Tenório Telles
Eu acuso a cumplicidade de parte significativa dos políticos do Amazonas com esse crime contra o nosso patrimônio natural. Eu acuso a indiferença dos gestores públicos diante dessa insanidade. Os órgãos que cuidam do meio ambiente no Estado, bem como o Ipaam e o Iphan local são cúmplices dessa brutalidade.
Do cuidado com nosso patrimônio natural depende o futuro de nossa terra. Não, não é só o futuro, mas o presente e a própria vida. Temos a responsabilidade de legar às próximas gerações condições sociais mais favoráveis. E disso faz parte o zelo com nossa maior riqueza: a natureza. Os argumentos que sustentam que o progresso é tudo não têm fundamento se não levam em consideração o significado que lugares e pessoas têm para a existência da sociedade.
O Encontro das Águas é muito mais que um simples lugar. É um espaço que nos identifica e uma metáfora do milagre da vida. Um símbolo do encontro – que não é só o encontro de dois rios: é o encontro de gentes, da magia, da memória e do próprio tempo. É também uma lição: depois de muito lutar, os dois rios se unem e se misturam para formar o rei dos rios do planeta. Pela sua importância e pelo que representa em termos naturais, não tem sentido a insistência das pessoas que têm feito de tudo para construir o porto nas Lajes. O dinheiro não pode estar acima dessas coisas. Se pra eles é isso o que importa, para a sociedade o que interessa é a preservação do Encontro das Águas.
Alguns economistas, que defendem a construção do porto, alegam que a obra trará desenvolvimento para a cidade. E com base nisso tentam cooptar as pessoas para a sua posição. A pressão junto à população que vive no entorno da área tem sido sistemática: muitos, inclusive, em troca de promessas de favorecimento e pequenas vantagens, vestiram a camisa da construção do porto. Alguns poucos seguem resistindo em defesa da manutenção desse espaço natural. O fato é que se os defensores dessa causa forem derrotados, em pouco tempo a beleza do Encontro das Águas sobreviverá apenas em fotografias e cartões-postais.
Devemos, sim, continuar lutando para salvar o nosso Encontro das Águas, para impedir que ocorra com ele o mesmo que aconteceu com os igarapés de Manaus, poluídos pela ausência de tratamento dos resíduos das empresas do distrito industrial. O mesmo crime cometemos com a Ponte da Bolívia, o Tarumã, a Ponta Negra, o Mindu e os espaços naturais da cidade, que poderiam ter sido transformados em parques públicos e foram destruídos pela especulação imobiliária. Isso tudo tornou Manaus uma cidade brutalizada e sufocante, sem lugares para o convívio social ao ar livre. Uma cidade no meio da maior floresta do mundo, sem espaços verdes, sem arborização e com seus igarapés envenenados e aterrados.
Por isso, eu acuso a cumplicidade de parte significativa dos políticos do Amazonas com esse crime contra o nosso patrimônio natural. Eu acuso a indiferença dos gestores públicos diante dessa insanidade. Os órgãos que cuidam do meio ambiente no Estado, bem como o Ipaam e o Iphan local são cúmplices dessa brutalidade. Para decepção de todos, a justiça federal comportou-se de forma irresponsável ao compactuar com os interesses espúrios dos que insistem nesse crime contra o povo do Amazonas. Essa história em torno do Encontro das Águas é um paradoxo: enquanto os países em geral lutam para salvar seus espaços naturais, testemunhamos a ação de um grupo que tudo faz para destruir um dos mais belos cartões-postais do planeta. Para que não envergonhemos as próximas gerações, com nossa omissão, devemos continuar lutando para evitar esse ato de insensatez.