Amigos do Fingidor

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A miragem elaborada – 1

(um voo livre sobre a poesia de Alcides Werk)
Zemaria Pinto*

Ao Professor Doutor Marcos Frederico
Krüger Aleixo, que orientou
este trabalho.

Elaboro miragens e as persigo
com a determinação dos suicidas.
(Alcides Werk, in “Estudo XII”)

Por que não recortar as minhas incursões
de poeta-crítico em prosa porosa?
(Augusto de Campos, in O anticrítico)

No chão, depois de antes



Cidadão do mundo, o poeta forja seu trabalho com inequívoca identidade amazônica, adquirida à força da experiência de mais de 30 anos em contato direto com a região.

Nascido em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, desde cedo – por força do caráter aventureiro de seu pai – Alcides acostuma-se ao nomadismo das andanças Brasil afora. Com apenas 20 anos, ainda “praça”, chega ao Amazonas, que em pouco tempo conhece – desde o Alto Solimões ao Baixo Amazonas – e de onde sai, ainda sequioso de aprendizagem, anos depois, em 64, indo para o Nordeste, acossado pela “redentora”, a quem o jovem poeta incomodava por suas posições lúcidas e coerentes.

Funcionário de carreira do DCT (posteriormente desmembrado em ECT e DENTEL), ainda antes do fim da década de sessenta retorna ao Norte, fixando-se no Médio Amazonas – Maués, Nhamundá e áreas circunvizinhas

aventurando-me pelos altos rios, pelos paranás, pelos lagos distantes,
abeberando-me do que ainda resta da cultura aborígine,
do nosso ameríndio, do caboclo, aprendendo a viver com simplicidade,

Como ele mesmo afirma nos “traços autobiográficos” da antologia Marupiara.

Essa vivência intensa, construída muito além de meras lembranças, chama a atenção na poesia de Alcides Werk, onde o elemento tratado – a terra, a água, o homem – é real, tangível.

A partir dessa observação – um tanto simplificadora –, a escolha do espaço como primeiro elemento de abordagem foi até óbvia: os poemas de Alcides Werk têm a imagem como preocupação intrínseca. Insisto: são imagens de lembranças, são fatos vistos no presente, são vivências exteriores interiorizadas na poesia.

O texto básico desta análise é o subtítulo “O homem e a terra”, do livro Trilha dágua, 3ª edição. Foram, entretanto, objeto de estudo textos afins das antologias Poemas da água e da terra e Murupiara.

O segundo elemento de abordagem é a dicotomia claro x escuro, que perpassa toda a poesia de Alcides Werk, representada na oposição dia x noite, sem o maniqueísmo fácil da oposição bem x mal. Alcides permite que os símbolos reflitam a ocasião, sem preconceitos estereotipados, valorizando, assim, a leitura prazerosa.

Para esta segunda análise não há um texto básico, posto que a característica tratada é marcante em toda a obra do poeta, tendo sido utilizados o Trilha dágua, em sua totalidade, e as antologias.

Para efeito de comparação entre os textos, foram utilizadas também as duas primeiras edições de Trilha dágua, bem como o primeiro livro do autor, Da noite do rio, a bem da verdade, a edição “zero” de Trilha dágua, porque este é aquele, aumentado.

Não foram incluídos neste trabalho, por terem sido publicados esparsamente, acima de uma dezena de poemas novos, cada vez mais fortes, mais telúricos, prenhes de sentimento à terra, à água, à mata, ao Homem.

Um vôo livre? Sim, desatrelado das peias de um academicismo que poderia até desviar a atenção do objeto estudado, as raras citações foram consideradas como reforço ao texto eventualmente capenga.

No mais, a bibliografia é responsável pelo que sobrar de positivo no resultado final. Mergulho.

Manaus, março a outubro de 1989

(*) Ensaio originalmente apresentado como trabalho final do
Curso de Pós-Graduação em Literatura Brasileira,
na Universidade Federal do Amazonas, em 1989.
Foi publicado na 4ª edição do Trilha dágua (1994)
e em Toda Poesia (2004).

Obs: será postado sempre às sextas-feiras.