Zemaria Pinto*
Comecemos por invocar o velho Aristóteles, para quem a natureza da arte é a imitação. A arte imita o real, reproduz as aparências da vida, os aspectos essenciais das coisas. O que distingue a arte é o meio e a forma escolhidos para a imitação. A arte que se manifesta através da escrita é a Literatura. Mas, perguntemo-nos, todo trabalho impresso é literário, ou seja, contém elementos estéticos que possam defini-lo como obra de arte?
Para os gregos, a beleza estava diretamente relacionada com o equilíbrio e a simetria, logo, o Belo, tanto no sentido estético quanto no sentido moral, as belas coisas e os bons sentimentos, era aquilo que deveria ser imitado, aquilo que deveria ser transformado em arte. A literatura dramática dos grandes autores gregos – Ésquilo, Sófocles e Eurípides – reflete esse pensamento, na medida em que a catarse do leitor/espectador realiza-se num crescendo, resultando num estado de purificação, em que o mal é banido, ainda que temporariamente, das almas.
Mas já dois mil e quinhentos anos são passados desde que esses senhores ditaram as normas e confirmaram as regras. E hoje, como identificar uma obra de arte literária? Roman Jakobson, pensador contemporâneo, criou o conceito de “literariedade” para identificar a obra de arte literária. Para ele o “objeto da análise literária não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária”. Ou uma obra de arte, eu completaria.
E o que seria, afinal, essa tal literariedade? Responde o próprio Jakobson: “é um desvio organizado na linguagem, uma violência organizada contra a fala comum”. “Um estranhamento”, diria um outro teórico, o russo Chklovski. Para simplificar, valhamo-nos de outro grande mestre da literatura deste século, o norte-americano Ezra Pound, para sintetizar tudo isso: “grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”. Portanto, acautele-se: na literatura enquanto obra de arte, não cabem a mesmice, o besteirol, a futilidade.
A linguagem escrita é estruturada em signos que reinventam de maneira artística − imitam a partir de combinações estéticas − a linguagem falada, estabelecida, por sua vez, a partir do conhecimento que temos da língua. Daí a distância abissal entre a literatura oral e a literatura escrita, ramos totalmente distintos da cultura de qualquer povo, ainda que esta se abebere, aqui e ali, naquela. Clarice Lispector, que tinha ares de bruxa, mas era uma fada boazinha (ou vice-versa), botou o dedo na ferida: “só pode transgredir a linguagem quem tem domínio sobre ela”. Então ficamos assim: transgressão é domínio, o resto é gramática.
(*)Escrito e publicado (no Amazonas em tempo) ali pelos meados dos 90, do século passado, a partir das aulas de Teoria Literária, que resultariam, afinal, nO Texto Nu.
Ilustração: busto de Aristóteles, cópia do orignal de Lysippos, sec. IV a.C.