Marco Adolfs
Alpinistas. Fumos ácidos. Vinho descendo. Minha cabeça flutuava para longe do corpo, suspensa em uma corda de nylon balouçante, a subir mais uma montanha. Observando, mais uma vez, uma monstruosa percepção da realidade.
– Depois de amanhã estaremos na Áustria! – alguém gritou, brindando.
Mas eu me imaginava, também, dormindo em um pequeno sótão com água-furtada e a escrever um livro. No intervalo para descanso, lendo Spengler. Depois, ficando a ronronar como um gato. Um tigre, talvez. Mas existe muita sensualidade em escalar uma montanha. Ela nos chama para um delírio em busca de uma espécie de gozo. A felicidade de certos homens parece estar sempre em eles ficarem suspensos entre o céu e a terra.
Foi quando Allendy virou-se para mim e disse:
– Estou com saudades da Ana.
– Você deveria tê-la trazido – observei.
– Não quis vir, desta vez... Disse que não aguentava mais subir montanhas.
“O amor reduz a complexidade da vida”, pensei então repentinamente. Quando dois seres se completam, uma montanha torna-se irrisória perante esse sentimento. O escalar desloca o seu eixo para a vida de cada um. E isso é que é bom. Saber que a alma de alguém amado é mais importante do que tudo. Que a verdadeira montanha está dentro de cada um. As verdadeiras arestas e dificuldades de percurso até o cume... Ao clímax... E que, no caso dos seres humanos, estão no espírito de um homem e de uma mulher que resolvem amar.
– Mas quando você voltar terá o mundo real a teus pés – comentei.
– O que nos move? – perguntou então Allendy, após mais um gole de vinho.
– A conquista... conquistar uma montanha... ou a mulher amada.
Após os nossos vinhos naquela noite fria, Paris começou a dormir melhor em cada um de nós. Principalmente em Allendy, que disse a nós todos que não iria mais seguir o grupo e que iria voltar para a sua amada Ana. Quanto a nós outros, precisávamos descansar bastante. Para subirmos mais uma montanha.