João Bosco Botelho
A palavra
deontologia, em torno do conjunto ético-moral, alcançou a maior parte das
especialidades sociais. Na Medicina, apareceu pela primeira vez, em 1845, no
Congresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simon, intitulado
“Deontologia médica ou dever e direitos dos médicos no estado atual da
civilização”. No Direito, em época equidistante, por meio dos escritos do
filósofo inglês Jeremy Benthan, considerado fundador do Utilitarismo.
De modo
interessante, os códigos de ética do médico e do julgador comportam fundamentos
estruturantes deontológicos semelhantes:
– O médico e
o julgador devem estar sempre a serviço do indivíduo, respeitando a vida e sua
dignidade;
– O médico e
o julgador devem exercer a profissão com liberdade de decidir.
Existe clara
aproximação entre as construções das éticas da Medicina e do Direito ajustadas
à busca da materialidade, respectivamente, da doença e do delito, nas primeiras
cidades. Nas culturas que se desenvolveram mais intensamente no segundo milênio
a. C., no Oriente, as práticas médicas também estavam dependentes das ideias e
crenças religiosas por meio de deusas e deuses taumaturgos.
O rei
Hammurabi (1728-1686 a.C), da Babilônia, autor do código de Hammurabi, atribuiu
deveres e direitos aos médicos e julgadores, além de estabelecer o valor do
pagamento pelos serviços e penalidades pela má prática.
Em 1531
a.C., o rei Hitita Mursuli I saqueou e incendiou a capital babilônica. O último
descendente de Hammurabi, Sansuditana (1561-1531 a.C.) parece ter morrido nessa
batalha. Acredita-se que os elamitas, sob o comando do rei Shutruknahhum,
invadiram a Babilônia no ano 1155 a.C. e levaram como presa de guerra para Susa
a pedra de diorito negro, onde está gravado na escrita cuneiforme o código de
Hammurabi.
Os membros
da expedição arqueológica francesa de Morgan, nas escavações da acrópole da
capital elamita de Susa, encontraram o diorito negro com dois metros de altura,
contendo o código de Hammurabi, hoje, conservado no Museu do Louvre, em Paris.
Apesar de o
código de Hammurabi não ter sido a primeira tentativa de legislar os conflitos
envolvendo médicos e julgadores, fora das crenças e idéias religiosas,
reconheceu a importância de os conflitos gerados nos trabalhos médicos serem
julgados, certamente, como instrumento capaz de provocar resposta
disciplinadora da autoridade dominante.
Antes de
Hammurabi, outros dirigentes legislaram no Oriente Antigo as relações sociais conflituosas.
Os mais conhecidos: o código do rei Ur-Nammu (2050-2030 a.C.), a coleção de
leis de Urukagima, de Lagas; da mesma época, o código do rei Bilalama, de
Eshnuma, (1825-1787 a.C.) e o de Lipit-istar, de Isin, (1875-1865 a.C).
O Código de
Hammurabi permite entender certos critérios, sempre em torno dos bons
resultados, das leis que regiam a ação médica, na Babilônia, governada pelo rei
Hammurabi. Se pensarmos que as leis também exercem função de evitar conflitos,
os artigos penalizando ou premiando o médico, por estarem na mesma coluna
daquela regulamentando as profissões dos barbeiros, pedreiros e barqueiros, é
possível pressupor um elo comum: se tratavam de categorias envolvidas em
conflitos inquietantes à administração. Dessa forma, somente a ação do
julgador, ligado ao poder dominador, estaria organizada para mediar os
conflitos capazes de gerar instabilidade social.