Zemaria
Pinto
Joyce
Joyce tinha um bordão,
usado sempre que nos despedíamos: – quando quiser me comer me liga. A
impostação afetada de musa noir e o
olhar chispando zombaria. Nos encontrávamos pelos bares da cidade, depois do
expediente. Ela trabalhava em uma loja do Centro, próxima ao banco. Acho que
era sócia. Nos anos 1970, mulher que trabalhava fora e entrava sozinha em um
bar era puta. Joyce não era puta, era uma senhora de muito respeito. Uns 10
anos mais nova que eu, branquíssima e de formas adequadas mas sem relevâncias,
Joyce reinava nas rodas masculinas. Durante um tempo, medido em anos, eu tive a
preferência. Aos poucos nos afastamos, até que um dia ela me apresentou seu
novo “namorado”, engenheiro conhecido na cidade, casado, como eu, bon vivant. Naquela noite de muita
alegria, ela até ensaiou uns passos da habanera
de Carmen sobre uma mesa do bar, para delírio geral. O amor é um pássaro
rebelde. E o desejo também. Ao nos despedirmos, Joyce me beijou no rosto e
sussurrou, dengosa: – quando quiser me comer me liga.