Zemaria Pinto*
A Escola de Recife
É preciso esclarecer , entretanto , que o que os historiadores chamaram depois de escola de Recife não era exatamente um movimento , mas um acontecimento , ou melhor , uma sucessão de acontecimentos , que , muito tempo depois , a história tratou de juntar como parte de um todo homogêneo .
Voltando à segunda fase da escola do Recife , perguntamo-nos – mas o que era afinal a poesia científica ? Se a poesia trabalha essencialmente com a expressão individual , muitas vezes sentimental , como pode ser científica ? Acontece, leitor , que o Romantismo , inaugurado, no Brasil, 30 anos antes , já esgotara todos os limites . A juventude , inconformista , estava atrás de novas formas de expressão . Da Europa (em particular , da França) vinham muitas novidades . Nas ciências e na filosofia , o Evolucionismo , o Positivismo , o Determinismo . Nas artes , e em especial na literatura , o Realismo , o Naturalismo , o Parnasianismo , o Simbolismo .
A nova forma de fazer poesia não era gratuita , não nascia da simples vontade de meia dúzia de boêmios metidos a intelectuais querendo fazer algo diferente , chocante . Não . Ela nascia do desejo de sepultar de vez os velhos fantasmas românticos, substituindo-os pela racionalidade das novas idéias , cujos principais suportes eram, resumidamente:
1 – o homem não foi “criado”; ele evoluiu de formas inferiores até chegar ao estágio atual ; esse preceito é válido para todas as formas de vida : há uma seleção natural , onde vence sempre o mais forte ; na organização social humana , também prevalece a seleção natural (Evolucionismo );
2 – o conhecimento científico é o único conhecimento utilitário , por isso deve ser valorizado com relação ao conhecimento espiritual ; os males sociais serão eliminados com o progresso material das nações ; a arte deve valorizar o conhecimento científico (Positivismo );
3 – o homem é um produto do meio ambiente em que vive; todos os fatos , físicos ou morais , têm uma causa cientificamente explicável ; a raça , o meio e o momento histórico são fatores preponderantes para o comportamento humano (Determinismo ).
A poesia científica vinha na esteira do Realismo . Prevaleceu, entretanto , o Parnasianismo , que levou a poesia a uma outra direção Vejamos um exemplo da poesia produzida no Recife , àquela época , a partir de um fragmento de Martins Junior:
Buscando demonstrar pela transformação
De uma simples monera a gênese do mundo
Do progresso ; afirmando a lei da seleção
E seu correlativo - a luta na existência !
Tentam reconstruir , fiéis à experiência ,
O vetusto castelo informe do Direito
Podes tudo roer , verme pútrido e imundo !
Esta é a tua missão : devastar a matéria .
E milhões virão mais tripudiar , no fundo
Da cova onde atirar-me a peste ou a miséria !
Podes tudo roer ! Nada , nada te impeça
Na tua faina ! Rói a mortalha , o caixão ,
Se tanto não saciar tua voracidade
(*) Publicado no livro Análise Literária das Obras do Vestibular 2001, este ensaio é o fundamento da minha dissertação no mestrado em Estudos Literários, pela UFAM, em fase, bem adiantada, de elaboração: A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos.