Amigos do Fingidor

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
EXEMPLOS DE ANÁLISE

              A análise de texto atomiza o texto poético, fragmenta-o em seus vários elementos constitutivos. Destrói de início a beleza e a emoção do poema, para que, numa síntese final, com suas partes outra vez reintegradas no todo, o poema surja aos nossos olhos muito mais rico em suas significações e muito mais belo em sua dimensão criadora. Exemplifiquemos com um poema-minuto de Cassiano Ricardo realizando uma das várias análises possíveis de serem feitas com “Serenata Sintética”:
 

Lua 

 morta 

      Rua 

     torta 

                                                         Tua 

                                                        porta

 

 

                   O título já nos abre caminho para a compreensão do chamado núcleo ideativo (também conhecido por fulcro temático ou simplesmente tema) do poema, de onde fluem os três pequeninos blocos poéticos (“lua morta”, “rua torta” e “tua porta”), isto é, uma situação amorosa ou um encontro de amor. Concretista “avant la lettre”, Cassiano Ricardo realiza neste poema-minuto a síntese concretizadora de uma situação, onde a rima, o ritmo e a estrutura gráfica exercem cada uma por si – uma nítida função constitutiva no todo. Senão vejamos. O poema flui de uma situação amorosa. O poeta vive uma experiência que envolve simultaneamente uma madrugada, momento em que a lua já desapareceu (“lua morta”); uma rua em curva (“rua torta”) e uma atração amorosa (“tua porta”). Utilizando a arte da alusão (= o recurso de utilizar apenas índices de determinada situação), Cassiano Ricardo fala desse encontro de amor, trazendo ao nível do poema apenas três elementos do espaço que o cercava: “lua”, “rua”, “porta”. A essencialidade das rimas resulta não apenas da perfeita identificação dos sons, “lua/rua/tua” e “morta/torta/porta”, mas principalmente da íntima relação existente dentro da situação criada entre as realidades expressas pelas palavras rimadas. A ausência do luar, a quietude da rua e a porta da amada são as realidades participantes do seu estado amoroso. Note-se ainda que esse estado torna-se uma presença muito mais objetiva, nítida e significativa no poema, pelo fato de vir expresso apenas por nomes (= três substantivos e três adjetivos), o que evidentemente intensifica de tal maneira o valor das realidades em si que a ação ou o estado que as liga (e que seriam expressas pelo verbo) não se faz necessária, está implícita. O ritmo unitário (células rítmicas de uma célula poética) marca os passos lentos e solitários ecoando na rua deserta. A estrutura gráfica, com a disposição pictórica das linhas se deslocando da esquerda para a direita e voltando à esquerda, reforçam visualmente a inscrição do poema num contexto de situação (= poema que registra um fato, uma ação, uma ênfase, enfim). O poeta desvenda – com um mínimo de palavras – um episódio amoroso de maneira mais eloquente, sem dúvida, e incisiva, do que se todo um processo tivesse sido descrito com minúcias (NNC, ob. cit.).