Jorge Tufic
Essa dúvida
interna da Poesia, de geração para geração, de poeta para poeta, de escritura
para escritura, a partir de rebeldes “históricos” e do ilustrativo Dada,
continua abrindo passagem em direção a outros sistemas ainda não totalmente
explicados, mas plenamente justificados em nome do poético. Será, portanto, na
diferença entre palavra e signo que se inaugura, aqui, um espaço maior e mais
livre para a libertação do estético, do semântico e do morfológico. Cessa a
expectativa e começa o verdadeiro jogo de armar a Cidade dos Homens, segundo a
paisagem, o clima, a vegetação e o rumo dos ventos. Seja-nos concedido, pois,
darmos início à reconstrução de um mundo geral e solidário ao entendermos
poesia não como deleite, mas como tensão.
O grande incêndio de Roma,
único poema real, aliás, do Imperador Nero, teve seus movimentos iniciais
acompanhados ao som da lira. A reconstrução de Roma, movimento físico ao
inverso do primeiro, que a destruiu, mas sempre tensão e expectativa, mobilizou
a pedra, o músculo e toda uma argamassa disponível. Situado em seu tempo, um
poema alternativo, que nasce de uma transição, não ficaria bem se tirado ao som
da lira ou do sistema off-set: ele
necessita dos temperos mecânicos do prelo, do mimeográfico primitivo ou da
máquina Remington, de tipos quebrados. O poema/processo incorpora os fatos
correntes e os dados estatísticos; ele é digitado ou construído; sua leitura ou
consumo é múltiplo, como de todos os signos. A tensão que se estabelece entre o
ver e o visto, entre o signo e o significado, entre a linguagem e a
precisão (de comunicar, exprimir poeticamente) deriva, com certeza, da
necessidade de fixar, no espaço e no tempo, o objeto focalizado. Mais do que
isso, porém, ela deriva da necessidade que sentimos de povoar nosso espaço
interior de novos objetos e novas “perspectivas” que não estão devidamente
representadas ou nomeadas.
Os signos, partículas ou
módulos de nosso cotidiano, lideram a permanência e a impermanência dos mitos,
sejam eles políticos, literários ou do consumo diário. A Coca-Cola, por
exemplo, é um símbolo e um mito de palatibilidade, como antes fora o soneto
para a nossa visão e os nossos ouvidos. Como se vê ainda, é da essência das
coisas e da poesia elevada à categoria de Esfinge, porque nunca se esgota a
leitura de seus significados, que vem este sopro constante de fogo e ar frio.
De destruição e modelagem. De volta à disponibilidade ou de novos estímulos
vocais, subvocais. Ao contrário do remoto parente que deixamos no mesolítico,
nós dispomos hoje de lápis, papel, tinta, luz elétrica, cartolina, régua, água
encanada, compasso, isopor, serpentina, transporte, rádio, recortes de jornal,
televisão, fotografia, sucatas, objetos sem uso, e até uma nuvem que estiver
passando na hora, pode servir para amortecer a queda de certas imagens.
Para uma leitura científica
do mundo, no entanto, seria recomendável, já em nível acadêmico, a formação,
pelo menos, de um modesto acervo bibliográfico no qual não poderiam faltar os
“Papéis Coligidos”, de Charles Sanders Peirce (cuja vida, “poética” e
“desligada”, foi um modelo de seriedade e desprendimento); os estudos de
Poética reunidos sob o título de Formalismo Russo, Saussure, entre outros. Mas
todo esse trabalho pode ser evitado com a leitura do livro Semiótica & Literatura, de Décio Pignatari. A velha estória de
Newton e a maçã, recontada por esse autor como exemplo, em três fases
distintas, da principal classificação dos signos, ilustra bem nossa “postura”
singular em face de outras “quedas” incessantes que se operam, como no poema de
Huidobro, enquanto que ninguém, salvo os poetas e as crianças, são capazes de
percebê-las no seu dia-a-dia.