João Bosco Botelho
As construções sociopolíticas, no processo histórico, sugerem
as leis, também surgem a partir das necessidades sociais. Sob esse pressuposto
teórico, o Código de Hammurabi coibiu os maus resultados das práticas médicas
que geravam conflito social.
Dessa forma, o Direito e a Medicina, nesse ponto, inauguraram
níveis de convivência que continuam se reconstruindo até os dias atuais, isto
é, o julgador se interpõe favorecendo os interesses pessoais e coletivos frente
às práticas médicas consideradas desajustadas dos bons resultados.
As
principais fontes históricas que fornecem informações das práticas médicas e da
presença dos julgadores, na Mesopotâmia, são as tábuas de escrita cuneiforme da
biblioteca de Assurpanibal e Hammurabi. Esses registros também apontam que a
Medicina babilônica, sob a atenção do Direito, iniciou processo consistente
fora da dominância das ideias e crenças religiosas:
– Entender e
dominar as formas e funções do corpo;
– Estabelecer
parâmetros do normal e da doença;
– Vencer as
limitações impostas pelo determinismo da dor e da morte fora de controle.
Um dos
fortes indícios da presença da Medicina e do Direito em convivência
fiscalizadora, gerando respostas que beneficiaram os doentes, reconhecidos
pelas estruturas de poderes, é exatamente o Código de Hammurabi, do fim do
século 16 a.C.
Na
realidade, esse código de leis constitui a primeira estrutura estabelecendo os
limites dos direitos e deveres dos médicos, pagamento pelos bons serviços e
severas punições pela má prática, associando a boa Medicina ao bom resultado.
Também é interessante assinalar que os preços e castigos variavam de acordo com
o estamento do doente. Os maiores preços pelos serviços prestados e castigos
mais severos pelos maus resultados estavam ajustados aos doentes mais ricos e
socialmente importantes.
Dos 282
artigos do Código de Hammurabi, doze regulavam os trabalhos dos médicos,
contidos no conjunto de outros tratando dos veterinários, barbeiros, pedreiros
e barqueiros. No trabalho dos médicos, as leis identificavam as boas e más
práticas médicas voltadas exclusivamente aos resultados de cirurgias. É
possível que os conflitos entre médicos e doentes fossem mais significativos
nos procedimentos invasivos, os cirúrgicos, isso é, onde o tratamento incisava
a pele ou a mucosa.
Os direitos
e deveres dos médicos que executavam procedimentos invasivos e os dos doentes
submetidos às cirurgias estavam vinculados, estritamente, à ordem escravista
numa sociedade rigidamente hierarquizada. Nesse sentido, o pagamento pela boa
prática, bem como o castigo e a indenização da má prática, eram proporcionais à
importância social do doente: quanto maior a posição social do doente, mais
dispendioso o pagamento e os castigos mais severos.
É importante
ressaltar que o Código de Hammurabi, legislando de modo explícito somente as
cirurgias, sugere que os conflitos sociais determinados pelos maus resultados
alcançaram níveis de conflitos suficientes para gerar respostas administrativas
por meio do julgador credenciado pelo poder dominante.
A presença
do Direito, no convívio controlador da prática médica, valorizando os bons
resultados, está inserida na fundamentação maior de manter a vida, refletindo
aspiração humana que se perde no tempo. Dessa forma, na Mesopotâmia, no período
Hammurabi, apesar de as doenças serem consideradas como mal, associado ao
pecado, ocorreu o início do processo laico, para o controle das atividades
profissionais, em especial, a da Medicina.