Amigos do Fingidor

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Crônicas de um tempo


Marco Adolfs


Nas minhas andanças pela Amazônia, realizando alguns documentários, sempre me deparei com o inusitado e o estranho em cada esquina da “mata”. Lembro de estar em um flutuante-alojamento de pesquisadores da Reserva de Mamirauá, localizado no município de Tefé, a 575 quilômetros de Manaus, onde os pesquisadores assoviavam para que o “cachorrinho” Fred se apresentasse na hora da comida (almoço). Só que o cachorrinho em questão era um enorme jacaré de três metros de comprimento. Verdade! O bicho atendia pelo nome de Fred, e vivia no lago que circundava o nosso flutuante-alojamento. Esperando a hora do lanche para “abanar” o rabinho... e comer. Nesse mesmo lugar, eu e o cinegrafista Bosco (Índio), resolvemos então que no dia seguinte, ainda no escuro da madrugada, sairíamos para fazer algumas tomadas do amanhecer no lago do Mamirauá. Nem dormimos direito e logo estávamos entrando em uma “voadeira” (pequeno barco de alumínio movido a motor) para pegarmos algumas cenas do nascer do Sol em meio a nuvens de um vermelho tinto-sangue. Mas, mal andamos alguns metros e o pequeno barco começou a ser sacudido pelo que parecia ser um improvável terremoto (Mas como? Na água?). Para nossa surpresa estávamos passando bem no meio de um enorme cardume de peixes que, de tão acelerados e afoitos, começaram também a voar, saindo da água em pulos aloucados, diretamente para dentro do nosso barco, atingindo a mim e ao cinegrafista. Posso dizer que naquela manhã não só fizemos belas tomadas da região, rica em uma fauna exuberante, mas também voltamos para o alojamento com alguns peixes de 30 cm para o almoço daquele dia. Nosso almoço e do Fred.
Outro fato interessante aconteceu quando eu estava, sozinho e com uma câmera na mão, seguindo um bando de índios da etnia Miranha, indo para aldeia do Miratu, enquanto filmava um documentário  sobre a farinha do Uarini, no distante município do mesmo nome.  Para quem não sabe, o povo Miranha foi considerado, na história indígena, como uma espécie de “bárbaros” e “antropófagos”. Seus chefes ficaram conhecidos por vender aos brancos prisioneiros inimigos, membros de hordas rivais, ou mesmo seus próprios filhos. Esse termo “Miranha” foi empregado na sociedade colonial como um classificador genérico, que englobaria tribos inimigas. O fato é que lá estava eu, no meio de uma fila de índios Miranha, caminhando com a minha câmera, pelo leito do seco de um rio. Uma caminhada que duraria horas. Eu fora atraído pela história de uma índia, que me dissera que, lá, na aldeia do Miratu, estavam aparecendo, nos quintais de suas casas, peças arqueológicas estranhíssimas. Deixei o documentário sobre a farinha do Uarini de lado e fui atrás de tal achado.
Lá pelas tantas, depois de muito caminhar, apareceu um índio vindo no sentido contrário ao nosso. Vinha correndo e com um enorme facão luzidio, de tão afiado e brilhando ao sol. Se aproximou do branco da história (eu!) e começou a esfregar o facão pelo meu pescoço, enquanto falava alguma coisa em seu dialeto. Fazia cara de brabo e parecia prestes a me degolar ali mesmo. Mas não demorou muito a seriedade geral, e os outros não contiveram o riso e caíram na gargalhada generalizada. Riam aos borbotões; de caírem ao chão. Foi quando o índio antropófago também riu e se apresentou.
– Prazer, meu nome é Jozildo e sou professor de História em uma escola em Uarini...Também sou o tuchaua (cacique ou chefe) da tribo...Seja bem-vindo.
Dali para frente a gaiatice era geral entre todos. Mas, naquela caminhada, além de afundar, com câmera e tudo, em uma areia movediça que existia no caminho, tive ainda que beber uma bebida vermelha, fermentada, que eles haviam preparado para uma festa improvisada. Preciso dizer que tive alucinações?...