Amigos do Fingidor

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Curso de Arte Poética


                    Jorge Tufic
 
 
                     Essa dúvida interna da Poesia, de geração para geração, de poeta para poeta, de escritura para escritura, a partir de rebeldes “históricos” e do ilustrativo Dada, continua abrindo passagem em direção a outros sistemas ainda não totalmente explicados, mas plenamente justificados em nome do poético. Será, portanto, na diferença entre palavra e signo que se inaugura, aqui, um espaço maior e mais livre para a libertação do estético, do semântico e do morfológico. Cessa a expectativa e começa o verdadeiro jogo de armar a Cidade dos Homens, segundo a paisagem, o clima, a vegetação e o rumo dos ventos. Seja-nos concedido, pois, darmos início à reconstrução de um mundo geral e solidário ao entendermos poesia não como deleite, mas como tensão. 

                   O grande incêndio de Roma, único poema real, aliás, do Imperador Nero, teve seus movimentos iniciais acompanhados ao som da lira. A reconstrução de Roma, movimento físico ao inverso do primeiro, que a destruiu, mas sempre tensão e expectativa, mobilizou a pedra, o músculo e toda uma argamassa disponível. Situado em seu tempo, um poema alternativo, que nasce de uma transição, não ficaria bem se tirado ao som da lira ou do sistema off-set: ele necessita dos temperos mecânicos do prelo, do mimeográfico primitivo ou da máquina Remington, de tipos quebrados. O poema/processo incorpora os fatos correntes e os dados estatísticos; ele é digitado ou construído; sua leitura ou consumo é múltiplo, como de todos os signos. A tensão que se estabelece entre o ver e o visto, entre o signo e o significado, entre a linguagem e a precisão (de comunicar, exprimir poeticamente) deriva, com certeza, da necessidade de fixar, no espaço e no tempo, o objeto focalizado. Mais do que isso, porém, ela deriva da necessidade que sentimos de povoar nosso espaço interior de novos objetos e novas “perspectivas” que não estão devidamente representadas ou nomeadas. 

                   Os signos, partículas ou módulos de nosso cotidiano, lideram a permanência e a impermanência dos mitos, sejam eles políticos, literários ou do consumo diário. A Coca-Cola, por exemplo, é um símbolo e um mito de palatibilidade, como antes fora o soneto para a nossa visão e os nossos ouvidos. Como se vê ainda, é da essência das coisas e da poesia elevada à categoria de Esfinge, porque nunca se esgota a leitura de seus significados, que vem este sopro constante de fogo e ar frio. De destruição e modelagem. De volta à disponibilidade ou de novos estímulos vocais, subvocais. Ao contrário do remoto parente que deixamos no mesolítico, nós dispomos hoje de lápis, papel, tinta, luz elétrica, cartolina, régua, água encanada, compasso, isopor, serpentina, transporte, rádio, recortes de jornal, televisão, fotografia, sucatas, objetos sem uso, e até uma nuvem que estiver passando na hora, pode servir para amortecer a queda de certas imagens. 

                   Para uma leitura científica do mundo, no entanto, seria recomendável, já em nível acadêmico, a formação, pelo menos, de um modesto acervo bibliográfico no qual não poderiam faltar os “Papéis Coligidos”, de Charles Sanders Peirce (cuja vida, “poética” e “desligada”, foi um modelo de seriedade e desprendimento); os estudos de Poética reunidos sob o título de Formalismo Russo, Saussure, entre outros. Mas todo esse trabalho pode ser evitado com a leitura do livro Semiótica & Literatura, de Décio Pignatari. A velha estória de Newton e a maçã, recontada por esse autor como exemplo, em três fases distintas, da principal classificação dos signos, ilustra bem nossa “postura” singular em face de outras “quedas” incessantes que se operam, como no poema de Huidobro, enquanto que ninguém, salvo os poetas e as crianças, são capazes de percebê-las no seu dia-a-dia.