Amigos do Fingidor

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Revista Literária – Entrevista com Zemaria Pinto
Seu nome oficial é José Maria Pinto de Figueiredo, mas ele prefere que o chamem de Zemaria Pinto. É amazonense, de Manaus, onde reside desde sempre, mas, por mero acaso, nasceu em Santarém, no Pará. É formado em Economia, com pós-graduação em Análise de Sistemas e em Literatura Brasileira.

Autor de sete livros, desde 2004 ocupa a cadeira nº 27 na Academia de Amazonense de Letras, cujo patrono é Tavares Bastos. Uma de suas características, e qualidades, é se empenhar em divulgar a literatura, com destaque para a amazonense.

Revista Literária – Sua primeira obra Fragmentos de Silêncio é de 1995. Em 2008 você lançou seu sétimo livro, O Texto Nu. A que veio o escritor Zemaria Pinto?

Zemaria Pinto: Sempre fui muito autocrítico, por isso comecei a publicar tão tarde. Em 1982, fui classificado em terceiro lugar num concurso promovido pelo Governo do Estado, vencido pelo Alexandre Otto, com o Max Carphentier em segundo. Eu estava, aos 25 anos, em muito boa companhia. Aquele livro, chamado Noturno ao meio-dia, já poderia ter sido publicado. Mas eu tinha consciência da minha imaturidade. Alguma coisa daquele livro entrou em Fragmentos de Silêncio. Mas só alguma coisa...

A experiência de 11 anos como professor de Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Latina foi fundamental para amadurecer o crítico de O Texto Nu, um livro que escrevi para mim mesmo, mas pensando também nos meus alunos. O livro, na verdade, são as minhas aulas de Teoria da Literatura, com um adendo, tirado de uma palestra, que é a Teoria da letra-poema.

Ao poeta e ao ensaísta veio juntar-se, em algum momento, o dramaturgo. São sete ou oito peças, quatro delas encenadas. Há alguns anos, venho fazendo também umas experiências em prosa. Em 2009 deve ser publicada, pela Valer, uma novela juvenil intitulada A Cidade Perdida dos Meninos-Peixes.

No momento, estou empenhado em escrever um livro sobre os poetas do Clube da Madrugada, um projeto com o músico Mauri Marques: um CD e um livro, que devem ser vendidos juntos. No mais, o único plano que tenho para o futuro é continuar escrevendo e dando minhas palestras, uma atividade que substitui, com vantagens, a sala de aula, porque, no fundo, eu sou apenas um professor.

RL – Para aqueles que ainda não o conhecem gostaria que, em rápidas palavras, falasse sobre cada um dos seus demais livros e que tipo de leitor você busca atingir.

ZmP: Música para surdos, meu segundo livro de poemas, é um livro mais trabalhado, mais racional que o Fragmentos de Silêncio. Continuo escrevendo poesia e acalentando um projeto, para 2012 em diante: reunir meus poemas num único livro, com um terceiro título. Se continuar escrevendo poesia depois disso, será apenas acrescentado àquele título. Já fiz isso com o Dabacuri, onde reuni todos os meus haicais.

Os dois livros de ensaios para o vestibular foram muito importantes como exercícios. E a parceria com o professor Marcos Frederico só me enriqueceu.

Nós, Medéia foi premiado como melhor texto adulto em concurso da Secretaria de Cultura. Foi publicado em uma série de dramaturgos amazonenses, mas a frustração permanece: até hoje não consegui encenar a peça. E o mais importante para o teatro é o palco: se um texto não vai ao palco não é teatro, é só literatura.

Tem um livro meu – que não é meu – que eu gosto muito: A Uiara & outros poemas, de Octavio Sarmento, um autor que morreu em 1926. Eu organizei e fiz o ensaio introdutório. Uma palestra de encomenda para a Academia de Letras virou um livro para entrar na história da literatura amazonense, porque até então Octavio Sarmento, que jamais publicara um livro, era um desconhecido. A Uiara é não só boa literatura, mas tem um papel fundamental na compreensão da poesia amazonense que antecede o Clube da Madrugada.

O meu leitor ideal é aquele que gosta de boa literatura. É para ele que eu escrevo. Quer dizer, no final das contas, para mim mesmo.

RL – Em O Texto Nu, o que você procura? Ser fiel ao título e desnudar o texto? Esclareça mais sobre esse livro.

ZmP: O Texto Nu começou a ser pensado há mais de dez anos, nas minhas conversas com o Paulo Graça. Estávamos de acordo que precisávamos de um livro de Teoria da Literatura, que servisse de guia a nossos alunos, obrigados a comprar diversos livros, para cobrir toda a matéria. A Valer tinha uma coleção chamada "Como Funciona", na qual o Paulo chegou a publicar um livro sobre poesia – Como Funciona a Poesia. A idéia era que ele escrevesse também um Como Funciona a Teoria da Literatura. Infelizmente, ele morreu antes de iniciar o projeto. Em 2001, resolvi encarar o desafio. Foram cinco anos de trabalho – sem nenhuma pressa. Em 2006, entreguei o livro à editora e agora ele se materializou.

O livro trata desde a origem da Teoria da Literatura, seus conceitos fundamentais, os gêneros, os estilos de época, as escolas críticas etc. Tem um exemplo de aplicação da Teoria, com uma análise de Morte e Vida Severina, de João Cabral, e um exemplo de como a Teoria é dinâmica, com uma teoria que eu mesmo desenvolvi, para melhor compreensão das letras de música popular: a Teoria da letra-poema.
A despeito de ser um livro didático, dirigido a professores e alunos de Letras, pode ser lido por qualquer pessoa que tenha interesse nos aspectos, digamos assim, mais técnicos da literatura. A Valer se esmerou na produção do livro, que está muito bem editado. Sem falsa modéstia, é um livro bonito, em todos os aspectos.

RL – Como pouquíssimos no Amazonas, você é um grande divulgador da literatura amazonense. Participa de, e divulga, eventos culturais, se “mistura” com antigos e novos autores, usa a internet como poderoso meio de difusão. Zemaria Pinto “é o cara”?

ZmP: Quando eu divulgo a literatura amazonense estou me divulgando também. Participar dos eventos, me “misturar”, faz parte de uma concepção de vida: para mim, como canta o Milton Nascimento, o artista tem de ir aonde o povo está. Isso não me faz diferente, até porque eu faço apenas aquilo que eu acredito seja correto. Embora a atividade do escritor seja solitária, ele não pode se isolar numa torre de marfim. Tem que vir pra avenida, se misturar com o povo, fazer parte da multidão.

Incentivar os mais jovens, por exemplo, eu aprendi na prática: com o Alcides Werk, o Antísthenes Pinto, o Arthur Engrácio, o Thiago de Mello, o Jorge Tufic. Esses sempre me incentivaram e, mesmo quando eu era inseguro, me deram sempre a maior força.

RL – Você tem dois blogs. Explique o objetivo de cada um deles, pois cada um é bem específico, e por que dois?

ZmP: A história começa há 15 anos, em 1993. Eu já não era nenhuma criança quando resolvi, incentivado pelo Simão Pessoa, principalmente, criar um fanzine, chamado o fingidor, com minúscula mesmo, com a finalidade de divulgar a poesia da minha geração: o próprio Simão, Cláudio Fonseca, Arnaldo Garcez, Engels Medeiros etc. O jornalzinho (duas folhas de papel A4, dobrado, 8 páginas) feito ainda no Wordstar, tio-avô do Word, fez sucesso nacional. 300 exemplares se multiplicavam em milhares, porque as pessoas tiravam cópias e tal. Isso, no Brasil inteiro, graças aos endereços que o Simão me passou. Gente importantíssima como Glauco Mattoso, Alice Ruiz, Rubervam du Nascimento, Eliakin Rufino e Leila Míccolis era “correspondente” do fingidor. Entre 1993 e 2002 fiz 16 números, entre paradas e retomadas. Era muito cansativo – além do desgaste das pessoas que se achavam injustiçadas por ficar de fora. Fiz algumas inimizades por conta disso. Mas aconteceu também muita coisa boa, e o fingidor acabou por ser um veículo não apenas para os poetas da minha geração, mas também para o pessoal do Clube da Madrugada, e também para os novíssimos. Foi lá que começou a “estante do tempo”, homenageando os poetas já falecidos.

Pois bem: desde setembro passado, O Fingidor voltou, agora em versão eletrônica e letras maiúsculas, trazendo, além de um poema por dia, a reprodução de um quadro. Podem dizer qualquer coisa, mas é impossível negar que é muito bonito – principalmente, pelos quadros... Observe que, de segunda a quinta, só entram poetas do Amazonas. Na sexta é a vez dos poetas “brasileiros”, onde eventualmente entra algum amazonense que mora fora, como o Tufic, o Donaldo e a Astrid; sábado é poesia em tradução; e o domingo é reservado aos clássicos da língua portuguesa.

O outro blog, Palavra do Fingidor, complementa o primeiro, que eu não queria “poluir”, com notícias, comentários etc. Então o Palavra ficou assim, solto, sem compromisso de postar todo dia, mas ele começa a tomar a feição de um espaço para a discussão de idéias, especialmente relacionadas à estética. Muita gente me pergunta pelo trabalho que dá, quando deveria perguntar pelo prazer, muito maior que qualquer trabalho.

Deixando de novo a modéstia de lado, acho que estou construindo alguma coisa que no futuro será muito útil. O Fingidor, como espaço democrático onde pode ser encontrada a poesia amazonense mais representativa. O Palavra, registrando eventos e discutindo idéias. Em apenas três meses, já estamos perto das 300 postagens; imagine como será daqui a três anos... Só espero ter saúde para isso.


(A Revista Literária é produzida pelo escritor Evaldo Ferreira e circula somente via e-mail; solicitações para evaldo.am@hotmail.com)