Jorge Tufic
Devemos lembrar
que existem ainda, além de composições não versejadas, ou de tosca estrutura poemática,
a experiência de poesia manipulada (Roberto Pontual), a poesia ambiental, o
poema ou a poesia marginal, uma contrafala que prova a existência de temas, coisas e linguagens
proibidas; e, entre tantas outras correntes mais, a poesia alternativa, uma
versão de marginal que rejeita a tradição burguesa do suporte consagrado pelo
uso de determinado papel, tipo de impressão, etc., que elitiza ou encarece
bastante a edição de uma obra, além de condená-la ao semi-ineditismo das
tiragens limitadas a 500 ou 1000 exemplares, insuficientes para atingir,
sequer, um modesto público de leitores.
Como se vê, entretanto, a
poesia e o poema, agora, já não ficam sujeitos a regras, fórmulas, esquemas,
doutrinas, teorias, princípios éticos, religiosos, preconceitos de cor, raça ou
estigmas de enfermidades congênitas ou adquiridas. O poeta investiga, recolhe e
atinge seus pontos de ligação com atividades, sistemas e lazeres que a muitos
podem parecer “desligados” de seu próprio universo. Por exemplo, no poema “gOOl...
círculo azul aO sul dO azul”, Silva Freire, de Mato Grosso, acompanha, joga e
conta a estória completa de uma partida de futebol, em poesia. Seu poema torna-se
o campo, a bola, os gols, a torcida, a alegria, o sucesso e a vida de uma tarde
de jogo, em pleno estádio. Todos os OO do poema funcionam técnica e
artisticamente como a bola que reúne, movimenta e aglutina as equipes em
disputa. Mas, como vimos também, os movimentos de vanguarda eles próprios se
amarram a determinados esquemas e normas, pelas quais são regidos. Qual a saída
pra isso? Sensíveis ao fator liberdade, subjacente ao diálogo entre a Esfinge e
o Caminhante, poetas resolvidos pelo “não a tudo isso”, SE PINTAM, de vez em
quando, para a guerra. Combatem rótulos e agridem comentários sobre. Para eles,
o “sem compromisso” soa, também, como um terrível compromisso. Querem estar de
fora, mas não por fora de tanta parafernália de convenções e atitudes
fabricadas. O que é poesia, afinal? Síntese de música e palavra? Tropicália ou
tropicalismo? Pau-brasil? Independentes, marginais, alternativos, cósmicos,
pelados, cabeludos – que nomes sugerem ou exprimem corretamente a aproximação
de um sismo ou a morte de um ismo?
A invenção, na esfera das
ciências exatas, ainda se depara com barreiras praticamente inacessíveis: como
anular a gravidade e converter água em combustível? Em poesia, por sua vez,
ainda se trava uma luta sem quartel e sem fronteiras pela abolição de suportes
convencionais como o verso, a palavra, o livro, o papel etc. Sendo ela um forte
enunciado de conflitos e estranhezas que podem ser identificadas nas demais
artes, do desenho comum ao Cinema (este como resumo de todas as artes
conhecidas), daí vai que seja permitido experimentar ousadias para externar
seus conteúdos de impacto, onde valem materiais, objetos e áreas até bem pouco
de uso exclusivo das artes visuais, da música, da escultura, do marketing, do
vídeo game, do artesanato, dos cordelins de feira, entre outros. Indo talvez
além nos modos de fazer e refazer da comunicação “poética”, basta
lembrar que um “marginal” da categoria de Sebastião Nunes, consegue povoar o
arcabouço de um soneto clássico com enxertos polivalentes de escabrosa
atualidade, montando sátiras bem ao gosto de nossa época. Para uma fuga
estratégica do texto convencional, têm-se armado, assim, um contexto
imaginário, ou, com mais frequência, um intertexto, quer no sentido de
“destruição” que lhe dá Kristeva, quer no de “conclusões da cultura precedente
e suas exigências que não podem ser eliminadas”, como quer Humberto Eco. De
qualquer maneira, porém, esses processos ajudam a explicar as idéias que
separam o poema da poesia, a palavra do verso, entre tantas outras colocações
de grupos e movimentos literários.