Amigos do Fingidor

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Senhora, uma leitura 6/6

Zemaria Pinto


Estrutura da narrativa

Foco narrativo – Para começar, diferentemente das duas outras grandes obras urbanas Lucíola e Diva, que são narradas em primeira pessoa, pela perspectiva do herói romântico (Paulo e Augusto, respectivamente), em Senhora o foco narrativo  apresenta-se em terceira pessoa, ou seja, o narrador não é personagem da história.

Num exercício pleno do gênio romancista, é o próprio Alencar que, de fora da trama, coloca-se, deliberadamente, como narrador, com o intuito, talvez, de conferir mais realismo ao seu trabalho.

Na narrativa em terceira pessoa, o narrador é chamado onisciente ou demiurgo, por saber de tudo, por estar em toda parte, como um deus. E assim, interfere na narrativa, faz comentários... É o senhor, enfim. Por isso é permitido a Alencar fazer referência a si e a outro livro de sua autoria – daí nossa insistência em fazê-lo também neste trabalho:

Mal pensava Aurélia que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber indiretamente suas confidências, e escrever também o romance de sua vida.
(Resgate, II)

O tempo manipulado – A narrativa não é feita de maneira linear, numa sequência cronológica, e sim por idas e vindas, numa sucessão de imagens: presente/passado; passado/presente.

O recurso de fragmentar a história conduz a narrativa de maneira requintada. Assim, a noite de núpcias é mostrada em dois capítulos, entremeada por toda a segunda parte do livro. Da mesma forma, como já dissemos, o início da narrativa (ou do livro) não é o início da fábula (a história que se conta, com princípio, meio e fim). O autor, artisticamente, propõe-nos um mosaico cujas peças vão se encaixando perfeitamente à medida que a narrativa prossegue. Ao final, temos todas as informações necessárias para a compreensão do que foi lido.

Senhora no século XXI

O Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX é um cenário distante, de cores esmaecidas pelo tempo implacável. Aurélia e Seixas são, para nós, figuras irreais, diferentes de todas as pessoas que conhecemos. Se suas virtudes são idealizadas por José de Alencar, suas falhas e vilanias parecem ingênuas diante do estilhaçamento ético que vivemos. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se os valores.

A Senhora do século XXI seria outra mulher: mais forte, com toda a certeza, no relacionamento sentimental com o novo Seixas, que, por outro lado, não teria escrúpulos de exercer o papel de marido, para o qual fora contratado. O resultado, fugindo à equação alencarina, ensejaria uma trama diferente, recheada de violência, pontuada por cenas explícitas das intimidades das altas rodas, e um final infeliz – pelo menos sob a perspectiva original.  

Ou você acha que não, leitor?