Zemaria Pinto*
A crônica, enquanto gênero literário, sofre de incompreensão crônica: ora confundida com o conto, ora mero registro de banalidades, poucos são os escritores que conseguem manter o interesse pelo que publicam sob esse rótulo. Tenório Telles é um desses casos raros, produzindo crônicas de alto valor literário, conforme atestam estas pouco mais de duas dezenas de textos, reunidos sob título tão instigante: Viver.
Aliando sensibilidade e reflexão, suas crônicas não se deixam devorar por Cronos, o irascível deus que devorava os próprios filhos, e nos devora a todos cotidianamente. Há sempre algo a ser extraído destes textos, mesmo quando tratam da reles burocracia bancária – revelando o descaso para com o publico e, particularmente, com os idosos – ou quando refletem sobre o dia a dia a partir de uma singela partida de futebol.
Mas é nos textos mais densos que Tenório Telles combina uma poesia delicada e um pensamento aguçado, tensionando a linguagem, sem abrir mão da simplicidade:
Apesar da morte, das guerras e da descrença, a vida persiste e o coração deseja e sonha. Sob a pele, sob as camadas de carne e osso, as sementes do bem e da utopia germinam. Em segredo, as flores da bondade desabrocham para o milagre das coisas, dos seres e da renovação da promessa de redenção da humanidade.
(“Luz, beleza e verdade”)
Refletir sobre a existência, sobre a vida e seus múltiplos sentidos, é a principal função destas crônicas: “Caminhar”, “Acreditar...” ou “Sobre a indiferença” são textos que, na sua marcante franqueza, levam o leitor a pensar essa “conspiração enigmática que se chama vida.” Bons exemplos não nos faltam e Tenório não se farta de lembrar-nos: Machado de Assis, Gandhi, Mandela, “homens que fazem a diferença”.
Mesmo quando baixa a guarda do otimismo, como em “Juventude transviada”, “Uma mãe e sua dor” ou “Trágico cotidiano”, o contraponto logo se levanta:
O resgate dos valores familiares é imperativo na redefinição do futuro da humanidade. Sem a família será o caos, a brutalidade e a impossibilidade de uma convivência mais virtuosa entre os seres humanos.
(“Famílias que fazem a diferença”)
A forma epistolar é recorrente: “Carta a um amigo imaginário”, “Carta a uma amiga distante”, “Carta ao mestre”, “Carta a uma aluna” são arrematadas com uma inusitada carta a Deus, onde, após refletir sobre o mau uso de Seu santo nome, Tenório dispara:
Sinto-me constrangido com toda essa insanidade e esse cinismo. Quando penso em tudo isso, sinto-me envergonhado. Tento entender o porquê de toda essa maldade e ingratidão. É por causa dessas coisas que resolvi Te escrever.
(“Em defesa de Deus”)
O cronista-crítico literário não poderia deixar a literatura de lado: “Um romance sobre a vida” e “Um livro sobre a liberdade” celebram dois livros/autores fundamentais: São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.
Pois Viver é isso e muito mais, o que o leitor poderá descobrir sem pressa, sorvendo lentamente a sabedoria que emana destas páginas, como de um manancial de luz:
Resistir, sonhar e amar são os antídotos para os males que acometem este tempo de sombras e medo, de indiferença e egoísmo.
(“Carta a uma amiga distante”)
(*) Apresentação do livro Viver, de Tenório Telles.