segunda-feira, 29 de novembro de 2021
domingo, 28 de novembro de 2021
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
Grotesco, fantástico, marginal: o anão em três contos de Márcia Antonelli
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
A poesia é necessária?
A casa perscrutada – escrivaninha e biblioteca
Zemaria Pinto
terça-feira, 23 de novembro de 2021
Jetatura persiste na “fake news”
Pedro Lucas Lindoso
É fato que a mentira tem perna curta, mas o boato corre. E como corre. Hoje o boato se chama “fake news”, e sua velocidade, em especial pela internet e mídias eletrônicas, alcança exponenciais estratosféricos.
Os
boatos “fake news” voam destruindo reputações, espalhando ódios, destruindo
famílias, abalando a bolsa de valores e a cotação do dólar. Podem ainda causar
malefícios à saúde das pessoas, graves constrangimentos e muitas outras
consequências trágicas. Ou simplesmente fazer rir alguns e causar choro em
outros.
Os
boatos e as “fake news” não são novidades. Antes do advento da internet e das
mídias sociais havia as malsinadas cartas anônimas. Eram usadas para manchar a
reputação, principalmente de políticos em épocas de eleição. Cartas dirigidas
também às casas das vítimas. Eivadas de calúnias, difamação e inverdades, as
cartas anônimas circulavam pelas cidades impunemente. Como circulam as
postagens atuais. Algumas eram reproduzidas em mimeógrafos. Aparelhos
anteriores às máquinas xerox, usados para reprodução de textos, provas e
trabalhos escolares.
Como
filho de político, minha família foi vítima de cartas anônimas. Elas atingiam
não só o político, mas sua família, seus negócios, sua imagem e toda uma
reputação.
Quando
há interesse político, econômico, social ou financeiro esse expediente sórdido
pode ser explicado pela ganância, cobiça ou desejo intenso de poder e fama.
Além de ódio e vingança. E quando não há isso? Como explicar a fabricação de
boatos e “fake news”?
Colega
de Ginásio, ao qual chamarei pelo codinome de Jetatura, era contumaz espalhador de boatos. Na entrada
de nosso colégio, se formava uma fila para entrega das carteiras de controle de
assiduidade dos alunos. Sem o carimbo de presença, significava que havíamos
“matado” aula. Servia para controle da direção e dos pais. Pois bem, Jetatura
aproveitava esse momento de aglomeração para espalhar boatos.
Uma vez,
inventou que um famosíssimo cantor romântico brasileiro havia falecido em
desastre de carro. A celebridade, já idoso, é vivo até hoje, graças a Deus. Mas
Jetatura se comprazia quando, na hora do recreio, o boato retornava a ele. Dava
uma grande gargalhada de mórbido prazer.
Jetatura
se superou ao espalhar que uma temida professora de Matemática havia contraído
câncer e não retornaria para a escola. A licença médica da professora, de três
dias, era para curar uma simples faringite.
Não fui
e nem quis ser amigo de Jetatura. Machado de Assis disse que “o menino é o pai
do homem”. Dizem que ele persiste nos dias de hoje, criando e espalhando “fake news”
pela internet.
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
domingo, 21 de novembro de 2021
Manaus, amor e memória DXLII
sábado, 20 de novembro de 2021
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
quinta-feira, 18 de novembro de 2021
A poesia é necessária?
Soneto autobiográfico III
L. Ruas (1931-2000)
A égua caminhava a passos largos
Por entre a lama espessa, mal cheirosa,
A égua que nasceu de barro e sopro,
Pesada e, ao mesmo tempo, vaporosa.
A égua percorreu todo o passado:
É lenda, é mito, é sombra luminosa;
Galopa semeando vida e morte,
É frágil como a flor e belicosa.
Tem alma muito embora no seu ventre
Aninhe fauna imunda e tenebrosa
De serpes e batráquios peçonhentos.
A égua chega sempre. Chora, às vezes.
Às vezes, come fezes. Eu a vi
Comendo, em céu de estrelas, uma rosa.
terça-feira, 16 de novembro de 2021
Feriados de novembro: viva a República!
Pedro Lucas Lindoso
Novembro
já é um mês curto. É de 30 dias. Iniciou-se com um megaferiadão de finados. Com
origem ainda em outubro, pelo dia do servidor.
Temos
ainda o dia 15 de novembro, que para alegria de muitos, cai numa segunda-feira.
Outro feriadão. Aqui em Manaus celebramos o dia da Consciência Negra. Neste ano,
cai num sábado. Para tristeza dos que trabalham somente de segunda a sexta.
Porém, para muitos sábado é dia de trabalho. Alguns vão ganhar hora extra de
feriado. O que sempre é bom. Principalmente nestes tempos bicudos.
Há
lugares em que é feriado dia 30, declarado o dia do Evangélico. É o caso de
Brasília, nossa capital federal. Este ano, cai numa terça-feira. Será que os
brasilienses vão emendar a segunda? Se isso acontecer, o mês de novembro terá
apenas 17 dias úteis no Distrito Federal. Ou seja, dos 30 dias do mês de
novembro, estudantes e funcionários públicos ficarão de folga 13 dias. Quase a
metade do Mês.
Nos
Estados Unidos a quarta quinta-feira de novembro é dia de Ação de Graças. É o
maior dos feriados por lá. Tão importante quanto o Natal. Os americanos cruzam
o país visitando seus pais, retornando ao local onde nasceram. É um feriado de
família. E na sexta eles tem a tal da Black Friday.
Como
tudo no Brasil, há sempre uma lei para regulamentar. Umas pegam, outras não. A
mais importante sobre feriados é possivelmente a lei nº 9093/95. Em seu artigo
primeiro estipula que são feriados civis os declarados em lei federal (aqueles a
que chamamos de feriados nacionais); a data magna do Estado fixada em lei
estadual (o nosso 5 de setembro); a fundação do município (aniversário de
Manaus).
Quanto
aos feriados religiosos, a lei estipula que os dias de guarda, serão declarados
em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a
quatro, incluída a Sexta-Feira da Paixão. O dia do evangélico foi instituído
feriado em Brasília porque descobriu-se que a cidade ainda poderia ter um
feriado, de acordo com esta cota de quatro, destinada aos municípios por essa
lei.
Para
meu amigo Chaguinhas, que é monarquista, deviam revogar o feriado do dia 15 de
novembro. A República foi um golpe. A família real foi levada ao cais do porto
para embarcar, exilada, com a população aos prantos. Deveriam ter instituído
uma monarquia constitucional, como a do Reino Unido, Suécia, Japão, Espanha, Países
Baixos, Bélgica, Noruega, Dinamarca. Todos eles países desenvolvidos.
Deixe
de besteira, Chaguinhas. Viva a República!
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
Almoçando com Lucchesi
O
presidente da Academia Brasileira de Letras, escritor Marco Lucchesi, cujo
mandato termina no próximo mês – “não vejo a hora!”, ele diz –, passou este
final de semana em Manaus, em compromissos diversos. No sábado, atendendo a um
convite do amigo Tenório Telles, presidente do Concultura, Lucchesi almoçou com
artistas e escritores. As fotos registram o encontro.
Marco
Lucchesi promoveu uma verdadeira revolução na ABL, tanto do ponto de vista
administrativo quanto acadêmico – injetando, sobretudo, qualidade na instituição.
![]() |
Lucchesi, Zemaria Pinto e Tenório Telles. |
![]() |
Lucchesi, ladeado pela artista plástica Monik Ventilari e as escritoras Neiza Teixeira, Leyla Leong e Tainá Vieira. Foto: Zemaria Pinto. |
domingo, 14 de novembro de 2021
sábado, 13 de novembro de 2021
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
quinta-feira, 11 de novembro de 2021
A poesia é necessária?
Enquanto a lua for calada e branca
Ernesto Penafort (1936-1992)
enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, este esquisito,
este invisível vulto, apenas visto
quando o vento, de leve açoita as folhas.
enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, apenas visto
quando um raio de sol morre na lágrima
que se despede de uma folha verde.
eu serei sempre assim, apenas sombra,
apenas visto quando a voz de um gesto
colhe no bosque alguma flor azul.
apenas visto quando em fundo azul
voar a garça (o meu adeus ao mundo?),
enquanto a lua for calada e branca.
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
terça-feira, 9 de novembro de 2021
Saci-Pererê ou Jack-o’-lantern?
Pedro
Lucas Lindoso
Estamos
no mês de novembro. O Halloween desse outubro ainda pandêmico teve comemorações
cada vez mais animadas pelo país afora.
Mas a
tradição definitivamente não é vista com bons olhos por todos. Muitos
evangélicos acreditam que comemorar o Halloween beneficia e faz apologia a
bruxarias e magia negra. Há pedagogos ortodoxos que acreditam que esses
festejos violam a inocência e a integridade psicológica de crianças, em
especial aquelas abaixo de seis anos de idade.
Há
ainda os que se apegam ao Direito. Durante o Halloween há muitos filmes de
terror na TV e no cinema. Assim, evoca-se o art. 221 da CF, o qual remete ao
“respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Culturalmente,
a reação mais interessante ao Halloween foi a instituição do 31 de outubro como
“dia do Saci-Pererê”. A data, criada em 2003, objetiva resgatar e valorizar o
folclore do nosso país, promover a cultura nacional e tradições brasileiras.
Como
sabemos, o Saci é um ser baixinho, negro, possui apenas uma perna, usa um capuz
vermelho e se locomove com rapidez. É brincalhão, agitado e travesso. Na minha
opinião, uma simpatia só.
Já o
Jack-o’-lantern é uma abóbora iluminada, feita como enfeite. É a figura central
do Halloween. A origem está no folclore irlandês. O tal Jack, que era
miserável, convidou o capeta para tomar um drink. Negociou para que o Cão se
transformasse em moeda. Ao final o capeta não ficou com sua alma. Contudo, fez
Jack ficar vagando com uma única queima de carvão, dentro de uma abóbora,
especialmente no Halloween.
O que acontece é que o Saci-Pererê perdeu para
o Jack-o’-lantern. A influência dos Estados Unidos no Brasil e no mundo é
marcante. E muito ajudada por Hollywood.
Não concordo com as razões pedagógicas,
religiosas ou jurídicas para ser contra tanto com a figura do Saci-Pererê
quanto ao Jack-o’-lantern. Afinal, tudo é folclore. São expressões culturais,
costumes e tradições preservadas e passadas de uma geração para outra. O mundo
seria muito chato sem o folclore e sem festas. Meu voto é para o Saci-Pererê.
domingo, 7 de novembro de 2021
sábado, 6 de novembro de 2021
Basta! A tribo está cansada 4/4
Pedro Lucas Lindoso
QUARTO ATO
O Cacique está sentado à mesinha, pensativo. O
Fotógrafo entra portando um notebook. Senta-se perto do cacique e abre o
notebook.
FOTÓGRAFO: E aí, chefe. Vamos começar. Temos
muitas fotos.
CACIQUE: Eu imagino. Você cansou o pessoal.
Fez cócegas nas almas do meu povo a dar com pau. (risos)
FOTÓGRAFO: Desculpe eu ter dito a ele que esse
negócio de cócegas na alma era mentira. Traí sua confiança. Mas é que eu perdi
a cabeça com ele.
CACIQUE: Tudo bem. É capaz dele falsificar a
pet. Eu soube que ele levou um bocado de flecha. E nem um arco para disfarçar.
Isso era vai pegar uma pet, cravar de flecha e contar um longa e mentirosa
estória.
FOTÓGRAFO: E ainda vai escrever um artigo
científico e ficar famoso.
CACIQUE: Ele não é tão mau assim. Ele elogiou
o nosso projeto de manejo de pirarucu. Eu ia até contar uma lenda para ele. O
professor adora lendas. Fica babando feito criança. Mas com a confusão que ele
criou acabou indo embora sem ouvir a lenda do pirarucu.
FOTÓGRAFO: Me conte aí, chefe.
CACIQUE: Os antigos diziam que o pirarucu era
gente. Por isso muitas tribos não pescam o bichão. Essa lenda na verdade não é
do meu povo. Somos muitas etnias, com costumes e fala diferentes. Hoje estamos
mais unidos contra as atrocidades de vocês, ditos civilizados. Para esse povo,
que vive mais a oeste daqui, como eu disse, o pirarucu era gente. E tinha uma
irmã, a juriti. Você sabe que a juriti é um passarinho né? Eles chamam de
Mizumi. Pois bem, houve uma grande epidemia. Bem pior que essa última da Covid,
do corona vírus. Então todos os parentes do pirarucu, que esse povo chama de
Ve’e morreram. Em consequência da epidemia. Então o pirarucu, que esse povo
chama de Ve’e soprou um rapé. Deu para os mortos. Depois tirou a palmeira da
pupunha e deu para eles. E todo mundo
ressuscitou. Só que eles voltaram em forma de macaco.
FOTÓGRAFO: Que tipo de macaco?
CACIQUE: Eu não me lembro bem, porque essa
estória não é bem do meu povo. Mas parece que era macaco caiara.
FOTÓGRAFO: E o que aconteceu depois?
CACIQUE: No dia seguinte, pirarucu e juruti
então embarcaram numa canoa junto com Idikum, que é o mesmo mutum. Remaram
muito, rio abaixo. Idikum saia o tempo todo da canoa. Voava e voltava. Aquilo
começou a irritar Ve’e, o pirarucu.
FOTÓGRAFO: Às vezes as pessoas se irritam
mesmo. Perdem a paciência. Mas continue, cacique. Essa lenda está muito
interessante.
CACIQUE: Então o Mutum voava e voltava.
Irritando Ve’e, o pirarucu. Como o professor às vezes, fica me irritando por
aqui. Até que ele perdeu a paciência e o matou.
FOTÓGRAFO: Nossa, quanta violência, chefe!
CACIQUE: Pois é. Sua irmã, Mizumi, não gostou da
atitude dele. E se transformou no pássaro juriti. E saiu voando. Ve’e, o
pirarucu, saiu chamando a sua irmã. Chamou, chamou, várias vezes. Mas ela não
voltava. Ela se pintou com breu. Virou uma juriti. Esse passarinho que parece
uma pombinha. E Ve’e se pintou com urucum. E virou peixe. Se transformou em
pirarucu.
FOTÓGRAFO: Muito interessante a lenda do
pirarucu e da juriti.
CACIQUE:
E hoje, quando a juriti canta na mata o pirarucu sobe até a superfície
do rio, para ver a sua irmã.
FOTÓGRAFO:
E o seu projeto de manejo de pirarucu?
CACIQUE: Estamos sem fazer pesca do
bichão. Nessa etapa é essencial fazer a
vigilância dos lagos. Quando eles sobem à superfície, as juritis cantam.
Acontece mesmo. Assim, temos que protegê-los. É preciso fazer a contagem deles.
Acho que devemos esperar mais. Talvez cinco anos seja pouco. Um rapaz do Ibama
que esteve por aqui disse que o ideal são oito anos, para fazer o monitoramento
populacional dos pirarucus. A paciência é uma virtude. Enquanto isso, vamos
ouvindo o canto das juritis.
FOTÓGRAFO: Uma das coisas bacanas de sua
cultura, chefe, são essas relações estabelecidas entre os seres. Tanto os
humanos quanto os não humanos. E eu não canso de fotografar esses rituais
fantásticos, as suas festas. As atividades de caça, pesca, coleta e
agricultura.
CACIQUE: O fato é que nós devemos continuar
recriando e alimentando nossas práticas. O professor fica fascinado quando
considera essas relações com o sagrado. E ele tem razão. A riqueza delas está
no sagrado. Por isso vocês as consideram tão ricas. Os que tem consideração com
a gente, obviamente.
FOTÓGRAFO: Mas vamos às fotos. Veja essa aqui
(mostra ao cacique fotos no tablet). Apesar da árvore estar morta, caída,
repartida, quebrada, provavelmente por um raio, a morte é natural. Mesmo morta,
continua harmônica com suas raízes expostas, em contato com a água do rio.
Muito linda.
CACIQUE: Pois é; mesmo morta, essa árvore é
bonita. Porque não foi violentada.
FOTÓGRAFO: Veja essa aqui.
CACIQUE: É uma garota linda. Mas ela está com
medo de você. Medo do desconhecido. Veja o olhar dela. Um olhar de incerteza,
de dúvida, de apreensão. Essa foto é importante para você?
FOTÓGRAFO: Eu gostei muito. O senhor vai
cortar?
CACIQUE: Não. Vamos adiante. Mostra mais uma.
O que você quis dizer ao fotografar esse cacho de banana? Muito estranho.
FOTÓGRAFO: Eu achei interessante a maneira
como o seu povo amadurece as bananas. Os brancos conservam as bananas nas
palmas. Retiram uma por uma, quando vão consumir. O modo de vocês amadurecerem as bananas. Vão
enfiando num cordão de palha, uma por uma. Formando um grande cacho de banana,
que não é a penca original. Muito interessante. Uma pergunta. Essa técnica
amadurece a banana mais rápido? Conserva mais o sabor?
CACIQUE: Não sei. Não sei como se faz na sua
casa. Aqui é assim. A banana é uma fruta muito boa e gostosa. Mostra outra.
FOTÓGRAFO: Veja essa foto noturna. Temos um
luar maravilhoso.
CACIQUE: Nosso povo gosta de se reunir com lua
cheia. Principalmente nós, os homens. Essa conversa de noite, sob a lua cheia,
costuma ser bastante proveitosa. Trocamos ideias, nos entendemos. E também a
gente se diverte.
FOTÓGRAFO: Essa aqui é de um igapó, mais
acima. O que o senhor acha?
CACIQUE: Os igapós são locais muito familiares
para o nosso povo. Entramos neles com frequência e com a maior tranquilidade e
segurança. Enquanto vocês, brancos, parece que têm medo. Eu acho graça. O
professor fica apreensivo, se alguém não vai com ele floresta a dentro. Acho
que tem medo de se perder. É um cagão.
FOTÓGRAFO: Essa foto é sua. Gostou?
CACIQUE: Corta. Estou muito feio e gordo.
FOTÓGRAFO: Ok. (fotógrafo pisca para a
plateia, dando a entender que vai publicar a foto do cacique)
CACIQUE: Essa foto está descaracterizada. Não
gosto. Já disse para as mulheres que o uso de sombrinha é pavulagem. Acho
estranho quando nossas mulheres usam sombrinha. Corta essa.
FOTÓGRAFO: Essa aqui é um início de dia. O sol
vai nascendo. Eu gostei muito dela. Demonstra-me paz, tranquilidade.
Serenidade. A beleza da mata ao alvorecer.
CACIQUE: Muito bonita. Parabéns.
FOTÓGRAFO: Essa aqui já é no pôr do sol.
Aliás, o sol já se pôs. A beleza natural é a mesma daquela do alvorecer. Só que
a tonalidade é diferente. Parece que a natureza reage diferente. Os sons da
mata também mudam.
CACIQUE: Outra bela foto. Gostei muito.
FOTÓGRAFO: Olha essa menina. Peço sua
autorização. Quero mostrar as pinturas. As brancas usam produtos
industrializados para se maquilar. Olha só que bonita que ficou essa cunhatã.
Toda enfeitada com produtos da floresta. O senhor pode me explicar quando é
permitido as moças se maquilar?
CACIQUE: Aqui na nossa tribo, as meninas são
autorizadas a se pintar a partir dos 11 anos. E começam a participar de alguns
dos rituais de dança próprios para as meninas e mulheres.
FOTÓGRAFO: Veja essa senhora. As mulheres mais
velhas parece que se ocupam muito das cestarias.
CACIQUE: É verdade. Mas o artesanato e a
confecção de cestas, balaios e esteiras é feita por todas elas. E começam desde
bem novinhas. O ensinamento é atribuição das mulheres mais velhas.
FOTÓGRAFO: Veja essa foto. Também de igapó. Eu
acho lindo essa integração de seu povo com a natureza. Vocês se integram a ela.
Sem querer ser dono das dádivas de Deus. Muito lindo.
CACIQUE: Essa ideia de se apropriar das coisas
que Deus nos dá é de vocês brancos. Vejam os madeireiros, os grileiros. Eles veem
as coisas como se pudessem ser apropriadas, como se tornassem propriedade
privada deles. Isso é um absurdo.
FOTÓGRAFO:
Ah! Se o homem dito civilizado pudesse aprender com vocês a desfrutar
dessa harmonia.
CACIQUE: Tudo na natureza deve ser harmonioso.
O conceito de animal. Vegetal e mineral, são de vocês. Para nós, os elementos
da natureza são os bichos, as pedras, o ar, a água, a terra, a floresta, o
fogo, o vento.
FOTÓGRAFO: Sim, veja essa foto. Parece que o
vento está falando com a mata. (mostrando mais uma foto)
CACIQUE: Essa aqui expressa a harmonia que
falamos. A harmonia entre a água e a floresta.
FOTÓGRAFO:
E essas pedras também. Gostou dessa, cacique?
CACIQUE: Maravilha.
FOTÓGRAFO: Essa foto do guerreiro caçando eu
acho emblemática. Conversei com ele. Ele disse que caçava apenas para
sobreviver. Ah! A caça é escolhida. Não se matam fêmeas que estejam prenhas.
Achei muito bonito.
CACIQUE: Diferente de alguns de vocês que caçam
exclusivamente por prazer, isso aqui, praticamente não existe. Já vi homem
branco caçar, matar a presa e abandonar. Isso não se faz aqui. Matar por
prazer.
FOTÓGRAFO: veja essas fotos. Fabricação de
farinha. Há fotos desde a extração da mandioca até a torrefação da farinha.
Essa tecnologia vocês nos legaram. O amazônida e o brasileiro em geral adora
uma farinha.
CACIQUE: Não sei se você sabe. Eu dei essa
informação ao professor. Aqui nós temos três variedades de macaxeira: a
Peruana, Pão e Mutum. Temos ainda dez variedades de mandioca: Socó, Jaboti,
Camarão, Samaúma, Mineve, Joaquim Grande, Cobiçada, Janauacá, Flecha amarela,
Marrecão. Somos muito bons no processamento da macaxeira.
FOTÓGRAFO: Isso eu não tenho a menor dúvida.
CACIQUE: Essa foto aqui está muito boa. Gostei
muito. Mostra minha filha cuidando dos meus netos.
FOTÓGRAFO: Está evidente o cuidado e muita
afeição que sua filha tem pelas crianças.
CACIQUE: Gostei dessa foto. Veja que os
meninos mais jovens acompanham os mais velhos. Tudo é transmitido de geração
para geração, desde muito cedo. A gente se preocupa com o respeito e pela
preservação da natureza.
FOTÓGRAFO: essas fotos mostram com clareza a
importância das palmeiras. Nesse contexto de manejo da floresta, as palmeiras
ocuparam um lugar privilegiado. Aqui eu destaco o babaçu, a pupunha, o açaí, o buriti
e o tucumã.
CACIQUE: Temos ainda muitas outras. Acho que você não fotografou porque não as conhece. E também porque não temos por aqui por perto, o urucuri, o patauá e a bacaba.
FOTÓGRAFO: Veja só que maravilha. O guerreiro
subindo nessa palmeira. Foto maravilhosa. E nessa o guerreiro demonstra
gratidão pelos bons frutos colhidos. Que coisa boa.
CACIQUE: Com certeza. É a retribuição que
recebemos da natureza. É a resposta que ela nos dá pelo cuidado, pelo respeito
e pela preservação. Aprendam isso. Leve essa mensagem para os brancos.
FOTÓGRAFO: É isso aí. Ao destruir a natureza,
não teremos frutos para colher. Simples assim.
CACIQUE: Respeitamos as árvores como se fossem
sagradas. Nós aprendemos a contemplá-las.
FOTÓGRAFO: Interessante. Nessa foto o jovem
guerreiro está tirando a casca da árvore.
CACIQUE: Sim. Usamos as cascas para usos
diversos. As palmeiras, além do alimento, nos dão abrigo. As paredes podem ser
feitas de cascas ou palhas trançadas.
Delas ainda usamos, para fins alimentares, tanto o fruto quanto o palmito.
FOTÓGRAFO: Acho muito importante essa prática
do manejo. Como o senhor está fazendo com o pirarucu.
CACIQUE: Nossos povos foram disseminados por
toda a Amazônia. e tivemos que
sobreviver. Fomos compelidos a manter nossos espaços. E então estamos fazendo
pelo manejo e exploração de vários ambientes da floresta.
FOTÓGRAFO: Perfeito. Temos aqui fotos da
várzea, do igapó e da terra firme.
CACIQUE: Não gosto muito do modelo de cortar a
floresta, queimar e fazer o roçado. Sempre incentivei a coleta. Nossa
biodiversidade é grande. Nós temos uma diversidade grande de peixes.
FOTÓGRAFO: E os bichos de casco. O que o
professor chama de quelônio. Aquele chato.
CACIQUE: Buscamos não apenas os frutos que dão
de época em época. Buscamos também todo tipo de vegetal de que se possa fazer
produtos que acompanham os de origem animal. Os animais que caçamos, pescamos e
também os bichos de casco.
FOTÓGRAFO: Eu vi e fotografei. Uma grande
abundância de coisas e produtos que vocês tiram dos rios, das várzeas e das
florestas. Fico encantado com tudo isso.
CACIQUE: Os povos vizinhos que moram no outro
lado do rio cultivam tanto em ambientes de terra firme quanto nas várzeas e
praias. Na terra firme, plantam ariá, inhame, cará, abacaxi, certos tipos de
banana, tabaco e coca, e nas praias cultivam o feijão, a melancia e algumas
variedades de jerimum. Trocamos muitas coisas com eles. São bons comerciantes.
FOTÓGRAFO: Mas o cacique deles é meio arisco.
Tentei contato com eles.
CACIQUE: Mas são nossos amigos. Eles têm uma
técnica interessante para extrair veneno das plantas. E fazem bem alguns
instrumentos importantes para a nossa técnica.
FOTÓGRAFO: A que tipo de instrumento o senhor
está se referindo?
CACIQUE: Eles fazem raladores, espremedores
que nós chamamos de tipiti, e vocês incorporaram na sua língua. Fazem cestos de
palha. Mas os nossos são melhores e mais bonitos. Fazem também recipientes de
barro. Outra coisa que fazem também, mas o nosso é bem melhor, é o pão. Que
vocês chamam de pão de índio. O também biju.
FOTÓGRAFO: Vocês ainda fazem muitas trocas com
outros povos?
CACIQUE: Sim.
Não somos bons em fazer tecidos por exemplo. Tem um povo que sempre
viaja entre as tribos vendendo redes, saias, cobertores. São produtos muito bem
feitos. E essenciais.
FOTÓGRAFO: O senhor me contou. São aqueles que
fazem flechas maravilhosas. Eles viajam para cima e para baixo nos rios.
CACIQUE: Exatamente.
FOTÓGRAFO: ah! Antes que eu me esqueça. Desde
a outra vez eu queria saber sobre essa história de macaxeira e mandioca. É a
mesma coisa?
CACIQUE: Nós sempre conhecíamos a mandioca
mansa, e sempre a chamamos de macaxeira. Daí chegou a tal da mandioca amarga.
Como plantas elas são idênticas. A macaxeira é idêntica à mandioca do tipo
amargo. Muita gente se enganou e se engana entre um tipo e outro da espécie.
FOTÓGRAFO: Houve morte no consumo errado das
macaxeiras?
CACIQUE: Sim. Infelizmente. Meu avô
dizia: planta eu conheço. Se não conheço
não como. Porque se come planta ou coisa
errada morre mesmo. Cará é bom, não mata não. Batata não mata. Mandioca mata.
FOTÓGRAFO: O que se pode comer sem medo?
CACIQUE: Cará é bom. Pode comer sem susto. Não
mata não. Batata também não mata. Agora,
mandioca, a macaxeira tem que saber. Mandioca mata.
FOTÓGRAFO: a covid matou muita gente por aqui?
CACIQUE: Nós fizemos um isolamento e ficamos
livres. Mas houve outras epidemias no passado. Soube de uma tribo distante que
se mudaram por causa da covid. Muitas tribos se mudam e se movimentam muito.
FOTÓGRAFO: Por que essa movimentação?
CACIQUE: São os conflitos com os brancos. Há
ainda as mortes. E também alguns conflitos, por falta de liderança, em virtude
dos casamentos e até mortes que provocam desentendimentos. Isso é lamentável.
Nosso povo tem tradição pacífica. Mas as brigas aconteceram. Em muitos povos,
muitas vezes, devido a vingança e feitiçaria. E disputas entre pajés.
FOTÓGRAFO: e também pelas epidemias, eu
suponho.
CACIQUE: Eu sempre digo. Sempre que existir
uma epidemia, como essa da covid, ou qualquer dominação por alguém que vem de
fora, vai causar desconfiança. E podem causar fugas e movimentações. É muito
triste. Soube que em algumas tribos, as pessoas falecidas foram enterradas nos
caminhos ou perto das casas abandonadas. Ficaram assim, a fim de serem esquecidas.
Os povos da floresta vivem se movimentando. Nessas viagens, mesmo que curtas,
nós trazemos para a aldeia tudo que adquirimos na viagem. Produtos,
conhecimentos, informações e poderes. O mesmo acontece nas viagens xamânicas de
pajés, que procuram a força e a sabedoria de outros seres. Só que nessa tribo
aconteceu uma viagem diferente. Eles abandonaram tudo. Inclusive seus mortos. A
epidemia foi uma desgraça para eles.
FOTÓGRAFO: Isso tem que ter um basta. Essa
falta de respeito com quem cuida da floresta.
CACIQUE: Exatamente. Basta, a tribo está
cansada.
FOTÓGRAFO: Concordo chefe. Basta! A tribo está cansada. (Dirigindo-se à plateia) Vocês não concordam? A tribo está cansada. A tribo está cansada. A tribo está cansada. (Incitando a plateia a gritar) A tribo está cansada. A tribo está cansada.
Nesse momento entra todo o elenco, inclusive o
professor, a pessoa que fez a voz da câmera (com uma grande câmera fotográfica
de papel no pescoço). Todos os participantes do espetáculo podem entrar,
incluindo direção, técnicos etc. Poderão portar cartazes com dizeres tais como:
“abaixo a grilagem de terra” “respeitem os indígenas” “pela preservação das
matas e rios” “Salve a natureza”. “Paz e vida para os índios” “Respeito aos
povos tradicionais” etc. etc.
Todos gritando: A tribo está cansada. A tribo
está cansada. A tribo está cansada.
FIM