Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sopros do oboé, inusitado e precioso


Zemaria Pinto
  

Enquanto a maioria dos autointitulados “poetas” amazonenses continua derramando sua insuportável dor de cotovelo em livros que vão ao chão à mais leve brisa de uma análise isenta de compadrio, o carioca-manauara Sérgio Luiz Pereira vai construindo uma reputação que o coloca entre os grandes Poetas (faço questão da maiúscula, como antes, das aspas) que circulam e vivem e sofrem e, principalmente, se divertem, nesta terra de Ajuricaba.

Se divertem (atenção, revisão: quero o pronome aí mesmo! Viva a eufonia! Viva a música da poesia!), se divertem, sim. E aqui contrario os adeptos do sofrimento mesquinho como fonte de inspiração. Bobagem. Poesia é trabalho, é transpiração. E como todo trabalho, quando bem realizado, é fonte de felicidade para o seu autor. Budista, Sérgio conhece a equação que une humildade e dedicação ao trabalho à felicidade:
 

O galo sabe que a manhã não tarda
E vem cobrir de cantos o caminho.
Hei de sorver o verbo que me aguarda
Bebendo-o, gole a gole, com meu vinho.  

Se As cordas da lira não constituíram nenhuma surpresa aos (raros) que já conheciam a poesia de Sérgio Luiz Pereira, estes Sopros do oboé vêm revelar um poeta plenamente amadurecido. Senhor de seu ofício, eu diria, não fosse este surrado chavão pouco para dizer da mestria com que Sérgio trata a palavra. Desde os sonetos ingleses encadeados de Lágrimas e rios aos sonetos Shakespearianos e Petrarquianos, Sérgio mostra total domínio sobre sua forma preferida. Mas, não satisfeito, adentra às sendas de Bashô e às coleções modeladas nos grandes mestres do soneto, junta as Bashonianas, coletânea de haicais. Mas o requinte supremo está na pequena jóia dedicada ao grande Mauri Marques, onde o haicai se incrusta no soneto, promovendo um inusitado encontro entre as duas formas:
 

E dele (O haicai) se envolve sem recatos
E não Trabalha em ocioso plano.
Instante Alento a rajada de vento: é do ano
Branco Leque precioso. De ornatos. 

Na poesia de Sérgio Luiz Pereira, o adjetivo precioso tem um sentido positivo – e não aquele a que nos acostumamos, para classificar o formalismo afetado e de mau-gosto, típico de uma poesia que, tendo morrido com o parnasianismo, teima em não deitar. Em Sopros do oboé, pelo contrário, a forma é submissa ao conteúdo e, sobretudo, é parte dele. Observe, leitor, no exemplo abaixo, como a sonoridade das aliterações sombrias reflete o texto do poema:
 

Terra infeliz onde assassinam pobres
Todos os dias com assinaturas
Onde tu, ó grã corrupção, encobres
Com ouro bocas fétidas e impuras.
 
Eu, que combato cotidianamente os moinhos de vento da obviedade e da mesmice, não poderia ser mais óbvio: a literatura amazonense está mais rica, mais pujante e mais bela com estes Sopros do oboé. Só não vê quem não qué!!!


Orelha do livro Sopros do Oboé (Manaus: Uirapuru, 2004), de Sérgio Luiz Pereira.