Pedro
Lucas Lindoso
Nesta
semana vi novamente o filme do Walter Salles – Diários de Motocicleta. O
filme é grandioso. A fotografia é bonita. Os caminhos, as estradas tortuosas,
os lagos andinos, a cordilheira. As
tomadas são de uma plasticidade cativante. Quando Che Guevara e seu amigo
Alberto chegam ao Peru, o filme cresce e as cenas feitas em Cuzco e Machu Picchu
são emblemáticas.
O
ápice do filme ocorre quando eles chegam a San Pablo, colônia de hansenianos na
Amazônia peruana. Che e seu amigo também médico recusam as luvas que
estigmatizam. E assim, quebram regras e tabus impostos pelas freiras que
administram a colônia.
Aniversário
de Che. Há uma festa. Ele mira a outra
margem do rio onde ficam os hansenianos. E deseja comemorar o seu aniversário
com eles. Há um apartheid entre doentes
e sãos. Um caudaloso rio amazônico como barreira. Numa atitude suicida, Che se
atira naquele imenso rio, fundo, com correntezas, à noite, cheio de perigos. Há
gritarias de ambos os lados. Quando finalmente chega à margem onde moram os
hansenianos é carregado e socorrido por eles. Via-se nos olhos dos doentes um
olhar de ternura, endurecido pelo sofrimento,
O
mesmo olhar que vi exatamente em 22 de abril de 2004, há mais de dez anos, na
face dos hansenianos da Colônia Antônio Aleixo, aqui em Manaus.
Naquele
ano construiu-se um conjunto habitacional que se chama Amine Daou Lindoso. A
inauguração contou com a presença do governador do Amazonas, na época, Eduardo
Braga, o ex-presidente Lula e demais autoridades. D. Amine estava lá com seus
quase 80 anos.
Dona
Amine Lindoso foi primeira dama do Amazonas de 1979 a 1982. Ela visitava a
colônia semanalmente. Também nunca foi vista de luvas. Providenciou e conseguiu
atendimento médico, ambulatorial, escola e distribuiu muito carinho e atenção.
O espanto da sociedade manauara era o mesmo das freiras em relação aos dois
médicos argentinos visitantes na Colônia de San Pablo.
Terminada
a solenidade de inauguração do conjunto com discursos e placas de praxe, as
autoridades deixam o local.
E
aí eles vieram, vários, cumprimentar dona Amine. Queriam vê-la novamente.
Alguns bastante mutilados. Fiquei especialmente tocado com uma senhora de
cadeira de rodas, com sinais bastante evidentes de mutilações, porém muito
vaidosa, com uma flor no cabelo. Queria repetir versos já ditos outrora a D.
Amine. E assim o fez. Eles vieram demonstrar aquele olhar de ternura. O mesmo
olhar que Walter Salles captou nos hansenianos de San Pablo.