Inácio Oliveira
Rafaela está nua, de tamancos, sobre
a cama. Ela os calça para fazermos amor, às vezes põe também os meus óculos.
Diz que assim me vê mais forte, mais perto, mais dentro. Gosto destes simples
acessórios que não interferem na sua beleza. Repousa de bruços no travesseiro.
A luz da tarde, em conjunção com os espelhos, reflete sobre a penugem dos seus
braços fazendo lembrar um campo de trigo. Sinto-me generoso ao pensar quantos homens
compartilham comigo o corpo desta mulher. Eu não os conheço, nunca vi seus
rostos, não sei das suas histórias; mas sinto-me a eles irmanado. Como se
fizéssemos parte de uma sociedade secreta, tão secreta que nem mesmo seus
membros sabem que dela participam, nem que ela existe. No entanto esta
sociedade existe, uma sociedade de homens tristes, entediados e solitários.
Rafaela se vira na cama. Os peitos
mantêm uma proporção correta, ainda são íntegros e rijos, apesar de muito manuseados.
Ela se move com a leveza de alguém sozinho dentro de um quarto. Diz que o meu
tempo acabou, mas posso ficar mais se quiser. Não há qualquer constrangimento
em seus gestos, como Eva antes de ter comido o fruto.