Zemaria Pinto
O homem ocupa o espaço
I
A evolução da obra de Alcides Werk traz como canto anunciador, desde Da noite do rio, o poema “Da opção”. A opção é cristalina, não deixa margem a outras interpretações. O poeta não escamoteia o objeto do seu canto:
O homem cansado
de andar pelo tempo
sozinho sozinho
à margem da vida.
Cantar para o homem em função do homem amazônida.
o homem e a terra
Como o poeta reafirma.
O homem, claro. Mas e a terra? A terra vasta, a terra imensa
de muitos lagos
de muitos rios
de muitas matas
de muitas lendas
torna-se maior ainda no devaneio do poeta, que ao fechar os olhos para melhor contemplar seu “belo mundo”, sintetiza a imensidão ao contrapor imagens de uma realidade sonhada com uma realidade vivida:
de muitas vidas
elementares
de muitas mortes
antecipadas
A essa idéia indesejada de morte, o poeta quebra a regularidade do ritmo, abre os olhos e vê-se, ele próprio, personagem de seu poema: seu imenso mundo volta-se para dentro do homem-poeta-mundo amazônico.
a terra cansando o homem cansado
dos anos compridos de andar pelo tempo
de extrativismos sozinho sozinho
na selva no meio da mata
no rio na beira do rio
na rua à margem da vida.
na mente.
Ao conceito de terra cansada – a terra empobrecida pelo uso constante da cultura extrativista, não reciclada – contrapõe-se a imagem do homem cansado, “sozinho sozinho”, marginalizado. A terra cansada: na selva, no rio, na rua, na mente. Na mente do homem. E aqui o espaço amplia-se: à terra “de água e florestas” soma-se a rua – espaço urbano do homem – e a mente do homem – seu espaço mais interior.
Por outro lado, a leitura cruzada desses dois trechos do poema, como se fossem uma única estrofe,
A terra cansando o homem cansado
dos anos compridos de andar pelo tempo
de extrativismo, sozinho sozinho
na selva, no meio da mata
no rio, na beira do rio
na rua, à margem da vida.
Na mente.
reforça ainda mais essa idéia, levando-a além: a força do imutável abandono a que a terra é relegada, leva o homem amazônico a seu inexorável destino: da selva, pelo rio, à cidade. À marginalidade.