Zemaria Pinto*
Informação biográfica
José Martiniano de Alencar nasceu na cidade de Mecejana (hoje, integrada à grande Fortaleza), no Ceará, a 19 de maio de 1829. Ainda criança foi com a família para o Rio de Janeiro, capital do Império, onde seu pai era senador. Em São Paulo, formou-se em Direito, mas logo retornou ao Rio, onde, além de advogar, iniciou-se como jornalista, em 1850.
Em 1860, elegeu-se deputado federal e de 1868 a 1870 foi Ministro da Justiça de Pedro II. Na sequência, mesquinharias da disputa política tiraram-no de vez da vida pública.
Falecido em plena maturidade literária, aos 48 anos de idade, a 12 de dezembro de 1877, José de Alencar deixou obra volumosa, entre romances, novelas, peças de teatro, crônicas e poemas. Figura de proa do Romantismo brasileiro, podemos dividir sua obra de ficção em quatro grandes grupos: indianista (O Guarani, Iracema), histórico (A Guerra dos Mascates), regionalista (O Gaúcho, O Sertanejo) e urbano (Senhora, Diva, Lucíola).
Principais Obras – Romances e Novelas
. Cinco Minutos (1856)
. O Guarani (1857)
. A Viuvinha (1860)
. Lucíola (1862)
. As Minas de Prata (1862-66)
. Diva (1864)
. Iracema (1865)
. O Gaúcho (1870)
. A Pata da Gazela (1870)
. O Tronco do Ipê (1871)
. Sonho d’Ouro (1872)
. Til (1872)
. Alfarrábios (1873)
. A Guerra dos Mascates (1873)
. Ubirajara (1874)
. Senhora (1875)
. O Sertanejo (1875)
. Encarnação (1877)
Contexto Histórico
O nascimento de uma nação
Apenas 14 anos separam a Independência (1822) e o início do Romantismo no Brasil (1836). Os intelectuais brasileiros, na luta pela liberdade política, tinham consciência do papel que desempenhavam na construção da nação que surgia. Por isso, em suas obras, ufanavam-se de seu país, valorizavam sua terra e procuravam pintar, com as tintas da época, a realidade daquele momento.
É através da literatura, muito mais que da política, que José de Alencar desempenha um papel relevante dentro do contexto social da nação que se firmava. Assim, de maneira consciente, procurou traçar um “retrato” do Brasil, tanto no tempo (através dos romances históricos e indianistas) quanto no espaço (nos romances regionalistas e urbanos).
José de Alencar é contemporâneo do Segundo Reinado (1840/1889), exercendo sua atividade intelectual sob o governo de Pedro II. O período é de transformação social e de prosperidade econômica, baseada na cultura do café, que, por muitos anos, ainda seria o sustentáculo da nação. Sob esse influxo, são criados bancos, indústrias, estradas, companhias de comércio... É o progresso, enfim, que vai refletir no ritmo da vida urbana. O Rio de Janeiro é a capital do país e a melhor representação do Brasil urbano, com suas lojas de artigos importados, as costureiras famosas da rua do Ouvidor, e os salões frequentados pelas futilidades de todos os matizes.
A importância dos centros urbanos para a literatura reside na consolidação do romance como fonte de entretenimento, pois dentro das cidades é que estão os leitores abastados, e que buscam o deleite da leitura. Leitores como os referidos em Senhora:
Pela manhã Aurélia mandou comprar o romance, e o leu em uma sesta, ao balanço da cadeira de palha, no vão de uma janela ensombrada pelas jaqueiras cujas flores exalavam perfumes de magnólias.
À noite aparece o crítico.
– Já li a Diva; disse depois de corresponder ao cumprimento.
– Então? Não é uma mulher impossível?
– Não conheço nenhuma assim. Mas também só podia conhecê-la Augusto Sá, o homem que ela amava, e o único ente a quem abriu sua alma.
(Resgate, II)
Por conta dos romances urbanos, que retratam o Rio de Janeiro do século XIX e sua sociedade, Alencar concebe seus melhores personagens, pois, criando-os sob uma perspectiva prenunciadora do realismo, dá-lhes características complexas, onde se entrelaçam o Bem e o Mal. Personagens fecundos, quase humanos, como Paulo e Lúcia (de Lucíola) e, principalmente, Aurélia e Seixas (de Senhora).
A sociedade em mutação – um tema para Alencar
Senhora, Diva e Lucíola são os livros mais representativos dentre os romances urbanos de Alencar. Mostram o Rio de Janeiro e a sociedade daquele período, embora sob a ótica conservadora do autor, de maneira bastante fiel, retratando o comportamento da sociedade, e hoje nos servem como base para traçar um panorama de época, se não fiel, bem aproximado do real.
Em Senhora, o autor trata, com elegância, denunciando seu anacronismo, de uma prática que ainda estaria vigente por muito tempo: os “arranjos” matrimoniais, reflexos de uma sociedade dominada pelo homem, machista, patriarcal. Com estudada ironia, retrata a sociedade fluminense, desfilando seu ócio pelos salões da Corte, por entre Aurélias, Lísias, Adelaides, e os indefectíveis “leões”.
Como há leitores que não conseguem, diante de uma obra de arte, de qualquer gênero, deixar de formular a velha “qual é mesmo a mensagem?”, antecipemos o principal elemento temático de Senhora, antes mesmo de lhe analisarmos a forma: a reificação ou coisificação do ser humano. O casamento como produto de uma operação comercial, fato comum àquela época, tem, no relacionamento entre Aurélia e Seixas, um retrato pintado com as mais fortes cores do Romantismo. Aurélia manipula o marido a partir do poder emanado de sua fortuna. Compra-o, submete-o, escraviza-o. Mas, e isso é inerente também àquela escola, o Amor, aliado incondicional do Bem, triunfa, restando, para a posteridade, a denúncia de uma prática tão vil.
(*) Publicado no livro Análise Literária das Obras do Vestibular 2000, da UFAM.