João Bosco Botelho
Permanecem como marco nas atitudes do homem na busca dos mistérios do corpo, os crânios trepanados na pré-história, há 10.000 anos.
Outros estudos paleopatológicos confirmam a solidariedade entre os nossos ancestrais distantes. Um deles, é representado pelos ossos achados na caverna La Lave, na França, de um homem pré-histórico, que sofreu ferimento perfurante de artefato com ponta de pedra, pela frente, no osso sacro, no final da coluna. Esse hominídeo sobreviveu muito tempo após a ajuda de alguém que arrancou parte externa do objeto perfurante, e, sem outra opção, deixou a haste pontiaguda de pedra encravada no sacro. O tempo que a vítima viveu, depois do ferimento, pode ser calculado a partir da regeneração óssea em torno do ferimento no osso.
Porém, os crânios que foram abertos, em diferentes lugares, na Europa neolítica, continuam intrigando os especialistas em história da Medicina. Muitos indivíduos submetidos às trepanações sobreviveram vários anos, o suficiente para que as bordas do osso cortado se regenerassem parcialmente.
O local escolhido do acesso para cortar os espessos ossos cranianos parece ter tido uma significação específica. Alguns povos faziam a craniotomia do osso temporal, outros do parietal, retirando pedaços com formas geométricas diferentes, de poucos centímetros, até grandes aberturas, como a do crânio achado em Collombey-Muraz, na Suíça, feito através da órbita direita, da qual o doente não sobreviveu à cirurgia.
A diversidade de como as craniotomias foram realizadas contribuiu para supor que eram muito difundidas e fizeram parte de um conjunto maior de intervenções do homem no homem, assinalando um momento específico na luta contra a dor e o sofrimento dos entes queridos. O “médico”, naquele momento, deixou de ser mero espectador para tentar mudar, com a sua ação, o curso de um acontecimento na saúde.
Pouco importa qual tenha sido a motivação para que houvesse a concordância do “médico” e do “doente”, respectivamente, para fazer e aceitar a intervenção como necessária. O fato é que foram realizadas e é pouco provável que tenham sido praticadas sob violência.
A frequência dessa cirurgia, nos esqueletos estudados, surpreende ainda mais. No sítio neolítico de Saint-Martin-la-Rivière, na Áustria, foram desenterrados sessenta crânios pré-históricos, dos quais cinco (8%) foram trepanados. Essas cirurgias, feitas em grande número, há mais de 10 mil anos, encontraram a força necessária para a reprodução a partir do momento em que o homem desejou mudar o curso da vida, depois de reconhecer a importância das funções vitais abrigadas na intimidade do cérebro.