Amigos do Fingidor

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
 
                   Devemos lembrar que existem ainda, além de composições não versejadas, ou de tosca estrutura poemática, a experiência de poesia manipulada (Roberto Pontual), a poesia ambiental, o poema ou a poesia marginal, uma contrafala que prova  a existência de temas, coisas e linguagens proibidas; e, entre tantas outras correntes mais, a poesia alternativa, uma versão de marginal que rejeita a tradição burguesa do suporte consagrado pelo uso de determinado papel, tipo de impressão, etc., que elitiza ou encarece bastante a edição de uma obra, além de condená-la ao semi-ineditismo das tiragens limitadas a 500 ou 1000 exemplares, insuficientes para atingir, sequer, um modesto público de leitores. 

                   Como se vê, entretanto, a poesia e o poema, agora, já não ficam sujeitos a regras, fórmulas, esquemas, doutrinas, teorias, princípios éticos, religiosos, preconceitos de cor, raça ou estigmas de enfermidades congênitas ou adquiridas. O poeta investiga, recolhe e atinge seus pontos de ligação com atividades, sistemas e lazeres que a muitos podem parecer “desligados” de seu próprio universo. Por exemplo, no poema “gOOl... círculo azul aO sul dO azul”, Silva Freire, de Mato Grosso, acompanha, joga e conta a estória completa de uma partida de futebol, em poesia. Seu poema torna-se o campo, a bola, os gols, a torcida, a alegria, o sucesso e a vida de uma tarde de jogo, em pleno estádio. Todos os OO do poema funcionam técnica e artisticamente como a bola que reúne, movimenta e aglutina as equipes em disputa. Mas, como vimos também, os movimentos de vanguarda eles próprios se amarram a determinados esquemas e normas, pelas quais são regidos. Qual a saída pra isso? Sensíveis ao fator liberdade, subjacente ao diálogo entre a Esfinge e o Caminhante, poetas resolvidos pelo “não a tudo isso”, SE PINTAM, de vez em quando, para a guerra. Combatem rótulos e agridem comentários sobre. Para eles, o “sem compromisso” soa, também, como um terrível compromisso. Querem estar de fora, mas não por fora de tanta parafernália de convenções e atitudes fabricadas. O que é poesia, afinal? Síntese de música e palavra? Tropicália ou tropicalismo? Pau-brasil? Independentes, marginais, alternativos, cósmicos, pelados, cabeludos – que nomes sugerem ou exprimem corretamente a aproximação de um sismo ou a morte de um ismo? 

                   A invenção, na esfera das ciências exatas, ainda se depara com barreiras praticamente inacessíveis: como anular a gravidade e converter água em combustível? Em poesia, por sua vez, ainda se trava uma luta sem quartel e sem fronteiras pela abolição de suportes convencionais como o verso, a palavra, o livro, o papel etc. Sendo ela um forte enunciado de conflitos e estranhezas que podem ser identificadas nas demais artes, do desenho comum ao Cinema (este como resumo de todas as artes conhecidas), daí vai que seja permitido experimentar ousadias para externar seus conteúdos de impacto, onde valem materiais, objetos e áreas até bem pouco de uso exclusivo das artes visuais, da música, da escultura, do marketing, do vídeo game, do artesanato, dos cordelins de feira, entre outros. Indo talvez além nos modos de fazer e refazer da comunicação “poética”, basta lembrar que um “marginal” da categoria de Sebastião Nunes, consegue povoar o arcabouço de um soneto clássico com enxertos polivalentes de escabrosa atualidade, montando sátiras bem ao gosto de nossa época. Para uma fuga estratégica do texto convencional, têm-se armado, assim, um contexto imaginário, ou, com mais frequência, um intertexto, quer no sentido de “destruição” que lhe dá Kristeva, quer no de “conclusões da cultura precedente e suas exigências que não podem ser eliminadas”, como quer Humberto Eco. De qualquer maneira, porém, esses processos ajudam a explicar as idéias que separam o poema da poesia, a palavra do verso, entre tantas outras colocações de grupos e movimentos literários.