Amigos do Fingidor

terça-feira, 29 de março de 2011

Gabriel saiu para almoçar 11/15

Marco Adolfs



...Vissem então uma Manaus que não existia mais, a não ser em pensamentos; ou em alguma fotografia resgatada que tivesse congelado esse tempo. O fato é que Gabriel Sombra resolvera escrever este ensaio como uma espécie de livro do seu juízo final. Um ensaio sobre a solidão de estar sozinho neste mundo manauara esquisito e à espera de uma morte anunciada a cada manhã. O que o confortava? Os livros, as letras, as livrarias abertas, os almoços sofisticados regados a um bom vinho. Isso, e mais o budismo que dizia professar em seus momentos de silêncio. Nada mais apropriado para um solitário, pensou Sombra, do que praticar o budismo. Buda fora um grande solitário também. E o budismo era uma ação “religiosa” de solitários a enfrentarem, dignamente, seus demônios. E, sim, ainda havia as palavras da velha Bíblia carcomida jogada embaixo de sua rede, perto de onde ficavam as suas nádegas acomodadas. Para facilitar na hora de puxar e ler, embora também recebesse, vez por outros, ares flatulentos. Mas Sombra resolveu puxá-la mais uma vez, abrindo-a em Elias, para justamente ler aquela frase que dizia “Vejam isto os mansos, e se alegrem; vós que buscais a Deus, reviva o vosso coração. Porque o Senhor ouve os necessitados, e não despreza os seus, embora sejam prisioneiros”. Este era o cálice de Gabriel e quanto a isso ele o viera sorvendo até as últimas lágrimas. Mas, para ele, acostumado às intempéries desta vida, apesar desses momentos de extremo sentimento do que seria A Solidão, havia a possibilidade de também poder sempre dar um passo além dela própria. Entendendo que a solidão nunca fora o objetivo final deste Deus. Então para poder lidar com esse sentimento, tornava-se imperativo envolver-se em algum projeto. Um projeto que fosse tocado todos os dias, de forma sistemática. Como os livros de poesia, as leituras programadas e, agora, este ensaio que ele passara a escrever. Um projeto que pudesse o absolver do tédio das horas e da angústia de sentir-se destituído de algum sentido para o restante de sua vida. Um homem velho, e até certo ponto sábio, Gabriel Sombra, o poeta, sabia que existia em todo ser humano uma inquietação que o fazia avançar em qualquer direção escolhida. “Eros lutando contra Tânatos”. Mas, e no caso específico dele, onde Tânatos era uma presença sensível, a partir da pele e do cansaço, próprios de um envelhecimento? O que fazer? O que pensar? Escrever fora a resposta, já que ainda podia. Expressar esse impulso final de busca de sentido para uma existência final. “Melhor do que se entregar ao tédio, que mata de vez”, pensou...