Zemaria Pinto
O estilo
O Romantismo nasceu na Alemanha e na Inglaterra ao final do século XVIII; espalhou-se pela Europa e, via Portugal, chegou ao Brasil em 1836, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães.
Como obra romântica, Senhora apresenta as seguintes características:
a) Imaginação criadora – Embora trate de uma realidade próxima aos leitores, por ser um romance urbano, Alencar cria, idealiza uma realidade fantasiosa, na qual o amor triunfa sempre, mesmo em uma sociedade baseada em falsos valores, degradada pelo dinheiro.
b) Exaltação da fé – É característica do Romantismo a crença do escritor em si mesmo, em sua intuição e no que declara em sua obra. O amor deve triunfar; por isso, no início da trama, Seixas representa um produto social, uma “criação” da sociedade baseada no “ter”. No decorrer da história, mesmo com tudo o que o casamento lhe proporciona, Seixas não se entrega aos prazeres que a fortuna pode comprar. Ao invés disso, redescobre um caráter adormecido e começa a mudar, em busca de resgatar sua liberdade, sua condição de “ser”, já que se transformara em um objeto.
Talvez ainda sob esse aspecto, ao criar uma personagem totalmente boa, sem uma nódoa no decorrer do romance, Alencar empresta a ela a sua profissão. Assim, Torquato Ribeiro é um bacharel pobre, que não advoga, nem tem "posição". Todavia, tem firmeza de caráter, é benevolente e indulgente, é o amigo sincero de Aurélia, um crente no amor.
c) Valorização da natureza – A natureza é refúgio, é porto seguro contra os vícios e a corrupção, reflexos da vida em sociedade. Por isso, mesmo sendo um romance urbano, essa característica romântica está presente, manifestando-se através de Seixas:
Naquele momento porém, assistindo ao romper do dia, ali no meio do jardim, Seixas sentia que além das cores brilhantes, das formas graciosas e dos perfumes agrestes, havia alguma coisa de imaterial que palpitava no seio desse ermo, e que infundia-se em seu ser. Era a alma da criação que o envolvia e comungava com sua alma a inefável serenidade da límpida e fresca manhã.
(Posse, I)
d) Exaltação dos sentimentos – Essa característica representa o predomínio do amor sobre a razão, sendo mostrada, em Senhora, através do amor desmedido de Aurélia, que espera, ao propor o contrato de casamento a Seixas, que este mostre sua dignidade, recusando a proposta vil.
Aurélia crê num homem idealizado, buscando-o “dentro” do marido que comprara. Sua busca não é vã: no final, o amor é vitorioso, consumando-se o “santo amor conjugal”;
e) A musa inatingível – No Romantismo, há a idealização da mulher, que se apresenta como um ser especial, poderoso. Aurélia é, ao mesmo tempo, a órfã pobre e de caráter elevado, crente no amor eterno, e a jovem rica e emancipada, com domínio sobre sua vida, escapando dos padrões patriarcais, pois sua família é “postiça”. Sua fortuna dá-lhe poder para comprar tudo; sua beleza põe a todos a seus pés. Por isso Aurélia é “a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade”.
Para concluir estas observações sobre o estilo em Senhora, convém chamar sua atenção, leitor, para algumas leituras apressadas que colocam esse romance de Alencar como realista. Por tudo o que enumeramos acima, está claro o seu caráter romântico, não? A confusão que se faz é com o comportamento ambíguo de Aurélia e de Seixas. Em ambos há uma predisposição à vilania: Aurélia, por transformar Seixas em mero objeto de uma transação comercial; Seixas, porque desde o início vê-se envolvido em situações duvidosas, culminando com a indigna aceitação da “compra” por Aurélia.
Com o desenrolar da trama, entretanto, percebemos que ambos são verdadeiros anjos de candura, provisoriamente decaídos, é verdade, desviados de seu destino natural: Seixas, massacrado pelo meio social que o pressiona e corrompe, e Aurélia, vitimada pelo egoísmo e ambição de Seixas, subproduto, pois, daquele mesmo meio social. Observe o que diz Seixas a esse respeito:
– A sociedade no seio da qual me eduquei fez de mim um homem à sua feição; o luxo dourava-me os vícios, e eu não via através da fascinação o materialismo a que eles me arrastavam. Habituei-me a considerar a riqueza como a primeira força viva da existência, e os exemplos ensinavam-me que o casamento era meio tão legítimo de adquiri-la, como a herança e qualquer honesta especulação.
(Resgate, IX)
Fundamental para a redenção de ambos, um final essencialmente romântico, é o amor, que move o sol e as estrelas. Além da polpuda herança de Aurélia, claro.