todos com um único destino: o Encontro das Águas, onde as correntes de dois rios se entrelaçam em um abraço simbólico. O Papa, em uma das três fragatas da Marinha, navegava lentamente pelo Rio Negro, cercado por autoridades e fiéis. As pessoas acenavam dos barcos com fervor e alegria. No barco em que me encontrava, com familiares, incluindo minha querida irmã Liliana, então noviça salesiana; naquele dia pude testemunhar a sua fé junto com outras companheiras dedicadas à missão preconizada por Dom Bosco.  A cena era de uma beleza indescritível: a silhueta do Papa contra o céu amazônico, as águas refletindo a luz do sol, e as vozes em uníssono entoando cânticos de louvor.

É preciso que se destaque um gesto de respeito e ética. O prefeito José Fernandes, ao receber um terço de presente do Papa, decidiu que aquele símbolo de fé deveria ser oferecido a quem realmente mereceria. Com um coração generoso, ele entregou o terço a uma senhora católica, pobre e anônima, que representava a simplicidade e a devoção do povo. Esse ato, reforça a ideia de que a fé não se mede por títulos ou posições, mas pela capacidade de respeitar e entender a fé do outro.

A missa campal na Bola da Suframa, testemunhava um amazónico céu azul. O povo, num respeitoso e contrito silêncio, se unia em oração. As palavras do Papa reverberavam nas almas, e a conexão entre os presentes se tornava palpável. A fé, como as águas do rio Negro, fluía livre e poderosa, unindo todos em um só espírito. Aquela manhã mágica não era apenas uma celebração religiosa; era um testemunho da força da comunidade, da esperança e da beleza que reside na diversidade, na alegria do povo amazonense.

Assim, o Encontro das Águas não era apenas um fenômeno natural, mas um símbolo da união de diferentes crenças e culturas, refletindo a riqueza da Amazônia e a profundidade da fé que habita em cada coração. E enquanto a fragata do Papa se afastava, a cidade de Manaus sabia que aquele dia ficaria gravado para sempre na memória coletiva, como um momento em que a fé e a beleza se entrelaçaram nas águas do Rio Negro.

As novas gerações precisam saber da fé que fluiu naquele dia. A bênção papal, dada no meio do nosso Encontro das Águas, reverbera até hoje nessa cidade que um dia se chamou Lugar da Barra de São José do Rio Negro.