Amigos do Fingidor

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Senhora, uma leitura 2/6

Zemaria Pinto

Senhora - Análise da Obra


Enredo  


Resumamos, leitor, a fábula de Senhora. Pela leitura da obra, cuja narrativa é feita em recortes temporais, você deve ter percebido que o autor apresenta-nos um quebra-cabeça que montamos pacientemente. Aqui, procuramos desmontá-lo, apresentando a história contada sob uma perspectiva temporal linear, com princípio, meio e fim. Enfatizamos, entretanto, que o leitor não pode abrir mão do prazer de ler o texto original, no qual poderá apreciar, em seus mínimos detalhes, a arte narrativa de Alencar.  

Aurélia Camargo, órfã de pai, vive com a mãe, Emília, e o irmão, Emílio, num subúrbio do Rio de Janeiro, em situação miserável. O pai de Aurélia, Pedro Camargo, é preciso que se diga, um homem fraco de caráter, extremamente submisso ao pai, um rico fazendeiro, manteve ocultos deste a mulher e os filhos. Após a morte de Pedro, Emílio, o irmão, começa a trabalhar como caixeiro, porém morre logo em seguida, vítima de pneumonia.

Por insistência da mãe, que via no casamento da filha a única oportunidade de mudança de sorte, Aurélia coloca-se à vista de todos, na janela, em exposição, à espera de um pretendente. Surgem, assim, vários interessados, que

ambicionavam colher para a transplantar ao turbilhão do mundo; outros apenas  se contentariam de crestar-lhe a pureza, abandonando-a depois à miséria.
(Quitação, III)

A notícia da beldade de Santa Teresa espalha-se, chegando aos ouvidos de seu tio Lemos, irmão de Emília, que havia rejeitado a irmã por não reconhecer seu casamento com o pai de Aurélia. Aurélia, ingenuamente, via em Lemos a possibilidade de um amparo, esperança de não precisar expor-se à cata de um marido. Todavia, Lemos tem intenções pouco recomendáveis para com a sobrinha, achando que a jovem

estava à espera do primeiro desabusado, que tivesse a coragem de arrancá-la  da obscuridade onde a consumiam os desejos  famintos, e transportá-la ao seio do luxo e do escândalo. Apresentou-se pois francamente como o empresário dessa metamorfose, lucrativa para ambos.
(Quitação III)

Fernando Seixas, jovem galanteador e elegante, faz a corte a Aurélia, sendo correspondido pela moça. Entre os admiradores de Aurélia, encontra-se também Eduardo Abreu, moço rico que se apaixona verdadeiramente pela jovem, propondo-lhe casamento. D. Emília faz pressão sobre Seixas, para que tome uma decisão de compromisso ou deixe o caminho livre para Abreu. Acuado, Seixas faz juras de amor à Aurélia, pedindo sua mão em casamento.

Entretanto, com o passar do tempo, Seixas percebe que não fizera bom negócio, pois, sendo ambos pobres, que futuro poderiam ter juntos? Assim, embora Aurélia demonstrasse sua profunda afeição e abnegação ao noivo, Seixas a substitui por Adelaide Amaral, e seu dote de 30 contos de réis.

Ah, leitor, esclareça-se: àquela época, os rapazes eram contemplados pelos sogros com um presente em dinheiro, para que pudessem iniciar a vida a dois com tranquilidade. 

Ao tomar conhecimento da atitude de Seixas, Eduardo Abreu volta a procurar Aurélia, que o rejeita mais uma vez. O antigo pretendente de Adelaide, Torquato Ribeiro,  bacharel  pobre, que fora colega de faculdade de Seixas (que não concluíra o curso em decorrência da morte do pai), torna-se amigo de Aurélia, sendo-lhe de grande valia quando da morte de D. Emília, ajudando a órfã, inclusive, a conseguir um lugar para morar, com D. Firmina Mascarenhas, uma parenta distante.

Na sequência desses acontecimentos infaustos, Aurélia perde também o avô paterno, que, pouco antes de morrer, havia reconhecido a nora e sua filha, nomeando Aurélia como sua única herdeira. O leitor deve suspirar aliviado: enfim, uma notícia feliz.

Milionária, Aurélia vislumbra a possibilidade de ter novamente o ex-noivo aos seus pés, e, através do tio Lemos, que fora nomeado seu tutor, pois Aurélia  era menor, faz um contrato de casamento com Seixas, prometendo-lhe, como dote, 100 contos de réis. O nome da noiva milionária, contudo, não é revelado. A proposta é aceita pelo perdulário e endividado Seixas, que recebe, logo, como adiantamento, 20 contos de réis. No embalo, Aurélia também “arranja” o casamento do amigo Torquato com sua antiga oponente, Adelaide Amaral.

Ao descobrir na noiva rica sua antiga namorada, Seixas fica extasiado. Entretanto, na noite de núpcias, Aurélia expõe toda a verdade, desmascarando-o e às suas falsas juras de amor, dizendo-lhe, com todas as letras, que o havia “comprado”. Seixas, humilhado, aceita friamente o cheque de 80 contos de réis, e inicia sua vida de escravo, dedicando-se inteiramente à Senhora, representando o seu papel de marido, sem perceber, todavia, que inicia também a “reeducação” de seu caráter. Diante da sociedade, fazem a encenação de um casal feliz. Sozinhos, entretanto, Aurélia e Seixas travam diálogos que são verdadeiros duelos.

O tempo e a situação degradante fazem com que Seixas mude seu caráter, ao ponto de querer “comprar” sua liberdade de volta. Assim, não gasta o cheque de 80 contos, e, com seu trabalho e o recebimento, inesperado, de pouco mais de 15 contos, provenientes da “venda de privilégio de minas de cobre”, que havia intermediado,  junta finalmente os 100 contos de réis, e faz seu “resgate”.

Aurélia jura seu amor a Seixas, perdoando-o e pedindo perdão. Seixas reluta, dizendo que a riqueza de Aurélia separou-os para sempre. Aurélia tenta persuadir o marido, entregando-lhe o testamento que havia feito no dia do casamento, no qual declara o enorme amor que lhe dedica, nomeando-o ainda  como seu único herdeiro. Seixas convence-se da sinceridade de Aurélia, e dão, ambos, a “guerra conjugal” por finda. Os dois amantes, reconciliados, podem então consumar o casamento:
As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor  conjugal.
(Resgate, IX)