Amigos do Fingidor

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A miragem elaborada – 3

Zemaria Pinto
O homem ocupa o espaço


II


No poema “Do homem”, Alcides Werk persegue a idéia da solidão do homem amazônico em oposição à vastidão do espaço. Um espaço transcendente, intemporal, aumentado pela força das palavras:

                    minha alma perdida
                    vagou pelo tempo
                    vagou pelo mundo

É o ser metafísico – invisível, impalpável, irremediavelmente só –que vê verdades e deuses nascendo e morrendo. Vagar pelo tempo nos dá a dimensão da infinitude dessa viagem: vagar pelo tempo/mundo é ver o homem refazendo, redefinindo, reinventado seu modo se ser. Vagar pela imensidade da imaginação poética é ver a grande aventura humana reconstruir-se a cada manhã: a esperança. Há esperança na “aurora que vem”. Ainda que uma imagem gasta, imprescindível no corpus do poema, como uma forma de situá-lo no tempo. O tempo que se renova rotineiramente, com o homem.

Sob o olhar do poeta, o cotidiano se transfigura em esperas e estas são sua história de 30 mil anos. Nesse sentido, a palavra poética torna-se histórica por ser uma condição prévia à existência da sociedade a que irá aludir em tantos outros poemas.

A idéia de viagem do ser poético pelo tempo/mundo completa-se na observação dos tempos dos verbos empregados. Nas três primeiras estrofes, os verbos estão no pretérito perfeito, enquanto que na última, a lembrança evocada traduz-se no presente do indicativo:

                     é o Homem
                        aurora que vem

É interessante notar ainda a idéia de grandeza que perpassa todo o poema, analisando-se seus predicados de abrangência, intensidade e profundidade: a abrangência percebe-se pelo espaço físico/mental alcançado pelo ser poético:

                     vagou pelo tempo
                     vagou pelo mundo

A intensidade, por outro lado, observa-se na oposição (valor positivo x valor negativo) dos sentimentos vividos:

                     chorou de amargura
                     vibrou de alegria

                     clamou pela guerra
                     clamou pela paz

                     viu deuses brotando
                     viu deuses morrendo

Finalmente, a profundidade revela-se na magnitude mesma da lembrança, reforçada pela maiúscula do substantivo Homem – a que o poeta dirige seu canto –, cuja tarefa conclusiva não exclui valores que implicam em grandeza, seja pelo reforço do adjetivo imenso junto ao substantivo milagre, seja pela imagem já por si só grandiosa, da aurora.

                     é o Homem tecendo
                     o imenso milagre
                     da aurora que vem.

Este último verso, aliás, quebra toda uma sequência iniciada no primeiro verso, de tons predominantemente graves, abrindo as vogais como um grito de felicidade, amenizado pelos bemóis finais:

                     da au/ro/ra/ que/ vem

O grito da aurora rompe a escuridão.