Zemaria Pinto
Enquanto a maioria dos autointitulados “poetas”
amazonenses continua derramando sua insuportável dor de cotovelo em livros que
vão ao chão à mais leve brisa de uma análise isenta de compadrio, o
carioca-manauara Sérgio Luiz Pereira vai construindo uma reputação que o coloca
entre os grandes Poetas (faço questão da maiúscula, como antes, das aspas) que
circulam e vivem e sofrem e, principalmente, se divertem, nesta terra de
Ajuricaba.
Se divertem (atenção, revisão: quero o pronome aí
mesmo! Viva a eufonia! Viva a música da poesia!), se divertem, sim. E aqui
contrario os adeptos do sofrimento mesquinho como fonte de inspiração. Bobagem.
Poesia é trabalho, é transpiração. E como todo trabalho, quando bem realizado,
é fonte de felicidade para o seu autor. Budista, Sérgio conhece a equação que
une humildade e dedicação ao trabalho à felicidade:
O galo sabe que a manhã não tarda
E vem cobrir de cantos o caminho.
Hei de sorver o verbo que me aguarda
Bebendo-o, gole a gole, com meu vinho.
Se As cordas da lira não constituíram nenhuma
surpresa aos (raros) que já conheciam a poesia de Sérgio Luiz Pereira, estes Sopros
do oboé vêm revelar um poeta plenamente amadurecido. Senhor de seu ofício,
eu diria, não fosse este surrado chavão pouco para dizer da mestria com que
Sérgio trata a palavra. Desde os sonetos ingleses encadeados de Lágrimas e rios
aos sonetos Shakespearianos e Petrarquianos, Sérgio mostra total
domínio sobre sua forma preferida. Mas, não satisfeito, adentra às sendas de
Bashô e às coleções modeladas nos grandes mestres do soneto, junta as Bashonianas,
coletânea de haicais. Mas o requinte supremo está na pequena jóia dedicada ao
grande Mauri Marques, onde o haicai se incrusta no soneto, promovendo um
inusitado encontro entre as duas formas:
E dele (O haicai) se envolve sem recatos
E não Trabalha em
ocioso
plano.
Instante Alento a
rajada de vento: é do ano
Branco Leque
precioso.
De ornatos.
Na poesia de Sérgio Luiz Pereira, o adjetivo precioso
tem um sentido positivo – e não aquele a que nos acostumamos, para classificar
o formalismo afetado e de mau-gosto, típico de uma poesia que, tendo morrido
com o parnasianismo, teima em não deitar. Em Sopros do oboé, pelo
contrário, a forma é submissa ao conteúdo e, sobretudo, é parte dele. Observe,
leitor, no exemplo abaixo, como a sonoridade das aliterações sombrias reflete o
texto do poema:
Terra infeliz onde assassinam pobres
Todos os dias com assinaturas
Onde tu, ó grã corrupção, encobres
Com ouro bocas fétidas e impuras.
Orelha do livro Sopros do Oboé (Manaus: Uirapuru, 2004), de Sérgio Luiz Pereira.