Jorge Tufic
EXEMPLOS DE ANÁLISE
A análise de texto atomiza o texto
poético, fragmenta-o em seus vários elementos constitutivos. Destrói de início
a beleza e a emoção do poema, para que, numa síntese final, com suas partes
outra vez reintegradas no todo, o poema surja aos nossos olhos muito mais rico
em suas significações e muito mais belo em sua dimensão criadora.
Exemplifiquemos com um poema-minuto de Cassiano Ricardo realizando uma das
várias análises possíveis de serem feitas com “Serenata Sintética”:
Lua
morta
Rua
torta
Tua
porta
O
título já nos abre caminho para a compreensão do chamado núcleo ideativo
(também conhecido por fulcro temático ou simplesmente tema) do poema, de onde
fluem os três pequeninos blocos poéticos (“lua morta”, “rua torta” e “tua
porta”), isto é, uma situação amorosa ou um encontro de amor. Concretista
“avant la lettre”, Cassiano Ricardo realiza neste poema-minuto a síntese
concretizadora de uma situação, onde a rima, o ritmo e a estrutura gráfica
exercem cada uma por si – uma nítida função constitutiva no todo. Senão
vejamos. O poema flui de uma situação amorosa. O poeta vive uma experiência que
envolve simultaneamente uma madrugada, momento em que a lua já desapareceu
(“lua morta”); uma rua em curva (“rua torta”) e uma atração amorosa (“tua
porta”). Utilizando a arte da alusão (= o recurso de utilizar apenas índices de
determinada situação), Cassiano Ricardo fala desse encontro de amor, trazendo
ao nível do poema apenas três elementos do espaço que o cercava: “lua”, “rua”,
“porta”. A essencialidade das rimas resulta não apenas da perfeita
identificação dos sons, “lua/rua/tua” e “morta/torta/porta”, mas principalmente
da íntima relação existente dentro da situação criada entre as realidades
expressas pelas palavras rimadas. A ausência do luar, a quietude da rua e a
porta da amada são as realidades participantes do seu estado amoroso. Note-se
ainda que esse estado torna-se uma presença muito mais objetiva, nítida e
significativa no poema, pelo fato de vir expresso apenas por nomes (= três
substantivos e três adjetivos), o que evidentemente intensifica de tal maneira
o valor das realidades em si que a ação ou o estado que as liga (e que seriam
expressas pelo verbo) não se faz necessária, está implícita. O ritmo unitário
(células rítmicas de uma célula poética) marca os passos lentos e solitários
ecoando na rua deserta. A estrutura gráfica, com a disposição pictórica das linhas
se deslocando da esquerda para a direita e voltando à esquerda, reforçam
visualmente a inscrição do poema num contexto de situação (= poema que registra
um fato, uma ação, uma ênfase, enfim). O poeta desvenda – com um mínimo de
palavras – um episódio amoroso de maneira mais eloquente, sem dúvida, e
incisiva, do que se todo um processo tivesse sido descrito com minúcias (NNC,
ob. cit.).