Amigos do Fingidor

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O amor reduz a complexidade da vida...

Marco Adolfs


A noite estava fria, com poucos restaurantes abertos àquela hora. “Paris desaparece durante as noites frias”, alguém disse. “Os seres desaparecem após fazerem seus vinhos descerem pelas gargantas”, pensei.

Alpinistas. Fumos ácidos. Vinho descendo. Minha cabeça flutuava para longe do corpo, suspensa em uma corda de nylon balouçante, a subir mais uma montanha. Observando, mais uma vez, uma monstruosa percepção da realidade.

– Depois de amanhã estaremos na Áustria! – alguém gritou, brindando.

Mas eu me imaginava, também, dormindo em um pequeno sótão com água-furtada e a escrever um livro. No intervalo para descanso, lendo Spengler. Depois, ficando a ronronar como um gato. Um tigre, talvez. Mas existe muita sensualidade em escalar uma montanha. Ela nos chama para um delírio em busca de uma espécie de gozo. A felicidade de certos homens parece estar sempre em eles ficarem suspensos entre o céu e a terra.

Foi quando Allendy virou-se para mim e disse:

– Estou com saudades da Ana.

– Você deveria tê-la trazido – observei.

– Não quis vir, desta vez... Disse que não aguentava mais subir montanhas.

“O amor reduz a complexidade da vida”, pensei então repentinamente. Quando dois seres se completam, uma montanha torna-se irrisória perante esse sentimento. O escalar desloca o seu eixo para a vida de cada um. E isso é que é bom. Saber que a alma de alguém amado é mais importante do que tudo. Que a verdadeira montanha está dentro de cada um. As verdadeiras arestas e dificuldades de percurso até o cume... Ao clímax... E que, no caso dos seres humanos, estão no espírito de um homem e de uma mulher que resolvem amar.

– Mas quando você voltar terá o mundo real a teus pés – comentei. 

– O que nos move? – perguntou então Allendy, após mais um gole de vinho.

– A conquista... conquistar uma montanha... ou a mulher amada.

Após os nossos vinhos naquela noite fria, Paris começou a dormir melhor em cada um de nós. Principalmente em Allendy, que disse a nós todos que não iria mais seguir o grupo e que iria voltar para a sua amada Ana. Quanto a nós outros, precisávamos descansar bastante. Para subirmos mais uma montanha.