Zemaria Pinto
a escrivaninha é um móvel
num ponto inútil da sala (debaixo de uma janela)
sua
pesada arquitetura
torna-a
feia agressiva
aos
olhos acostumados
à
transparência e leveza
dos
outros móveis da casa
nauta de outras geografias
traz tatuada na tampa
os vestígios indeléveis
de batalhas e naufrágios
ais de amor assassinatos
três
conchas feito gavetas
são
depósitos de idéias
onde
traças invisíveis
deixam
traços furiosos
nas
folhas esmaecidas
composições esquecidas
aos poucos são resgatadas
do túmulo violado
já nem tudo reconheço
mas sei que me fazem parte
anêmicas
cançonetas
sonetos
ossificados
noturnos
anoitecidos
baladas
banalizadas
delírios
delituosos
poemas velhos poemas
refletindo no crepúsculo
memórias do meu desejo
Obs: publicado na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, n° 34.