Começa que Alô, doçura! – os protocolos secretos da AMOAL (Antiga e Mística Ordem dos Abatedores de Lebre) não é propriamente um livro, mas uma suma simoniana. E aqui utilizo suma no sentido escatológico, e não teológico, entendo-se escatologia no seu sentido teológico-axial. Quer dizer: sacanagem pouca é bobagem.
Reunindo os textos do Manual do Canalha e do Manual do Espada, remixando uns, reconstruindo outros, mais uns tantos inéditos, temos um apanhado da melhor literatura erótica do ocidente, desde o Cântico dos cânticos, atribuído a Salomão (ou vocês acham que um cara que tem 400 mulheres vai ter equilíbrio hormonal para escrever aqueles versos idiotas?), até o próprio Simão Pessoa, que, em pleno século XXI, mantém a tradição da literatura que tem entre seus expoentes os gregos Safo e Anacreonte, os romanos Ovídio e Petrônio – e mais Boccaccio, Rabelais, Aretino, Sade, Sach-Masoch, Bocage, Anaïs Nin, D. H. Lawrence, Jean Genet, William Burroughs e Henry Miller. Só por essa lista essencial, você já sacou que a AMOAL é coisa séria.
Com uma origem que remonta a um tempo mítico, muito além do tempo cronológico primordial, a AMOAL nasceu da Machonaria, entidade secreta que em nada pode ser confundida com aquela outra de nome ligeiramente parecido e muito menos história. O símbolo da organização, pelo menos no Brasil, é ninguém menos que Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, que às vezes tem a cara do Grande Otelo, às vezes, a do Paulo José, não sendo nenhum dos dois, nunca. Macunaíma, que os macuxis muito apropriadamente chamam de Macunaima, com a tônica no segundo a, foi escolhido certamente por ser “o protótipo do macho amazônico, fodedor exemplar, que não se prende, jamais, a nenhuma fêmea, fazendo da vida uma aventura errante”, como observou a professora Theófila Belisário, citando o grão-sacerdote da AMOAL Vinicius de Moraes, na edição crítica para o livro de Mário de Andrade, de 1978, quando Macunaíma completava 50 anos. Agora, aos 80, ele está mais contemporâneo e, por que não dizer?, mais atemporal que nunca. A propósito, ninguém mais antimacunaíma que o velho Mário de Andrade. Benzadeus...
Para quem já passou pelos manuais anteriores, estes Protocolos servirão, até o capítulo 23, como uma reciclagem, ou, melhor dizendo, uma revisão de princípios, pois o material inédito, a partir do capítulo 24 (que coisa!), só deve ser lido por mentes que já atingiram um grau superior no entendimento de qual realmente é o papel do macho na face da terra – além de cuidar das tarefas básicas essenciais, como fazer o café, levar as crianças para escola, pegar as crianças na escola, servir o almoço, manter a casa arrumada etc. Em todo caso, há sempre a saída das “poções mágicas e rituais de purificação”, que você deve usar/fazer sempre de óculos escuros, tipo formiga atômica, e sombrero mexicano, para evitar que alguém te reconheça, sabe como é?
Para os neófitos (que língua, a nossa!), informações importantíssimas sobre o que há de mais antigo – as feministas – e o que há de mais novo nessa barafunda – os metrossexuais. Na relação homem/mulher, que deveria se pautar pela simplicidade de um botaetiraepõe, essas duas espécimes vieram embaralhar o jogo. Para entendê-los, há um capítulo específico – o dos bichos escrotos. Mas não é só isso: tudo o que você queria saber sobre a bunda, mas tinha medo de perguntar; os rituais de fertilidade; a síndrome do casamento (um dia você vai ter um...); e a arte mágica da sedução – da cunhada à empregada, tudo é peixe na sua rede.
Sempre associei literatura com prazer. Aliás, sempre associei o que gosto com prazer. Ao ter nas mãos mais um livro do Simão Pessoa, não posso deixar de pensar que este (o livro, pô!) é um instrumento de prazer. Espero que seja bom pra você também.
(Zemaria Pinto, na apresentação de Alô, Doçura! - os protocolos secretos da AMOAL)